Houve
um tempo em que eu exercia o cargo de editora de dois cadernos no
jornal “O Globo”: a “Revista da TV”, que era semanal, e o “Razão
Social”, mensal. Costumava dizer, brincando, que enquanto num suplemento
eu podia transitar bastante no mundo da ficção, no outro, que abordava o
tema da sustentabilidade, eu era obrigada a botar os dois pés na
realidade e seguir em frente. Aos
poucos, porém, quanto mais eu me capacitava nos assuntos
socioeconômicos e ambientais para atualizar o “Razão Social”, mais
percebia que era possível fazer ligações com os dois temas. Ficção e
realidade iam se entrelaçando em instigantes fios labirínticos que eu
gostava de pinçar de vez em quando para achar brechas e conseguir fazer
deles um único novelo.
Enquanto isso, atores e atrizes envolvidos na gravação da minissérie “Amazônia – De Galvez a Chico Mendes” experimentaram um choque real ao sentir o cheiro pavoroso da queimada que precede a derrubada de árvores quando tiveram que se embrenhar na região para usá-la como cenário. Na volta, escreveram uma carta e passaram a colher assinaturas para protestar contra o desmatamento. Estávamos em janeiro de 2007, a carta seria entregue para a então ministra do meio ambiente Marina Silva. E eu, é claro, aproveitei o momento e fiz o link num editorial da “Revista da TV”. Brecha encontrada. O texto fez sucesso.
Puxei da memória esse novelo quando entrei segunda-feira (7) no auditório do Museu do Amanhã para assistir ao workshop “Vozes do Velho Chico” que a Globo promoveu para apresentar o tema da próxima novela das nove, “Velho Chico”. Estava repleto, sobretudo com jovens de movimentos sociais e de universidades parceiras da emissora. Aqui quero abrir um parêntesis para dizer que sim, acredito que as novelas, feitas com esmero e qualidade de pesquisa, podem se tornar um meio de informação bastante eficaz quando contam uma parte da História. Podem criar redes, abrem espaço para trocas, para reflexões. Se bem aproveitadas, as tramas da teledramaturgia servirão como início de um estudo, fonte de pesquisas. A mecha de ficção, que sempre é necessária para que não deixem de ser, também, entretenimento, não precisa impedir o bom uso que se pode fazer das novelas temáticas.
Enquanto isso, atores e atrizes envolvidos na gravação da minissérie “Amazônia – De Galvez a Chico Mendes” experimentaram um choque real ao sentir o cheiro pavoroso da queimada que precede a derrubada de árvores quando tiveram que se embrenhar na região para usá-la como cenário. Na volta, escreveram uma carta e passaram a colher assinaturas para protestar contra o desmatamento. Estávamos em janeiro de 2007, a carta seria entregue para a então ministra do meio ambiente Marina Silva. E eu, é claro, aproveitei o momento e fiz o link num editorial da “Revista da TV”. Brecha encontrada. O texto fez sucesso.
Puxei da memória esse novelo quando entrei segunda-feira (7) no auditório do Museu do Amanhã para assistir ao workshop “Vozes do Velho Chico” que a Globo promoveu para apresentar o tema da próxima novela das nove, “Velho Chico”. Estava repleto, sobretudo com jovens de movimentos sociais e de universidades parceiras da emissora. Aqui quero abrir um parêntesis para dizer que sim, acredito que as novelas, feitas com esmero e qualidade de pesquisa, podem se tornar um meio de informação bastante eficaz quando contam uma parte da História. Podem criar redes, abrem espaço para trocas, para reflexões. Se bem aproveitadas, as tramas da teledramaturgia servirão como início de um estudo, fonte de pesquisas. A mecha de ficção, que sempre é necessária para que não deixem de ser, também, entretenimento, não precisa impedir o bom uso que se pode fazer das novelas temáticas.
Em “Vozes do Velho Chico”, o workshop, a chance foi essa. Do professor e doutor Elson de Assis Rabelo, da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), que abriu o evento, ouviu-se relatos sobre as diversas mudanças de um dos maiores rios do Brasil, único genuinamente brasileiro, que banha 521 municípios, atravessa cinco estados, tem quase 3 mil km de extensão.
Desde a década de 70 ele vem sendo invadido,
atropelado, pelo desenvolvimentismo. São
nove hidrelétricas, a mais conhecida é a Paulo Afonso, que retiram da
força de suas águas a energia para iluminar casas e prédios. A
agricultura irrigada, o crescimento urbano e, mais recentemente, obras
de transposição, têm colaborado para um definhamento do rio a olhos
vistos.
Roberto Malvezzi, filósofo e integrante da Comissão Pastoral da Terra, também convidado a conversar na mesa de debates ancorada pela jornalista Bianca Ramoneda, trouxe mais informações.
“O São Francisco é o rio brasileiro mais emblemático porque é o único que nasce no Sul e corre para o Norte. Ariano Suassuna já dizia: ‘Quando o Brasil quer se reencontrar ele precisa voltar ao Vale do São Francisco’. A mudança violenta do São Francisco começou a acontecer na década de 70. Hoje, no trecho de Sobradinho, o rio tem 800 metros cúbidos de água. Mas ali já teve 2.800 metros cúbicos. O Velho Chico é simbólico, as pessoas têm um trato pessoal com ele. Sua decadência é que nos deixa agoniados, nos deixa em estado de alerta. Gosto de usar a palavra suportabilidade em vez de sustentabilidade. E me pergunto: o que o São Francisco não suporta?”, disse Malvezzi.
As obras de transposição do rio, que consistem em fazer com que as águas do São Francisco cheguem a outros municípios, dividiam opiniões dos especialistas e moradores do São Francisco convidados a palestrarem no workshop. Noves fora? Quase todos acreditam que antes de dividir o que já está pouco, seria preciso revitalizar o rio. E é possível, ainda, dar vida ao Velho Chico?
Da Conservação Internacional (CI), organização ambiental que dará colaboração técnica para a equipe da novela, Rodrigo Medeiros engrossa o coro dos que acreditam ser viável uma transição na sociedade no sentido de se buscar um equilíbrio, ao menos, entre preservação da natureza e prosperidade. É a primeira vez que a Rede Globo faz parceria com esta instituição: “Trata-se de uma colaboração para ampliar o alcance da discussão sobre sustentabilidade presente na trama”, avalia a diretora de Responsabilidade Social da emissora, Beatriz Azeredo.
Ponto alto do encontro, para mim, foi a apresentação de Ozaneide dos Santos, presidente da Associação de Produtores Orgânicos do Vale do São Francisco. Bom demais ouvir o relato, num sotaque tão próprio, sobre como a agroecologia vem mudando a vida das mulheres no semiárido brasileiro. Como o termo ainda é quase desconhecido, sobretudo de uma audiência tão jovem, Ozaneide foi oportuna ao dedicar um quadro da apresentação que levara, num PowerPoint, só para explicar a diferença entre agroecologia e agricultura orgânica:
“Agroecologia pensa em tudo que envolve a comunidade, não é só plantar sem agrotóxicos”, disse ela. E eu ali, torcendo para que aquela meninada da plateia estivesse bem atenta e saísse mais curiosa ainda.
Ozaneide explicou mais: sua associação é formada por pouco mais de 500 pessoas, a maioria mulheres e, dessas, 32 que não sabiam escrever. Além de plantar, colher, beneficiar frutas e comercializar os produtos, inclusive artesanato, elas também tinham um espaço no dia reservado para aprenderem a ler e escrever. Conseguiram. É disso que se trata.
“A agroecologia, como modelo de produção, é entendida como um processo social dinâmico, localmente referenciado, adaptado aos valores culturais, históricos e aos modos de vida dos diferentes grupos sociais, étnicos e/ou raciais. Não se trata, portanto, de uma nova onda associada ao movimento ambientalista, mas de um novo enfoque para o desenvolvimento rural sustentável em todas as suas dimensões”, segundo o livro “Agroecologia, um novo caminho para a extensão rural sustentável” (Ed. Garamond que pesquei aqui na minha estante.
Ozaneide foi aplaudida pela plateia em pé quando terminou sua apresentação com uma frase de um anônimo que diz o seguinte: “Se a mulher e o homem do campo não plantam, a cidade não janta”.
“Velho Chico” tem estreia prevista para a próxima segunda-feira. Entre tramas de amor, traições e reencontros que carregam todas as novelas, ela vai contar a história de um rio brasileiro que pede socorro.
E assim, o Velho Chico real tem merecido, no fim das contas, mais atenção das câmeras do que dos governantes. Em “5X Chico – O Velho e sua Gente” , o longa documentário dirigido por cinco diretores que estreou ano passado, as privações dos ribeirinhos também são tema constante.
Roberto Malvezzi, filósofo e integrante da Comissão Pastoral da Terra, também convidado a conversar na mesa de debates ancorada pela jornalista Bianca Ramoneda, trouxe mais informações.
“O São Francisco é o rio brasileiro mais emblemático porque é o único que nasce no Sul e corre para o Norte. Ariano Suassuna já dizia: ‘Quando o Brasil quer se reencontrar ele precisa voltar ao Vale do São Francisco’. A mudança violenta do São Francisco começou a acontecer na década de 70. Hoje, no trecho de Sobradinho, o rio tem 800 metros cúbidos de água. Mas ali já teve 2.800 metros cúbicos. O Velho Chico é simbólico, as pessoas têm um trato pessoal com ele. Sua decadência é que nos deixa agoniados, nos deixa em estado de alerta. Gosto de usar a palavra suportabilidade em vez de sustentabilidade. E me pergunto: o que o São Francisco não suporta?”, disse Malvezzi.
As obras de transposição do rio, que consistem em fazer com que as águas do São Francisco cheguem a outros municípios, dividiam opiniões dos especialistas e moradores do São Francisco convidados a palestrarem no workshop. Noves fora? Quase todos acreditam que antes de dividir o que já está pouco, seria preciso revitalizar o rio. E é possível, ainda, dar vida ao Velho Chico?
Da Conservação Internacional (CI), organização ambiental que dará colaboração técnica para a equipe da novela, Rodrigo Medeiros engrossa o coro dos que acreditam ser viável uma transição na sociedade no sentido de se buscar um equilíbrio, ao menos, entre preservação da natureza e prosperidade. É a primeira vez que a Rede Globo faz parceria com esta instituição: “Trata-se de uma colaboração para ampliar o alcance da discussão sobre sustentabilidade presente na trama”, avalia a diretora de Responsabilidade Social da emissora, Beatriz Azeredo.
Ponto alto do encontro, para mim, foi a apresentação de Ozaneide dos Santos, presidente da Associação de Produtores Orgânicos do Vale do São Francisco. Bom demais ouvir o relato, num sotaque tão próprio, sobre como a agroecologia vem mudando a vida das mulheres no semiárido brasileiro. Como o termo ainda é quase desconhecido, sobretudo de uma audiência tão jovem, Ozaneide foi oportuna ao dedicar um quadro da apresentação que levara, num PowerPoint, só para explicar a diferença entre agroecologia e agricultura orgânica:
“Agroecologia pensa em tudo que envolve a comunidade, não é só plantar sem agrotóxicos”, disse ela. E eu ali, torcendo para que aquela meninada da plateia estivesse bem atenta e saísse mais curiosa ainda.
Ozaneide explicou mais: sua associação é formada por pouco mais de 500 pessoas, a maioria mulheres e, dessas, 32 que não sabiam escrever. Além de plantar, colher, beneficiar frutas e comercializar os produtos, inclusive artesanato, elas também tinham um espaço no dia reservado para aprenderem a ler e escrever. Conseguiram. É disso que se trata.
“A agroecologia, como modelo de produção, é entendida como um processo social dinâmico, localmente referenciado, adaptado aos valores culturais, históricos e aos modos de vida dos diferentes grupos sociais, étnicos e/ou raciais. Não se trata, portanto, de uma nova onda associada ao movimento ambientalista, mas de um novo enfoque para o desenvolvimento rural sustentável em todas as suas dimensões”, segundo o livro “Agroecologia, um novo caminho para a extensão rural sustentável” (Ed. Garamond que pesquei aqui na minha estante.
Ozaneide foi aplaudida pela plateia em pé quando terminou sua apresentação com uma frase de um anônimo que diz o seguinte: “Se a mulher e o homem do campo não plantam, a cidade não janta”.
“Velho Chico” tem estreia prevista para a próxima segunda-feira. Entre tramas de amor, traições e reencontros que carregam todas as novelas, ela vai contar a história de um rio brasileiro que pede socorro.
E assim, o Velho Chico real tem merecido, no fim das contas, mais atenção das câmeras do que dos governantes. Em “5X Chico – O Velho e sua Gente” , o longa documentário dirigido por cinco diretores que estreou ano passado, as privações dos ribeirinhos também são tema constante.
Crédito da foto: Globo/Renato Wrobel
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