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Mario Moscatelli denuncia como o esgoto transformou as lagoas que rodeiam o Parque Olímpico
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O biólogo Mario Moscatelli, nas aguas poluídas da lagoa da Tijuca. M. Martín
Rio de Janeiro
O biólogo carioca Mario Moscatelli pede para o seu ajudante aproximar
o barco até o braço de um sofá de couro branco encalhado na lagoa da
Tijuca, no Rio de Janeiro.
Ele pula da embarcação, sobe no estofado, e cruza os braços desafiador
como se fosse um pirata conquistando uma nova embarcação. “Tira uma foto
aqui que é muito simbólico”, solicita. Ao redor há pneus, correntezas
de esgoto in natura, lixo, peixes mortos e pedaços de excremento. “Sorria, você está na Barra!”, ironiza.
Além do mais, as últimas marés e o rompimento de uma ecobarreira de contenção liberaram nos últimos dias toneladas de gigogas, uma planta que, alimentada por matéria orgânica, prolifera em ambientes com alto índice de esgoto. O manto vegetal chegou até a praia da Barra e de Ipanema, escancarando o estado putrefato do complexo de quatro lagoas da Barra de Tijuca. A poluição já obrigou, inclusive, a organização do World Surf League a descartar um ponto da praia da Barra como cenário da competição internacional que se celebra no Rio esse mês.
Moscatelli, de 51 anos, navega nessas águas desde 1992, e, enquanto tenta manter um programa de replantação de manguezais, que atuam como filtros naturais na região, tornou-se o principal denunciador do descaso das autoridades. “Praticamente todos os rios que chegam nas lagoas estão mortos, são valões de esgoto, sem oxigênio”, lamenta. Para demonstrá-lo, Moscatelli dirige o barco de alumínio até a confluência de dois deles e aponta com o dedo a correnteza preta que mistura-se com a água verde – e também fétida – da lagoa de Camorim. A lâmina de água tem aparência de petróleo, escura e espessa, salpicada de fezes e bolhas, provocadas pelo gás metano e sulfídrico proveniente da decomposição de matéria orgânica no fundo. A cabeça começa a doer e os olhos a queimar, o cheiro é insuportável.
“Quando ganhou os Jogos, o Brasil estava na crista da onda e tiveram oito anos para dar um salto qualitativo na recuperação das águas no Rio. Hoje, a Baia de Guanabara, após ter recebido milhões de dólares de investimento, continua sendo uma latrina. Há 49 rios podres desembocando nela”, lamenta o biólogo, fã incondicional do seu trabalho e de Guerra nas Estrelas.
Moscatelli já perdeu a voz denunciando a péssima qualidade das águas da Baia onde serão celebradas as competições de vela durante os Jogos. Não foi o único. Um estudo encomendado pela Associated Press ao virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale do Brasil, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, registrou níveis de vírus patógenos 30.000 vezes acima do que seria alarmante nos Estados Unidos e na Europa.
Também na Lagoa Rodrigo de Freitas, que receberá as provas de remo e canoagem e recebe cerca de 120.000 visitantes todo final de semana, foi registrado um nível de coliformes fecais bacterianos 16 vezes maior do que o permitido pela lei brasileira. “A conclusão é de uma contaminação fecal muito grande. No Rio, é agravado pelo fato de haver um grande contingente populacional, acumulado num espaço pequeno e com pouquíssimo tratamento de esgoto, inclusive comparado a outras grandes cidades do mundo”, afirmou o virologista.
A menos de três meses da Olimpíada, as denúncias e fotos do biólogo proliferam na imprensa local. Ele sabe que a essa altura do campeonato pouco vai conseguir antes do evento, mas mantêm sua máxima de que “o político só funciona sob pressão” e lamenta: “Anos atrás eu pensava que lutava contra a especulação imobiliária, mas hoje percebo que luto contra uma cultura típica de colônia de exploração, a de ‘usar até acabar”.
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