A biodiversidade mundial está ameaçada, e não é de hoje. De acordo com um estudo publicado na revista americana Science, o número de espécies nativas está abaixo do limite seguro para a manutenção de um ecossistema saudável em 58% da superfície terrestre. O estudo, liderado por pesquisadores do Reino Unido, Austrália, Suíça e Dinamarca, é a análise mais abrangente da mudança global da quantidade de espécies nativas realizada até o momento.
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O estudo levou em consideração os limites estipulados pelo Índice de Biodiversidade Intacta (Biodiversity Intactness Index, em inglês), criado por pesquisadores do Postdam Institute for Climate Impact Research, na Alemanha. De acordo com esse índice, uma área natural deve manter 90% de sua biodiversidade. Se essa taxa cair, ações como polinização, decomposição de resíduos e regulação do ciclo de carbono podem ser comprometidas.
Os pesquisadores usaram esse índice para avaliar quantitativamente as alterações, usando um banco de dados de mais de 2,3 milhões de registros de 39.123 espécies que vivem em 18.659 locais diferentes. Os resultados mostram que a biodiversidade global caiu para 84,6%, portanto abaixo do limite seguro. O estudo levou em consideração os números de 2005.
Em entrevista a ÉPOCA, o pesquisador Tim Newbold, um dos autores do estudo e membro do Centro de Biodiversidade e Investigação Ambiental (CBER), da Universidade College London, na Inglaterra, contou que o impacto das pressões de uso da terra sobre a biodiversidade varia por bioma. A análise indica que nove dos 14 biomas terrestres estão fora do limite de segurança sugeridos para a biodiversidade. No Brasil, a Amazônia ainda está no limite seguro. Já o Cerrado perdeu espécies para muito além desse limite.
ÉPOCA - Quais são os fatores que mais comprometem a biodiversidade?
Tim Newbold - As mudanças do uso da terra [que inclui o desmatamento e a perda de outros hábitats naturais, como pastagens e terras secas] são as ameaças mais relevantes no momento. As mudanças climáticas também podem apresentar um desafio adicional para a conservação da biodiversidade. Mas, em nosso estudo, dizemos que a perda da biodiversidade pode ser retardada ou até mesmo revertida se conseguirmos preservar e restaurar o restante dos hábitats naturais.
ÉPOCA - Quais são os impactos visíveis da perda de espécies?
Newbold - Nem sempre é fácil identificar os impactos da perda da biodiversidade. De modo geral, a redução da biodiversidade tem afetado a polinização das culturas, afetando diretamente a agricultura. Além disso, a redução da biodiversidade compromete a habilidade dos ecossistemas de se proteger contra as mudanças climáticas.
ÉPOCA - Alguns teóricos sugerem que devemos lidar com espécies invasoras e assimilar o que elas trazem ao novo ambiente. O que o senhor acha?
Newbold - Nós não sabemos ainda quanto e como as espécies invasoras podem contribuir para o funcionamento dos ecossistemas. Por outro lado, sabemos que em muitos casos a introdução de novas espécies pode ser muito prejudicial para a biodiversidade nativa. A movimentação das espécies é inevitável, por isso ainda precisamos de mais pesquisas sobre os efeitos das espécies invasoras em ecossistemas nativos.
ÉPOCA - Devemos nos preocupar com a perda de diversidade em alguns biomas brasileiros, como o Cerrado, por exemplo?
Newbold - Nós estimamos que a taxa da perda da biodiversidade nas pastagens tropicais e savanas, incluindo o Cerrado, foram muito além do limite seguro. Nessas áreas, a capacidade da biodiversidade de proteger as funções do ecossistema pode estar enfraquecida. Por outro lado, a Amazônia ainda está dentro do índice e é o lugar onde ainda há espaço para esforços de conservação para manter as áreas verdes dentro do limite seguro.
ÉPOCA - Parece razoável que o país com maior biodiversidade do mundo tenha índice pior que os outros. A comparação foi feita entre países com quantidades equivalentes de espécies?
Newbold - Nossas previsões não consideraram as diferenças de biodiversidade natural; portanto, a um deserto é dado o mesmo peso de uma floresta tropical. Estamos planejando analisar cada país em uma pesquisa futura, mas nós não processamos esses dados ainda.
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