segunda-feira, 4 de julho de 2016
Previsão divulgada pela Nasa e pela Universidade da Califórnia aponta
que solo da floresta está mais seco em 2016 do que nos anos de seca
extrema de 2005 e 2010; El Niño é principal culpado
Por Claudio Angelo, do OC –
A Amazônia deverá ter neste ano a pior temporada de queimadas de sua
história desde o início dos registros, em 2001. A previsão foi divulgada
nesta quarta-feira pela Nasa, a agência espacial americana, e pela
Universidade da Califórnia em Irvine (EUA).
O risco de incêndios graves é maior do que 90% em todas as dez regiões
analisadas, que incluem seis Estados da Amazônia brasileira, a Bolívia e
o Peru. O risco mais alto é em Mato Grosso (97%) e no Pará (98%),
justamente os Estados tradicionalmente campeões de desmatamento. No
Amazonas, onde a floresta queima relativamente menos, o risco neste ano é
de 96%.
Análises feitas com auxílio de satélites mostram que a quantidade de
água no solo na floresta este ano é a mais baixa desde o início das
medições, com 2016 superando 2005 e 2010, anos em que a Amazônia viveu
duas de suas piores secas de todos os tempos.
A temporada de queimadas da Amazônia geralmente começa no inverno – o
período seco, chamado de “verão” amazônico. O pico de focos de calor
ocorre em setembro, com um declínio a partir de novembro, quando começa a
estação de chuvas (o “inverno” amazônico).
Em 2016, porém, mesmo os meses de “inverno” já registraram queimadas
acima da média. No Amazonas, foram 3.469 focos de calor registrados por
satélites em fevereiro, um dos meses mais chuvosos do ano. O recorde
para o mês na série histórica foi 250, em 2004. Mesmo em 2015, o ano
mais quente da história até aqui, o número de queimadas no Amazonas em
fevereiro foi apenas 130.
Em Mato Grosso, foram 2.576 focos em fevereiro de 2016, contra 2.286 do
recorde anterior, do ano passado. No Pará, onde fevereiro de 2015 também
havia batido recorde para o mês (1.425 focos), em 2016 registrou-se
mais do que o dobro disso (3.601). Para as dez regiões avaliadas, a soma
do número de focos de calor em fevereiro era mais do que o dobro do
recorde anterior, de 2015 (12.974 contra 5.268). Veja todos os dados
aqui.
“Nossa expectativa é de que este ano vá bater o recorde”, disse ao OC
Douglas Morton, pesquisador do Centro Goddard de Voo Espacial, da Nasa, e
um dos responsáveis pela previsão.
O culpado pelo risco neste ano é o El Niño, o aquecimento cíclico das
águas do Oceano Pacífico que eleva as temperaturas no mundo inteiro e
deixa a Amazônia e o Nordeste mais secos do que o normal. O fenômeno
começou em 2015 e ajudou a secar o solo da floresta, enfraquecendo a
temporada de chuvas. Seu impacto deverá ser plenamente sentido neste
ano.
“Em Santarém, por exemplo, a temporada de queimadas termina em novembro.
Mas a do ano passado continuou em 2016 por causa do El Niño”, afirmou o
americano, que faz pesquisas no Brasil desde o início da década
passada.
Segundo Morton, o padrão de seca observado em 2015-2016, a chamada
“anomalia de precipitação”, é muito semelhante ao visto em 1998 (veja
imagem abaixo). Naquele ano, um mega-El Niño causou incêndios
catastróficos em Roraima e botou as relações entre clima, fogo e
floresta no radar dos cientistas.
A suscetibilidade da região a incêndios varia em função da temperatura
do oceano – e, neste ano, tanto o Pacífico quanto o Atlântico estão
muito quentes. Um Atlântico mais quente desloca o cinturão de chuvas da
região equatorial (a chamada Zona de Convergência Intertropical) para o
norte, secando a Amazônia e turbinando os furacões na América do Norte.
Morton pondera que ainda existe a possibilidade de que uma mudança
brusca na superfície do Atlântico ocorra no segundo semestre e produza
chuvas, interrompendo a tendência. Isso aconteceu em 2013.
O modelo de previsão usado pela Nasa e pela Universidade da Califórnia
em Irvine não é perfeito, seus criadores esclarecem. Afinal, ele só
considera a base física das queimadas. A correspondência entre o modelo e
as observações depende, claro, de outro fator: os produtores rurais e
madeireiros da Amazônia e a tendência do desmatamento num dado ano.
“A exploração de madeira descontrolada deixa a floresta mais seca e com
troncos e folhas mortas, que são altamente inflamáveis. O uso do fogo
para limpar as áreas agrícolas e incêndios acidentais em pastos secos
chegam às florestas degradadas e se espalham rapidamente. Nos anos mais
secos, o fogo se espalha ainda mais, pois as políticas de combate ao
desmatamento são insuficientes para lidar com os incêndios”, diz Paulo
Barreto, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia).
Hoje não é possível separar essas duas grandes variáveis e atribuir peso a cada uma. Não dá para saber ainda o quanto a agropecuária e a grilagem de terras vão influenciar na taxa final de queimadas. Mas a situação de Mato Grosso, por exemplo, acendeu uma luz amarela nos pesquisadores. “Em 2003, quando Mato Grosso teve sua maior taxa de desmatamento, as queimadas começaram mais cedo”, disse Morton.
“As metas frouxas do Brasil para combate ao desmatamento, o corte de recursos para a área ambiental e fiscalização, associado aos planos do PMDB e aliados para o país – retrocessos na legislação e ameaças de flexibilização ainda maior do Código Florestal – podem pôr ainda mais gasolina nessa fogueira”, disse Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Fonte: Envolverde
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