terça-feira, 23 de agosto de 2016

"Não se pode desmatar o Cerrado de forma desordenada"




É possível conciliar a conservação dos serviços naturais do Cerrado com a produção agrícola. Mas é preciso planejar, diz Paulo Tarso de Oliveira da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 

 

 

ANA HELENA RODRIGUES (COM EDIÇÃO DE ALEXANDRE MANSUR)
18/04/2016 - 16h10 - Atualizado 18/04/2016 16h10 

O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul (fica atrás somente da Amazônia) e ocupa uma área de 2 milhões de km2. Esse valor corresponde a cerca de 22% do território nacional. Localizado na porção central do Brasil, ele contribui para formação de importantes bacias hidrográficas, como as dos rios Tocantins-Araguaia, São Francisco, Paraguai, Paraná e Parnaíba e abrange 10 das 12 grandes regiões hidrográficas do país.


A água proveniente dessas bacias hidrográficas é crucial para o abastecimento humano, manutenção de funções em outros biomas como o Pantanal e a Caatinga e para o fornecimento de água para a indústria, agricultura e navegação. Além disso, várias usinas hidrelétricas do Brasil usam águas provenientes da região de Cerrado, tais como Itaipu, Tucuruí, Iha Solteira, Xingó e Paulo Afonso.

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Por não ser tão protegido como a Amazônia (que tem 18% de suas terras desmatadas), a vegetação característica do cerrado tem dado lugar a fazendas de soja, algodão e pastagens para gado. De acordo com o último levantamento feito em 2010 pelo Ministério do Meio Ambiente, metade da área nativa do Cerrado já foi desmatada para agricultura e pecuária, que hoje contribui com uma parcela de 23% do Produto Interno Bruto brasileiro. Essas modificações na vegetação nativa podem ter graves consequências para a economia e para o meio ambiente, como alerta Paulo Tarso de Oliveira, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul que pesquisa a influência da ocupação e uso do solo na região. “Não se pode desmatar de forma desordenada e fazer ocupação do solo sem entender quais as consequências disso.”

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Matopiba é a nova fronteira agrícola brasileira  (Foto: Ernesto de Souza/Editora Globo)
Além de influenciar os ciclos de águas superficiais, o Cerrado também pode alterar as reservas hídricas subterrâneas.“Os aquíferos do Bambuí, Urucuia e Guarani se encontram em áreas de Cerrado e alterações no seu balanço hídrico interferem nas taxas de recarga”, diz Oliveira. “Boa parte das áreas de afloramento do Aquífero Guarani encontra-se nessa região o que o torna mais suscetível à poluição e a outros problemas.” Leia abaixo a entrevista.


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ÉPOCA: Quais têm sido as consequências da expansão da agricultura no cerrado?
Paulo Tarso de Oliveira: Conciliar a produção de alimentos e o desenvolvimento econômico com a conservação do Cerrado é um dos grandes desafios para o Brasil, já que a agricultura é responsável por 23% do Produto Interno Bruto brasileiro. Segundo a Embrapa, nos anos de 2009 a 2010, 54% da soja, 95% do algodão, 23% do café, 55% de carne bovina e 41% do leite foram produzidos na região de Cerrado. Grande parte dessa produção é destinada à exportação.


Quando se remove a vegetação natural se reduz a capacidade do solo de absorver a chuva e se retira a camada de matéria orgânica e folhas mortas, que reduzem o impacto das gotas de chuva e facilita a entrada da água no solo. O escoamento superficial (água não absorvida pelo solo) no cerrado é em torno de 1%, ou seja, de toda chuva que cai em uma área de cerrado, somente cerca de 1% escoa superficialmente. Já em uma área sem vegetação - como as preparadas para agricultura - esse valor chega a ser 20 vezes maior. Isso diminui a umidade do solo e prejudica a própria agricultura.


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ÉPOCA: O que tem mostrado os resultados de sua pesquisa?
Oliveira: Nossos resultados sugerem que mudanças no uso do solo (como, por exemplo, a substituição do Cerrado para cultivo agrícola) têm o potencial de intensificar a erosão de 10 a 100 vezes. Em relação à umidade do ar, quando o cerrado nativo é substituído por uma área de agricultura ou de pastagem a tendência é diminuir as taxas de evaporação e transpiração das plantas. A água de evaporação e transpiração é a que sobe para a atmosfera e forma as chuvas. Além disso, os aquíferos do Bambuí, Urucuia e Guarani se encontram em áreas de Cerrado e alterações no seu balanço hídrico interferem nas taxas de recarga. Boa parte das áreas de afloramento do Aquífero Guarani encontra-se nessa região o que o torna mais suscetível à poluição e a outros problemas.Um dos objetivos do nosso estudo é entender como funcionam os processos de uso e ocupação do cerrado que possibilite um ordenamento do solo, determinando o tipo de problema que tem cada região e assim estabelecer o melhor tipo de cultura e técnica de plantio, deixando a agricultura o mais eficiente possível.

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ÉPOCA: Por que o desmatamento no cerrado tem aumentado tanto?
Oliveira: A Amazônia tem um levantamento anual do desmatamento. Para o cerrado, o último levantamento oficial do governo foi feito em 2010 e aponta que 50% da vegetação natural já foi substituída por áreas de pastagem e agricultura. A condição de topografia (relevo plano e suave ondulado) e solos adequados para mecanização agrícola, além das poucas áreas protegidas por legislação, a falta de um rígido programa de monitoramento e as pressões nacionais e internacionais para diminuição do desmatamento na Amazônia tem indicado que o Cerrado continuará sendo principal região para expansão agrícola no Brasil. O Novo Código Florestal determina que em propriedades rurais localizadas na Amazônia, a reserva legal seja de 80% enquanto que para o Cerrado esse valor é de 35%.


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ÉPOCA: De que maneira o Cerrado pode ser protegido?
Oliveira: A responsabilidade de proteção deveria partir do setor público. Na minha opinião, a gente teria que mapear o cerrado e determinar qual região deve ser preservada. A agricultura e pecuária devem ser feitas de forma mais planejada, temos informação e condição para isso. Não se pode desmatar de forma desordenada e fazer ocupação do solo sem entender quais as consequências disso. As alternativas para diminuir os impactos da agricultura sem prejudicar a economia do país são identificar as áreas que podem ser desmatadas para plantio e pastagem, otimizar a agricultura para que as áreas cultivadas produzam mais, determinar as regiões mais indicadas para cada tipo de plantio e disponibilizar as informações para que os agricultores tomem decisões. Devem existir leis para isso.

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ÉPOCA: Que tipo de leis?
Oliveira: Na hora que o agricultor for solicitar um financiamento, o subsídio seria liberado somente se o agricultor seguir as orientações do governo de acordo com os estudos prévios. A partir daí é possível direcionar o uso do solo fazendo com que a nossa agricultura se torne eficiente. Também é preciso que o produtor rural use técnicas de conservação do solo.


 É preciso orientar o agricultor sobre como fazer o plantio em curvas de nível, que impedem que a água da chuva ganhe velocidade e arraste terra e nutrientes e também evitar a monocultura, que empobrece o solo. Sempre deve-se alternar o produto cultivado e manter o solo coberto  com matéria orgânica para evitar a erosão. Isso beneficia o próprio produtor rural que vai ter um solo mais úmido e produtivo, porque não perde nutrientes.


 Quando há perda de solo por erosão, o agricultor perde financeiramente. Imagina a preparação do solo com adubo e cal, boa parte disso ele perde arrastado pela água da chuva. Os produtos podem ficar retidos em áreas mais baixas ou até atingir um rio, o que causa outro problema, pois prejudica a qualidade da água. Não evitando a erosão, gasta-se mais dinheiro para recuperar o solo para plantio. As áreas degradadas ficam cada vez mais improdutivas.

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ÉPOCA: Há exemplos de países que conseguiram diminuir o impacto da agricultura no meio ambiente?
Oliveira: Um exemplo de país com agricultura otimizada é os Estados Unidos. Os problemas de erosão lá começaram a ser estudados na década de 1930 quando o governo implantou técnicas de conservação do solo. Já naquela época criou-se o Serviço de Conservação do Solo, SCS na sigla em inglês, para monitorar as áreas e testar os componentes de erosão.


Hoje em dia, os produtores rurais recebem incentivo financeiro para manter a área bem cuidada ambientalmente. Uma estrutura muito grande foi construída e serve como base para pesquisa de outros países, inclusive. Tudo isso foi feito por iniciativa do governo. Comemoramos o Dia Nacional da Conservação do Solo  (Lei Federal n. 7.876, de 13 de novembro de 1989) em 15 de abril como homenagem ao nascimento de Hugh Hammond Bennett (15/04/1881- 07/07/1960), considerado o pai da conservação dos solos e o principal responsável pela criação do SCS.

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