- quarta-feira, 03 agosto 2016 09:31
O presidente interino Michel Temer assinou o decreto de criação de um Refúgio da Vida Silvestre no santuário marinho localizado no litoral norte de São Paulo, publicado na edição desta quarta-feira (03) no Diário Oficial. A unidade nasce com 67 mil hectares.
A unidade de conservação nasce sob os aplausos dos que lutaram pela preservação do local, que desaprovam apenas a categoria escolhida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio): um Refúgio de Vida Silvestre (Revis) ao invés de um Parque Nacional Marinho, como sempre foi pensado para a área.
A sociedade civil temia que a unidade não tivesse o uso público contemplado. Isso porque na categoria Parque a visitação é obrigatória e faz parte dos objetivos da unidade, enquanto no Refúgio ela é opcional.
O decreto publicado hoje deixa claro que a visitação será permitida, mas demorará um pouco mais: as regras serão definidas pelo Plano de Manejo da unidade, que será feito posteriormente pelo ICMBio, responsável pela administração das Unidades de Conservação federais. O Plano também definirá as regras para pesquisas científicas, atividades de mergulho e para a parada e fundeio [local onde a embarcação lança a âncora] de embarcações.
“Achei ótimo que saiu a Unidade de Conservação. Preferia Parque, que funciona melhor pra área marinha, mas é isso que temos e agora será importante definir urgente o Plano de Manejo com os detalhes do uso público da Unidade, que na minha opinião deve funcionar como se fosse um Parque”, afirma Julio Cardoso, representante do setor náutico no conselho da Estação Ecológica de Tupinambás, que participou da consulta pública realizada em 2011 para a criação do parque.
Ainda de acordo com o decreto, o desembarque para visitação pública nas ilhas, ilhotas e lages só será permitido em condições especiais, e as atividades de mergulho na área só poderão acontecer em locais definidos para este fim, após avaliação da situação de segurança e remoção de eventuais artefatos que possam oferecer risco à liberação da área.
Isso porque parte do Arquipélago de Alcatrazes foi usado durante muito tempo como local de treinamento de tiro da Marinha, que teme que artefatos que não explodiram possa colocar a segurança dos visitantes em risco. A Marinha continuará garantindo a segurança do local, e um novo perímetro foi escolhido para continuar sendo usado como área de exercício da Força Armada.
A nova unidade se sobrepõe à Estação Ecológica de Tupinambás, que é de uma categoria mais restritiva e só permite pesquisa científica. As ilhas e ilhotas que não fazem parte da Estação Ecológica agora pertencem ao Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago. A proximidade não é apenas física: as duas unidades serão administradas de maneira unificada e provavelmente dividirão a mesma sede e a mesma equipe.
José Truda, Vice-Presidente do Instituto Augusto Carneiro e um dos coordenadores da campanha da Rede Nacional Pró-UCs pela criação de mais Áreas Marinhas Protegidas, saudou a criação do Revis:
"É um grande avanço para destravar a proteção do mar brasileiro, que estava abandonada no regime anterior, e valorizar os usos não-extrativos do mar em UCs de Proteção Integral, que podem e devem gerar emprego e renda com Ecoturismo e Mergulho, ao mesmo tempo em que impedem a continuidade da pesca predatória em nossos hotspots de biodiversidade marinha. É claro que preferíamos que fosse decretado um Parque Nacional Marinho, para enfatizar justamente esses usos, mas o Revis também veda a pesca e extração de recursos e permite todos os demais usos de forma sustentável, então a natureza sai ganhando."
Relembre a história da criação da unidade
Em 1990, o deputado Fábio Feldmann (PSDB/SP) apresentou um projeto de lei que transformava a ilha de Alcatrazes em Parque Nacional a partir da mobilização da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro. O objetivo era tentar paralisar os treinamentos de tiros de canhão que a Marinha realizava no local desde 1982, o que ameaçava a preservação da ilha. O projeto de lei foi arquivado em 1997, mas a ideia de criar um Parque Marinho não foi para a gaveta. Em 2004, um incêndio em Alcatrazes após um disparo de canhão fez retornar o apelo da sociedade civil de que a ilha precisava ser protegida.
Muitos negociações foram feitas para chegar ao acordo alcançado em 2013, durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados para falar sobre a criação do parque. Na ocasião, a Marinha anunciou a paralisação do treinamento de tiro de canhão na ilha de Alcatrazes e apoiou a criação de uma área protegida no local.
O processo seguiu curso dentro do ICMBio, quando a proposta foi mudada de Parque Nacional (Parna), categoria aceita por todos, para Refúgio de Vida Silvestre (Revis). A mudança só foi divulgada durante o VIII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), evento realizado em Curitiba entre os dias 21 e 25 de setembro de 2015. A alteração foi atribuída ao então diretor de criação e manejo de Unidades de Conservação do ICMBio, Sérgio Brant, que concluiu a proposta. Mesmo após a saída de Brant, a proposta já estava feita e o ICMBio não quis reiniciar a discussão e ficar mais tempo sem criar a unidade de conservação.
“Criar uma unidade de Conservação não é um estalar de dedos. É sempre um processo, raramente curto, que vai amadurecendo. Alcatrazes tem mais de 16 anos de discussão dentro do ICMBio”, afirmou Rômulo Mello, presidente da autarquia, durante inauguração do novo centro de visitantes no Parque Nacional da Tijuca, realizado na semana passada (28). Segundo o presidente, a unidade é necessária e mudar a categoria após o fim do processo faria a proposta ficar mais tempo na gaveta.
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