terça-feira, 31 de maio de 2016

Abate de animais em zoológico: fácil julgar, difícil agir

Por Yara de Melo Barros

Imagem do gorila do zoo de Cincinnati, abatido no domingo após uma criança cair no cela. Foto: Mark Dumont/Flickr.
Imagem de um gorila do zoo de Cincinnati.


Um animal foi abatido após uma criança cair no fosso onde ficam os animais. 

Dois leões foram abatidos no Zoo do Chile para salvar a vida de um suicida que conseguiu violar as barreiras de segurança e pulou no recinto, atiçando os leões até ser atacado por eles. No domingo houve outro caso lamentável no Zoo de Cincinnati: uma criança de 4 anos escalou a cerca do recinto dos gorilas e caiu no fosso, cheio de água. Harambe, um gorila macho de 17 anos, nascido em um outro zoo, agarrou o garoto e o arrastou pelo recinto, dentro da água.


Como o protocolos dos zoos prevêem que nestes casos devem ser tomadas medidas para resguardar a vida humana, as equipes do zoos, nos dois casos, tiveram que tomar a difícil decisão de abater os animais para salvar as pessoas.


Além da enxurrada de críticas e acusações de "assassinato" que andam circulando nas redes sociais, percebo que a cada tragédia com animais em zoos surgem centenas de "ambientalistas especialistas" em espécies que nunca estudaram, e eles emitem opiniões sobre como os zoos deveriam ter lidado com a situação de emergência (que eles provavelmente nunca viveram).

Um assunto bastante debatido tem sido o porquê de nestes casos os zoos não terem usado sedação ao invés de abater os animais. A sedação não é uma opção segura quando o animal já está atacando a pessoa (como no caso dos leões) ou está muito próximo da vítima (como no caso do gorila).

Quando o animal recebe o dardo com o tranquilizante, sua primeira reação é geralmente brusca e de agitação, o que pode torná-lo mais perigoso. E o sedativo demora bastante até fazer efeito, portanto seria pouco eficiente para salvar a vida das vítimas.

Após o incidente com o gorila, circulou um vídeo que mostra que na verdade não houve uma agressão inicial do gorila, e sim um comportamento de curiosidade. Os gritos dos visitantes que observavam a cena provavelmente agravaram o quadro. A água no fosso também representava uma ameaça, pois o garoto poderia se afogar enquanto estava sendo arrastado pelo gorila.

Mas é importante lembrar, para quem está analisando o vídeo e condenando a decisão do zoo de abater o gorila, é que nesta situação de emergência, você tem alguns segundos, no máximo minutos, para tomar uma decisão que pode custar a vida de uma pessoa... Você não tem tempo de sentar e calmamente assistir o vídeo, ponderar, trocar uma ideia com os colegas e então decidir. O que você tem é um protocolo para resguardar a vida humana. E um gorila de mais de 250 kg arrastando uma criança de 4 anos.


Nossos protocolos de segurança não dizem que temos que julgar se o suicida que se jogou no recinto dos leões merece morrer ou se a criança que caiu no recinto dos gorilas deve morrer para ensinar os pais a serem mais responsáveis.


Escolha de Sofia
Uma coisa eu gostaria de salientar: quem trabalha em zoos sabe o quanto é doloroso tomar uma decisão destas. Nós amamos os animais sob nossos cuidados. Passamos mais tempo com eles do que com nossa própria família. Eles são nossa responsabilidade e nossa paixão. A morte de cada animal nos afeta e entristece profundamente.

Quando temos que sacrificar um animal porque um irresponsável não respeitou nem a sinalização, nem as várias barreiras de segurança e nem a vida do animal, isso é para nós uma tragédia.

No caso dos leões do Chile, em meio a ataques ao zoo e declarações de pessoas desejando a morte do suicida, Maurício Fabry, Diretor do Parque Metropolitano onde está o zoo, deu uma lição de humanidade e empatia ao fazer a seguinte declaração:


"A coisa mais triste foi ver homens e mulheres de minha equipe chorando,com raiva, 
com o coração partido. Se vocês estão lendo isso, quero dizer-lhes que os apoio 
totalmente. Que triste também foi a falta de empatia com Franco, o jovem de 
20 anos de idade, que todos desprezamos. Hoje falei com seu pai, foi uma 
conversa muito forte, um homem humilde, e eu disse a ele que para salvar 
a vida de seu filho tivemos que perder a vida do que mais amamos no zoológico: 
os nossos animais. Eu soube também que este jovem vivia em um abrigo, seus 
dois irmãos estão presos e no ano passado sua mãe morreu. 

Manolo, o nosso leão, nasceu no Zoo e é de longe o mais querido de todos. 
A história que me mata é a da Fraquinha; esta leoa que ganhou este nome
porque chegou no zoo no estado mais lamentável que eu já vi um animal. 
Ela foi abandonada por um circo em  Coihueco e quando chegou não podia
sequer levantar-se, eu nunca vi na minha  vida um animal tão fraco. 


Tratadores, técnicos e demais profissionais do zoo fizeram um trabalho d
e muito carinho para recuperá-la. Alguém realmente acredita de verdade
que nós não nos importamos com a morte de nossos leões? 

Eu os levarei sempre no meu coração, e tenho certeza que estarão no coração 
de cada um que trabalha aqui. Franco, eu te perdoo, desejo que a vida te dê 
uma segunda oportunidade que esta sociedade não te deu. É verdade que você
está doente, como também é verdade que estamos doentes enquanto sociedade. 


Eu pelo menos me alegro que pudemos te entregar vivo ao teu pai".

Essa declaração do Maurício me fez lembrar que uma das coisas que acredito que os zoos podem despertar é empatia, que a meu ver é o que pode dar jeito neste mundo. A declaração do Maurício é também um lembrete de que não podemos seguir lutando para salvar animais se nossa compaixão não se estende também a nossa espécie.


Animais ameaçados de extinção
Gorilas são criticamente ameaçados, pela caça, captura, perda de hábitat e fragmentação. Existem duas espécies de gorilas (oriental e ocidental), cada uma com duas subespécies. Só existem cerca de 125.000 gorilas das subespécies ocidentais. Estudos indicam que suas populações declinaram mais de 60% nos últimos 20 a 25 anos. As subespécies orientais, incluindo os gorilas das montanhas, têm de 2.000 a 10.000 indivíduos.


Os programas de reprodução conduzidos por zoos no mundo todo são vitais para a sobrevivência dos gorilas.


Os zoos não apenas contribuem para a reprodução, mantendo uma população de segurança que pode ser reintroduzida, mas também doam, todos os anos, milhões de dólares para a conservação dos gorilas na natureza. Entre 2010 e 2014, apenas os zoos dos Estados Unidos doaram US$ 4,5 milhões para a conservação de gorilas.


Existem cerca de 150 zoos no mundo todo envolvidos no programa de reprodução para conservação dos gorilas ocidentais, manejando aproximadamente 800 gorilas.


Na América do Sul, o único zoo a manter gorilas e participar deste esforço internacional é o Zoo de Belo Horizonte, que há dois anos comemorou o nascimento de dois filhotes. Além da reprodução para a conservação, zoos fazem um trabalho de conscientização para a redução do nosso impacto sobre a espécie. O Zoos Victoria (Austrália), por exemplo, conduz o programa "They are calling on you", que dá a oportunidade de seus visitantes ajudarem diretamente a salvar os gorilas, entregando seus celulares usados para serem reciclados, pois a mineração de coltan para a indústria eletrônica tem um impacto catastrófico na destruição do habitat dos gorilas. O dinheiro arrecadado com esta atividade é doado a uma instituição, o "Gorilla Doctors", que atende gorilas doentes na natureza.


Quem teve a oportunidade de assistir o tocante documentário Virunga pôde constatar a dura realidade de pessoas abnegadas que tentam salvar a vida de gorilas no Congo. "No ano passado, um gorila macho alfa, o líder de seu grupo, e três fêmeas foram baleados e mortos no parque nacional de Virunga, na República Democrática do Congo.


Duas das fêmeas tiveram bebês e a outra estava grávida. Os dois bebês não foram encontrados, e especialistas dizem que provavelmente morreram de estresse e desidratação. Esta foi a sétima morte na área de Virunga, que abriga 200 dos restantes 700 gorilas da montanha do mundo. Pensa-se que estas mortes não são o trabalho dos caçadores furtivos, porque os corpos foram deixados intactos. Da mesma forma, em uma cena anterior do abate, um bebê gorila - no valor de milhares de dólares no mercado negro animal vivo - foi encontrado agarrado a sua mãe morta."(Fonte: The Guardian).

Para quem diz que é um crime manter gorilas em cativeiro, sugiro que leiam o texto e assistam o documentário. Assim vocês talvez entendam o que é realmente um crime.


Segurança do visitante e do animal
Outra discussão levantada com os acidentes com os leões e o gorila foi a segurança dos zoos. Zoos precisam ter recintos que garantam a segurança de animais e pessoas? Claro que sim. Mas os visitantes também precisam respeitar tanto a natureza selvagem dos animais quanto as barreiras de segurança e a sinalização de advertência.

Para invadir um recinto, um visitante precisa passar por placas, cercas e outras barreiras físicas. Para que uma criança consiga fazer isto, ela deve estar totalmente sem a supervisão dos pais ou responsáveis. É inaceitável que os pais, supostamente responsáveis, tenham ignorado a sinalização de perigo e deixado a criança sem supervisão.

Esta negligência custou a vida de um magnífico e ameaçado animal e poderia ter custado a vida da criança. No vídeo do gorila é possível ouvir a mãe gritando, enquanto o garoto era arrastado pelo gorila "Mamãe está aqui, mamãe te ama". Bom, seria mais interessante se "mamãe" tivesse cuidado melhor do garoto e impedido que ele caísse no recinto.

Estendo minha solidariedade aos Zoos do Chile e Cincinnati, que certamente estão sofrendo pela perda absurda de membros de sua família, e faço um apelo: Quando visitar um zoo, tenha respeito. Pela sua vida, pela vida das crianças sob seus cuidados e pela vida dos nossos animais. Respeite os limites impostos pelo zoo, respeite as barreiras de segurança e a sinalização. 

Não deixe que sua negligência ameace a vida de seus filhos e de nossos animais.



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