- terça-feira, 31 maio 2016 01:26
Dois leões foram abatidos no Zoo do Chile para salvar a vida de um suicida que conseguiu violar as barreiras de segurança e pulou no recinto, atiçando os leões até ser atacado por eles. No domingo houve outro caso lamentável no Zoo de Cincinnati: uma criança de 4 anos escalou a cerca do recinto dos gorilas e caiu no fosso, cheio de água. Harambe, um gorila macho de 17 anos, nascido em um outro zoo, agarrou o garoto e o arrastou pelo recinto, dentro da água.
Como o protocolos dos zoos prevêem que nestes casos devem ser tomadas medidas para resguardar a vida humana, as equipes do zoos, nos dois casos, tiveram que tomar a difícil decisão de abater os animais para salvar as pessoas.
Além da enxurrada de críticas e acusações de "assassinato" que andam circulando nas redes sociais, percebo que a cada tragédia com animais em zoos surgem centenas de "ambientalistas especialistas" em espécies que nunca estudaram, e eles emitem opiniões sobre como os zoos deveriam ter lidado com a situação de emergência (que eles provavelmente nunca viveram).
Um assunto bastante debatido tem sido o porquê de nestes casos os zoos não terem usado sedação ao invés de abater os animais. A sedação não é uma opção segura quando o animal já está atacando a pessoa (como no caso dos leões) ou está muito próximo da vítima (como no caso do gorila).
Quando o animal recebe o dardo com o tranquilizante, sua primeira reação é geralmente brusca e de agitação, o que pode torná-lo mais perigoso. E o sedativo demora bastante até fazer efeito, portanto seria pouco eficiente para salvar a vida das vítimas.
Após o incidente com o gorila, circulou um vídeo que mostra que na verdade não houve uma agressão inicial do gorila, e sim um comportamento de curiosidade. Os gritos dos visitantes que observavam a cena provavelmente agravaram o quadro. A água no fosso também representava uma ameaça, pois o garoto poderia se afogar enquanto estava sendo arrastado pelo gorila.
Mas é importante lembrar, para quem está analisando o vídeo e condenando a decisão do zoo de abater o gorila, é que nesta situação de emergência, você tem alguns segundos, no máximo minutos, para tomar uma decisão que pode custar a vida de uma pessoa... Você não tem tempo de sentar e calmamente assistir o vídeo, ponderar, trocar uma ideia com os colegas e então decidir. O que você tem é um protocolo para resguardar a vida humana. E um gorila de mais de 250 kg arrastando uma criança de 4 anos.
Nossos protocolos de segurança não dizem que temos que julgar se o suicida que se jogou no recinto dos leões merece morrer ou se a criança que caiu no recinto dos gorilas deve morrer para ensinar os pais a serem mais responsáveis.
Escolha de Sofia
Uma coisa eu gostaria de salientar: quem trabalha em zoos sabe o quanto é doloroso tomar uma decisão destas. Nós amamos os animais sob nossos cuidados. Passamos mais tempo com eles do que com nossa própria família. Eles são nossa responsabilidade e nossa paixão. A morte de cada animal nos afeta e entristece profundamente.
Quando temos que sacrificar um animal porque um irresponsável não respeitou nem a sinalização, nem as várias barreiras de segurança e nem a vida do animal, isso é para nós uma tragédia.
No caso dos leões do Chile, em meio a ataques ao zoo e declarações de pessoas desejando a morte do suicida, Maurício Fabry, Diretor do Parque Metropolitano onde está o zoo, deu uma lição de humanidade e empatia ao fazer a seguinte declaração:
"A coisa mais triste foi ver homens e mulheres de
minha equipe chorando,com raiva,
com o coração partido. Se vocês estão lendo
isso, quero dizer-lhes que os apoio
totalmente. Que triste também foi a falta
de empatia com Franco, o jovem de
20 anos de idade, que todos desprezamos. Hoje
falei com seu pai, foi uma
conversa muito forte, um homem humilde, e eu disse a
ele que para salvar
a vida de seu filho tivemos que perder a vida do que mais
amamos no zoológico:
os nossos animais. Eu soube também que este jovem vivia em
um abrigo, seus
dois irmãos estão presos e no ano passado sua mãe morreu.
Manolo, o nosso leão, nasceu no Zoo e é de longe o mais querido de todos. A história que me mata é a da Fraquinha; esta leoa que ganhou este nome porque chegou no zoo no estado mais lamentável que eu já vi um animal. Ela foi abandonada por um circo em Coihueco e quando chegou não podia sequer levantar-se, eu nunca vi na minha vida um animal tão fraco. Tratadores, técnicos e demais profissionais do zoo fizeram um trabalho d e muito carinho para recuperá-la. Alguém realmente acredita de verdade que nós não nos importamos com a morte de nossos leões?
Eu os levarei sempre no meu coração, e tenho certeza que estarão
no coração
de cada um que trabalha aqui. Franco, eu te perdoo, desejo que a
vida te dê
uma segunda oportunidade que esta sociedade não te deu. É verdade
que você
está doente, como também é verdade que estamos doentes enquanto
sociedade.
Eu pelo menos me alegro que pudemos te entregar vivo ao teu pai". |
Essa declaração do Maurício me fez lembrar que uma das coisas que acredito que os zoos podem despertar é empatia, que a meu ver é o que pode dar jeito neste mundo. A declaração do Maurício é também um lembrete de que não podemos seguir lutando para salvar animais se nossa compaixão não se estende também a nossa espécie.
Animais ameaçados de extinção
Gorilas são criticamente ameaçados, pela caça, captura, perda de hábitat e fragmentação. Existem duas espécies de gorilas (oriental e ocidental), cada uma com duas subespécies. Só existem cerca de 125.000 gorilas das subespécies ocidentais. Estudos indicam que suas populações declinaram mais de 60% nos últimos 20 a 25 anos. As subespécies orientais, incluindo os gorilas das montanhas, têm de 2.000 a 10.000 indivíduos.
Os programas de reprodução conduzidos por zoos no mundo todo são vitais para a sobrevivência dos gorilas.
Os zoos não apenas contribuem para a reprodução, mantendo uma população de segurança que pode ser reintroduzida, mas também doam, todos os anos, milhões de dólares para a conservação dos gorilas na natureza. Entre 2010 e 2014, apenas os zoos dos Estados Unidos doaram US$ 4,5 milhões para a conservação de gorilas.
Existem cerca de 150 zoos no mundo todo envolvidos no programa de reprodução para conservação dos gorilas ocidentais, manejando aproximadamente 800 gorilas.
Na América do Sul, o único zoo a manter gorilas e participar deste esforço internacional é o Zoo de Belo Horizonte, que há dois anos comemorou o nascimento de dois filhotes. Além da reprodução para a conservação, zoos fazem um trabalho de conscientização para a redução do nosso impacto sobre a espécie. O Zoos Victoria (Austrália), por exemplo, conduz o programa "They are calling on you", que dá a oportunidade de seus visitantes ajudarem diretamente a salvar os gorilas, entregando seus celulares usados para serem reciclados, pois a mineração de coltan para a indústria eletrônica tem um impacto catastrófico na destruição do habitat dos gorilas. O dinheiro arrecadado com esta atividade é doado a uma instituição, o "Gorilla Doctors", que atende gorilas doentes na natureza.
Quem teve a oportunidade de assistir o tocante documentário Virunga pôde constatar a dura realidade de pessoas abnegadas que tentam salvar a vida de gorilas no Congo. "No ano passado, um gorila macho alfa, o líder de seu grupo, e três fêmeas foram baleados e mortos no parque nacional de Virunga, na República Democrática do Congo.
Duas das fêmeas tiveram bebês e a outra estava grávida. Os dois bebês não foram encontrados, e especialistas dizem que provavelmente morreram de estresse e desidratação. Esta foi a sétima morte na área de Virunga, que abriga 200 dos restantes 700 gorilas da montanha do mundo. Pensa-se que estas mortes não são o trabalho dos caçadores furtivos, porque os corpos foram deixados intactos. Da mesma forma, em uma cena anterior do abate, um bebê gorila - no valor de milhares de dólares no mercado negro animal vivo - foi encontrado agarrado a sua mãe morta."(Fonte: The Guardian).
Para quem diz que é um crime manter gorilas em cativeiro, sugiro que leiam o texto e assistam o documentário. Assim vocês talvez entendam o que é realmente um crime.
Segurança do visitante e do animal
Outra discussão levantada com os acidentes com os leões e o gorila foi a segurança dos zoos. Zoos precisam ter recintos que garantam a segurança de animais e pessoas? Claro que sim. Mas os visitantes também precisam respeitar tanto a natureza selvagem dos animais quanto as barreiras de segurança e a sinalização de advertência.
Para invadir um recinto, um visitante precisa passar por placas, cercas e outras barreiras físicas. Para que uma criança consiga fazer isto, ela deve estar totalmente sem a supervisão dos pais ou responsáveis. É inaceitável que os pais, supostamente responsáveis, tenham ignorado a sinalização de perigo e deixado a criança sem supervisão.
Esta negligência custou a vida de um magnífico e ameaçado animal e poderia ter custado a vida da criança. No vídeo do gorila é possível ouvir a mãe gritando, enquanto o garoto era arrastado pelo gorila "Mamãe está aqui, mamãe te ama". Bom, seria mais interessante se "mamãe" tivesse cuidado melhor do garoto e impedido que ele caísse no recinto.
Estendo minha solidariedade aos Zoos do Chile e Cincinnati, que certamente estão sofrendo pela perda absurda de membros de sua família, e faço um apelo: Quando visitar um zoo, tenha respeito. Pela sua vida, pela vida das crianças sob seus cuidados e pela vida dos nossos animais. Respeite os limites impostos pelo zoo, respeite as barreiras de segurança e a sinalização.
Não deixe que sua negligência ameace a vida de seus filhos e de nossos animais.
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