terça-feira, 1 de setembro de 2015
Por que as
crises política e econômica se estendem no Brasil? O historiador Marco
Antônio Villa responde: porque as classes dirigentes ainda não
encontraram uma saída segura. De fato, o patrimonialismo ainda nos
aprisiona, e o consensualismo, ao invés do dissenso - que distingue as
verdadeiras democracias - trava qualquer mudança. "O velho e o novo":
No
Brasil, a construção da democracia e de suas instituições é um longo
processo. Isto porque o passado patrimonialista ainda nos aprisiona.
Qualquer avanço é fruto de muita luta e de pequenas vitórias. Como não
temos tradição de rupturas, a tendência é sempre incorporar o derrotado
na nova ordem. Que, obviamente, deixa de ser plenamente nova; pois, ora
mais, ora menos, rearranja o poder político mantendo frações do passado
no presente. Esta permanência não só dificulta a plena constituição do
Estado Democrático de Direito, como impede até que o pensamento crítico
se incorpore à vida política nacional.
A
tendência histórica à conciliação transformou o aparelho de Estado numa
esfera onde os antigos vícios da gestão da coisa pública permaneceram
petrificados. O entorno era modificado mas a essência mantinha-se a
mesma. Como se a História não se movimentasse. Pior, como até se o
processo eleitoral de nada adiantasse, restringindo-se à mera
substituição dos gestores, sem alterar seus fundamentos.
Virou
lugar-comum afirmar que as instituições de Estado brasileiro estão em
pleno funcionamento. As ações de combate à corrupção são demonstrações
que reforçam a afirmativa. Contudo, cabe perguntar se a permanência da
corrupção em todos os níveis e em todos os poderes da República não
representa justamente o contrário. Ou seja, que as instituições
funcionam mal, muito mal. Se há tanta corrupção, é porque é fácil
instalar uma organização criminosa, político-partidária ou não, no
interior dos órgãos estatais. E com a garantia da impunidade ou, no
máximo, de suaves punições que estimulam, em um segundo momento, novos
atos contrários ao interesse público, como no binômio mensalão-petrolão,
onde o núcleo duro é o mesmo, mas em uma magnitude — em termos
financeiros e temporais — muito maior.
Identificar
a permanência e apontar a necessidade urgente de enfrentá-la não é bem
visto no país das Polianas. E haja Poliana. Se a análise se concentrar
em Brasília, como símbolo do poder, é possível detectar que, apesar de
vivermos uma das mais graves crises da história republicana, não há
nenhuma possibilidade de mudança, mudança efetiva. A atual paralisia
política é resultado da dificuldade de construir uma saída mantendo os
velhos interesses no aparelho de Estado. O resto é pura fraseologia
vazia. Como diria o titio Joel Santana: cock-and-bull story.
O
petismo, no auge, contou com apoio entusiástico da elite brasileira.
Mesmo após as denúncias do mensalão, publicizadas na CPMI dos Correios.
Para as classes dirigentes, o projeto criminoso de poder foi visto,
apenas, como uma forma de governança, nada mais que isso. Quando Dilma
Rousseff iniciou seu primeiro mandato, foi muito elogiada pela forma
como administrava o governo e pelo combate — ah, Polianas — aos
malfeitos, forma singela como definia a corrupção, marca indelével do
seu período presidencial. Quem apontava as mazelas era visto como
rancoroso, um pessimista contumaz.
No momento que Fernando Collor renunciou à Presidência da República, já tinha ocorrido uma recomposição de forças, desde o mês anterior à autorização para a abertura do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados, a 29 de setembro de 1992. Ou seja, a movimentação em torno de Itamar Franco, vice-presidente, permitiu que o bloco político-empresarial estabelecesse e garantisse as condições de governabilidade, que tinham sido afetadas desde o início do mandato, um ponto fora da curva entre os períodos presidenciais desde 1945. A queda de Collor — sem nenhuma sustentação social ou no Congresso Nacional — pode ser compreendida, então, mais como um rearranjo do bloco político-empresarial, redefinindo interesses no interior do aparelho de Estado, do que uma vitória das ruas, dos caras-pintadas. As ruas — mesmo sem o querer — acabaram permitindo uma saída confiável no interior de uma ordem política intrinsecamente antirrepublicana.
As
acusações que pesam contra Dilma Rousseff são incomparavelmente mais
graves do que aquelas imputadas a Fernando Collor. Os atos de corrupção,
a desastrosa gestão econômica e o controle da máquina estatal por uma
organização criminosa com tentáculos nos Três Poderes não têm paralelo
na nossa História. Mas por que a crise política se estende? Por que a
crise econômica parece não ter fim? Porque não foi encontrada uma saída
segura para a classe dirigente, porque Michel Temer não é Itamar Franco,
porque Dilma Rousseff não é Fernando Collor, porque o Partido dos
Trabalhadores não é o Partido da Reconstrução Nacional e porque as
crises político-econômica de 2015 é mais complexa que a de 1992.
A
principal dificuldade para ser encontrada uma saída política nos moldes
da (triste) tradição brasileira deve-se principalmente à sociedade
civil. Hoje, com todas as limitações, ela vem se organizando e se
mobilizando de forma independente do Estado e de seus braços, como os
partidos políticos. As três grandes manifestações — de 15 de março, 12
de abril e 16 de agosto — não têm paralelo na História do Brasil. Um
acordo pelo alto, costurado pelos velhos interesses, é muito difícil — e
pode ter vida curta. É necessário ir mais fundo. Não basta a simples
troca de presidente. O receio maior de Brasília é ter de enfrentar o
Brasil real. Aquele que não quer mais ver a corrupção impregnando as
ações de Estado, tenebroso método de gestão e de desqualificar a
política, “fazendo-a descer ao plano subalterno da delinquência
institucional”, como bem escreveu o ministro Celso de Mello. (O Globo).
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