terça-feira, 10 de maio de 2016

Senador autor de PEC ambiental polêmica reconhece benefício a empresa da família

  • 9 maio 2016

Autor de uma proposta de emenda constitucional cujo texto elimina a necessidade de licenciamento ambiental para obras, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO) reconheceu, em entrevista à BBC Brasil, que terá "benefícios econômicos" particulares com a medida.

Os principais benefícios viriam da conclusão de obras de manutenção da BR-319, que corta a floresta amazônica e liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), onde uma empresa do pai do senador realiza transporte comercial de passageiros.
Construída durante a ditadura militar, a rodovia atravessa 28 unidades de conservação em áreas de floresta e foi alvo de uma série de paralisações e embargos ambientais nos últimos anos.

"Nós temos uma batalha jurídica de mais ou menos uns dez anos para poder ter autorização para manutenção da rodovia", disse Gurgacz, em seu gabinete em Brasília. "Os ambientalistas querem ter isso como troféu: não dar autorização", afirmou. "Há uma tendência de radicalizar as questões ambientais."

Gurgacz disse que luta pela regularização da estrada, confirmou que a Eucatur explora comercialmente o local, mas argumentou que a empresa não será a única beneficiada pela PEC 65, que altera o artigo sobre meio ambiente na Constituição.

"(Os críticos) São pessoas mal informadas que não têm interesse em ver a estrada trabalhando. A estrada serve a todos, não a uma empresa", disse. "Outras empresas também têm essa autorização para fazer (transporte de passageiros). Várias empresas se beneficiariam."

A proposta do senador de emenda na Constituição foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no último dia 27, quando todas as atenções se voltavam à votação do parecer da comissão do impeachment na Casa.

Ao fim da entrevista, quando se despedia do repórter, Gurgacz afirmou: "Vamos ter benefícios econômicos, sim, mas o benefício principal é para o povo. A estrada é de todos."

O artigo 6º do Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado diz que parlamentares devem se declarar "impossibilitados de votar a matéria" ou apresentar documento que "explicite razões pelas quais entenda como legítima sua participação na discussão", sempre que houver conflito com interesses patrimoniais – o que não foi feito pelo senador.

O caso da PEC 65 vai além: ela foi redigida e apresentada pelo próprio senador, que minimiza o interesse em entrevista à BBC Brasil. "Em termos de negócio, é um percentual tão pequeno para a empresa do grupo que isso não deve ser levado em consideração."
Questionado, ele não precisou que percentual seria. "Zero vírgula zero alguma coisa."
Para Biviany Rojas, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), "está configurado conflito de interesses".

"Esta é uma discussão da natureza e não de quantidade ou intensidade", avalia. "O código indica conflito de interesses entre a atividade econômica que exerce o parlamentar e a matéria que ele coloca em votação. Se isso implica em uma porção maior ou menor do lucro não faz diferença, a relação de lucro ou benefício patrimonial está caracterizada."

Negócios

O relatório sobre a última paralisação da BR-319 pelo Ibama apontou irregularidades como falta de licença ambiental adequada, supressão de Área de Preservação Permanente (APP), intervenções de rios, alargamento de pista e alojamentos para trabalhadores que desrespeitavam "condições mínimas de segurança e salubridade".

A reportagem conversou com Ivaneide Bandeira, diretora da associação Kanindé, que atua na região da estrada em Rondônia.

"A liberação da estrada é a principal bandeira política do senador e de sua família aqui em Rondônia", disse. "Ela foi construída na ditadura, quando ainda não existia legislação ambiental. Atravessa floresta fechada e muitas áreas indígenas e de povos tradicionais."

Terceiro parlamentar mais rico do Senado, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, Acir Gurgacz é sócio de duas construtoras, uma mineradora, dois frigoríficos, uma faculdade e diversos veículos de comunicação, além de proprietário de 32 imóveis – entre lotes rurais, glebas, terrenos e apartamentos.


Com patrimônio declarado de R$ 10,9 milhões, Acir também informou à Justiça que possui 11 veículos, incluindo dois aviões e um trio elétrico.

A fortuna vem de berço. O pai do senador, Assis Gurgacz, declarou patrimônio de R$ 86 milhões à Justiça, quando se candidatou a vaga de suplente do filho nas eleições de 2014.

A candidatura foi impugnada porque Gurgacz pai foi considerado ficha-suja pelo TSE, após ser condenado em primeira instância por suposto desvio de R$ 1 milhão de verba pública em contratos da firma que explora táxi aéreo, um dos braços da mesma Eucatur. O empresário nega todas as acusações.

No ano 2000, quando se elegeu prefeito de Ji-Paraná (RO), Acir Gurgacz abriu mão da diretoria da Eucatur, declarada pela família à Justiça pelo valor de R$ 37 milhões.

Levantamento feito pela BBC Brasil identificou ao menos 12 autos de infração do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) contra empresas do senador e de sua família, desde os anos 1990.

'Fábrica de Marianas'

O projeto de emenda na Constituição gerou notas de repúdio do Ministério Público Federal (MPF) e de ONGs como Greenpeace e ISA, além de críticas do Ibama, órgão de fiscalização ligado ao Ministério do Meio Ambiente.

Em entrevista à BBC Brasil, o diretor de licenciamento ambiental do Ibama, Thomaz Toledo, disse que a PEC, como foi aprovada na comissão do Senado, reduz o poder do órgão de garantir que o empreendedor cumpra pré-requisitos ambientais necessários para a obra.

"É fato que o texto que está lá acaba com o licenciamento ambiental", diz Toledo, explicando que o licenciamento existe para "reduzir impactos não só sobre recursos ambientais, mas também sobre a população que mora próximo aos empreendimentos".

"O órgão (Ibama) deixaria de fazer todo este esforço e se tornaria só um órgão de remediação. A gente apenas correria atrás do prejuízo", completa o diretor do Ibama.
Em documento enviado ao Senado, procuradores do MPF disseram que a PEC significaria descaso com a população atingida pelas obras.

"A proposta aprovada retira totalmente do Poder Judiciário e do próprio órgão licenciador qualquer controle efetivo sobre o cumprimento das condicionantes socioambientais. Sua consequência direta é o favorecimento da corrupção", diz o Ministério Público Federal.

Para Mauricio Guetta, advogado do Instituto Socioambiental, a proposta do senador "fere cláusulas pétreas da Constituição", impede o Judiciário "de exercer o controle de legalidade, sua missão constitucional" e "viola o direito fundamental do acesso à Justiça, como os artigos 225 e 23 da Constituição".

Marcio Astrini, da área de Políticas Públicas do Greenpeace, diz que "a proposta não é apenas inconstitucional", mas "imoral e insana".

"Se entrar em vigor, funcionará como uma fábrica de tragédias, a exemplo do que ocorreu em Mariana."

Se aprovada, a PEC vale tanto para novas obras quanto para obras em andamento.

'Mal entendido' e 'radicalismo'

Em consulta pública no site do Senado, o projeto aprovado pela CCJ do Senado tinha, até a conclusão desta reportagem, 165 votos favoráveis e 18.931 votos contrários

Após a repercussão negativa, Gurgacz disse que seu texto "talvez não esteja muito claro" e culpou a consultoria que redigiu a emenda constitucional para ele (sem citar nomes).

Gurgacz ressaltou à BBC Brasil que nunca quis eliminar a necessidade de licenciamento ambiental. Também disse que, por outro lado, "deixar a população sem ter acesso a uma obra importante por questões ambientais é radicalismo demais".

"A consultoria entendia que era uma coisa automática, mas não é. Tem que se escrever que tem que ter a licença ambiental", disse. "Nós temos que fazer esse conserto no nosso projeto. Eu imagino fazer no plenário, se possível."

"Nossa intenção é: faz o estudo, pega-se a licença (ambiental), inicia-se a obra e depois não paralisa mais. Se houver algum problema no caminho, se resolve o problema ambiental sem parar a obra", afirmou.

Para autoridades e ambientalistas, entretanto, ainda assim o projeto seria inconstitucional, porque proíbe que pessoas, entidades ou órgãos do governo possam ter direito a apelar para a Justiça em caso de irregularidades.

O senador rebate. "(Paralisar obras) é falta de compromisso com o país. Obras importantes para a população não podem ser paralisadas. Questões ambientais têm que resolver, mas não pode paralisar. Não tem lógica", disse.

O senador classificou as associações entre o projeto que muda a legislação ambiental e possíveis tragédias como a de Mariana como "covardia".

"É uma maldade muito grande com o trabalho da gente", disse. "A gente quer melhorar o nosso país, a qualidade de vida, baixar o custo Brasil. Para isso tem que investir em infraestrutura e não se investe em infraestrutura senão construindo rodovias, ferrovias, hidrovias."

Após a aprovação na CCJ, a polêmica proposta de emenda constitucional agora aguarda votação nos plenários do Senado e da Câmara.

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