"Impostos em
cascata", artigo de Fernando Gabeira no jornal O Globo, reconhece que
ninguém está disposto a pagar mais impostos a um governo perdulário, que
perdeu o pouco de credibilidade que tinha. Aliás, pagar impostos só
para manter o Estado obeso? Na Suécia, pelo menos, os impostos revertem
em benefício da população:
Joaquim
José da Silva Xavier. Foi traído e não traiu jamais a inconfidência de
Minas Gerais. Dentro e fora do Brasil, impostos sempre geram conflitos.
Tiradentes que o diga. Pagou em parcelas de carne e osso a ousadia de
combatê-los no Brasil Colônia. Vivi quase uma década na Suécia, país de
impostos altos. Algumas pessoas reclamavam de tarifas progressivas.
Argumento: trava o estímulo para produzir mais. Nunca vi, entretanto,
alguém negando a qualidade dos serviços que o governo prestava. Era uma
evidência cotidiana.
Em 2013,
milhões de pessoas foram às ruas no Brasil exatamente pedindo melhores
serviços públicos. De lá para cá nada mudou, exceto a descoberta do
maior escândalo do século na Petrobras. Com ele surgiram também outros
escândalos menores. E a conclusão expressa até por ministros do Supremo:
o sistema de poder que dominou o Brasil é na verdade uma organização
criminosa. Hoje, as pessoas têm muitas razões para achar que seus
impostos são tragados pela incompetência e pela corrupção.
O governo
quer que elas se esforcem mais. Se as consultasse sobre a proposta,
receberia um maciço “não”. Ainda assim, as pessoas perguntam na rua: vai
passar? Em termos puramente teóricos seria rejeitada pelo Congresso.
Afinal, os representantes devem expressar a vontade de seus eleitores.
Mas todos sabemos que o buraco é mais embaixo.
O
governo, no momento, não domina a maioria dos votos. Mesmo entre seus
aliados, o instinto de sobrevivência política costuma falar mais alto. O
que um governo decadente pode oferecer em troca da execração dos
próprios eleitores?
Creio que
muitas decisões vão depender desse cálculo. No Brasil de hoje é
possível difundir com muita rapidez a lista com o voto de cada deputado.
Perto da
CPMF, os outros improváveis cortes do pacote do governo são secundários.
É este imposto que vai ser o centro da batalha nas próximas semanas. De
um lado, Dilma Rousseff já nas cordas, de outro a grande rejeição ao
novo imposto. Ouso dizer que a sociedade é a favorita nessa luta.
No
debate, vai aparecer muita gente dizendo como o imposto é importante
para fazer o bem. No passado, o bem da saúde, agora o bem dos velhinhos.
Por convicção, não tenho resistência a impostos. Pagaria tudo sorrindo
se soubesse que o dinheiro está sendo bem aplicado. Não é o caso.
Então o
que fazer? O CPMF é um imposto em cascata cobrado automaticamente nas
transações financeiras. Podemos protestar, mas lembro que já se
protestou contra a incompetência, em 2013, e mais especificamente contra
a corrupção em 2015.
Não creio
apenas em grandes manifestações. Alguns jornalistas as medem com avidez
e podemos ter menos de 300 pessoas: vão concluir que a CPMF triunfou. O
governo trata as grandes manifestações como populações de risco tratam
as tempestades. Se a casa não caiu, o dia seguinte é de alívio.
Agora
será preciso também uma pressão cotidiana sobre os deputados. Pelo menos
em tese, dificilmente uma sociedade que tenha passado por um governo
incapaz e um pesado esquema de corrupção será obrigada a pagar a conta
sozinha.
Dilma
decreta o aumento zero para o funcionalismo. Semanas atrás foi aos
Estados Unidos e gastou cerca de US$ 100 mil só com aluguel de carros,
e, naturalmente, uma limusine.
É toda
uma cultura do próprio governo que precisa mudar. Além da incompetência e
da corrupção, os governantes se comportam como nababos.
Mesmo na
Suécia, onde se prestam serviços eficazes, as pessoas cairiam de susto
se vissem uma conta de US$ 100 mil em aluguel de carro por um passeio
oficial na Califórnia. Pode-se argumentar: o dinheiro não foi gasto, o
governo deu o cano. Então vamos adiante: se os suecos soubessem que o
governo contratou os serviços por US$ 100 mil e ainda por cima deu o
cano, o próprio gabinete cairia.
Já vivo
no Brasil há muitos anos, para não confundir realidades diferentes. Mas
existem aspirações universais numa democracia. Uma delas é receber
serviços decentes em troca dos impostos. A outra é exigir competência
dos que se dispõem a dirigir o país. A ideia de que os governantes devam
imitar o padrão de vida dos milionários é uma ilusão, embora a cena
política tanto aqui como nos EUA seja povoada de celebridades e
fortunas.
Quando me
perguntam se a CPMF vai passar, respondo que pela lógica não. Mas não
devemos apenas confiar na lógica. A CPMF é apenas um imposto. É toda uma
visão de mundo que está em jogo.
Instale-se
um governo confiável, eficaz e austero, aí então podemos conversar. O
estrago foi muito grande. Se temos de pagar alguma coisa, é razoável que
não seja pago exatamente aos responsáveis pelo prejuízo.
A CPMF é
um processo kafkiano que se abre contra uma sociedade que não cometeu
nenhum crime. Apenas escolheu mal numa eleição que, no fundo, era um
tecido de mentiras.
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