((o))eco
- terça-feira, 22 setembro 2015 00:26
Em Nova York – A luta para evitar que as terras no curso do rio Tapajós, no Pará, não sejam inundadas pela construção de barragens hidroelétricas e uma estratégia inovadora que registra imagens em vídeo para evitar a extração ilegal de madeira na floresta são duas iniciativas indígenas que receberam o chamado Prêmio Equador (Equator Prize, em inglês) das Nações Unidas.
O Instituto Raoni, criado pelo cacique Raoni Metuktire da etnia Kaiapó, um dos grandes nomes contra a construção da usina Belo Monte, no rio Xingu, e o Movimento Ipereg Ayu, principal entidade que representa a resistência do povo Munduruku na bacia do Tapajós pela demarcação definitiva de suas terras foram as duas organizações brasileiras selecionadas pela ONU, de um total de 21 ganhadores.
O anúncio foi feito nesta segunda-feira, dia 21 de setembro, na sede das Nações Unidas, em Nova York, poucos dias antes do início da Cúpula sobre o Desenvolvimento Sustentável que reunirá 150 líderes mundiais, entre 25 e 27 de setembro, para adotar uma nova agenda de desenvolvimento pós-2015.
“A ideia é reconhecer as iniciativas desenvolvidas por povos indígenas e comunidades locais espalhadas pelo mundo que mostrem liderança para tratar de temas tanto ligados à redução da pobreza, como também à proteção ambiental e adaptação às mudanças climáticas”, disse a ((o))eco o gerente do prêmio, Joseph Corcoran.
Segundo o coordenador, o grande objetivo é jogar luz às histórias de sucesso desses grupos que trabalham a nível local, dar voz às suas conquistas e atrair a atenção mundial.
O prêmio será entregue durante a Conferência do Clima (COP 21) que será realizada em dezembro, em Paris – quando o mundo tentará chegar a um acordo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e evitar que a temperatura global aumente em 2º C até o fim do século.
Ações locais para decisões mundiais
“É a nível local que as ações globais devem ter início. As iniciativas locais podem influenciar as grandes decisões mundiais. Vimos pelos ganhadores que há uma grande diversidade de projetos. Há organizações que utilizam altas tecnologias para preservar o meio ambiente, mas também ações mais tradicionais e sabedorias ancestrais para restaurar as áreas verdes e proteger seus territórios”, comentou Christiana Figueres, secretária executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas.
Na opinião do assessor especial do PNUD (Programa da ONU para o Desenvolvimento) relativo a questões indígenas, Hans Brattskar, são os povos tradicionais e indígenas que mais sentem na pele os efeitos das mudanças do clima – desde condições climáticas extremas, inundações, secas prolongadas que ocasionam remoções forçadas e impactam na forma de vida e de sustento dessas populações.
“O mundo precisar conhecer as suas histórias. Esses povos fazem parte da solução e, por isso, é preciso garantir que seus direitos sejam reconhecidos. Se seus direitos não são devidamente consolidados, as florestas estarão em perigo. Trabalhar junto com povos indígenas é uma das formais mais efetivas para proteger as florestas”.
O Prêmio Equador é uma parceria internacional financiada, em sua maioria, pelos governos da Noruega, Alemanha e da agência norte-americana para o desenvolvimento internacional (USAID).
Todos os anos o prêmio abre uma chamada para inscrições. O processo seletivo é bastante concorrido e o comitê de jurados é composto por especialistas e instituições acadêmicas que analisam de forma independente.
Criado em 2002, esse ano o prêmio bateu recordes de inscrições – 1.461 de 126 países. Deste total, 120 projetos foram finalistas e 21 escolhidos. Cada representante dos projetos finalistas se encontrou para uma entrevista pessoal com os jurados. O prêmio de 10 mil dólares será entregue em dezembro.
“Nesta edição, enfocamos no aspecto relacionado a direitos indígenas, conservação das florestas e justiça ambiental. E como este ano teremos a COP21, também enfatizamos em projetos de resiliência e adaptação climática. Os ganhadores nos impressionaram muito, as ideias são inovadoras e criativas. Notamos que o número de inscrições tem aumentado e isso revela que há muitas iniciativas boas pelo mundo e que fazem a diferença”, comentou Joseph Corcoran.
Nesta leva do prêmio, os 21 ganhadores são de 18 países diferentes, desde Afeganistão, Camboja, China, Indonésia, Irã, Bolívia, Colômbia, Honduras, Congo e Quênia. O Brasil já teve dez projetos premiados ao longo de pouco mais de dez anos.
“Colocaram suas vidas em risco”
Até mesmo o ator de Hollywood, Alec Baldwin, que se apresenta como um ativista envolvido em causas ambientais há 30 anos, se disse surpreendido com as iniciativas de indígenas brasileiros.
O ator americano foi o primeiro a comentar que a luta dos Munduruku chamou a sua atenção. “Fiquei particularmente inspirado pela história do povo Munduruku. Eles são um grupo marcado pela bravura.
Treze mil indígenas na Amazônia brasileira decidiram colocar suas vidas em risco para defender seus ideais. Pelo que notei ao longo desses anos, a mudança que precisamos no mundo não virá apenas de autoridades e governos.
A Conferência em Paris não será uma missão impossível, mas sim uma missão decisiva para o mundo e eles estarão lá para receber o prêmio”, disse.
O Movimento Munduruku Ipereg Ayu vive sob tensão com medo de que parte das terras onde habitam sejam inundadas para a construção de, pelo menos, nove barragens na bacia do Tapajós - um complexo hidrelétrico que prevê gerar 10.682 MW, próximo ao que se projeta produzir em Belo Monte (11.233 MW).
A maioria deste povo vive na Terra Indígena Munduruku já demarcada no Alto Tapajós, mas existem outros grupos em aldeias como a Sawre Muybu ao longo do médio curso do Tapajós próximo ao município de Itaituba. E são estas aldeias e comunidades que, por não terem o título da terra, estão ameaçados de serem removidos pois as áreas serão alagadas para dar lugar às usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá.
Já o Instituto Raoni foi fundado em 2001 pelo cacique que leva o mesmo nome. Raoni ganhou projeção internacional na causa pela preservação da Amazônia e dos povos indígenas.
Ele teve sua história contada em filme nos anos 70 e, nos 90, recebeu apoio mundial de personalidades como o presidente francês François Miterrand, Príncipe Charles, rei Juan Carlos da Espanha e o Papa João Paulo II, para a sua campanha de unificar os territórios indígenas do Xingu (os já demarcados e os que ainda não eram).
Com sede na cidade de Colider, no Mato Grosso, o Instituto Raoni lidera um projeto audiovisual para registrar ações de retirada ilegal de madeira em suas terras. Desde 2004, a entidade foi capaz de proteger 2,5 milhões de hectares, além de promover o sustento e a segurança alimentar de cerca de 3 mil indígenas.
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