quarta-feira, 24 de agosto de 2016
Comecemos com boas notícias. O El Niño mais forte dos últimos 35 anos
está chegando ao
fim. No período 2015-2016, esse fenômeno climático
provocou secas em mais de 20 países. Houve altas temperaturas, escassez
de água e inundações em todo o mundo. Mas as zonas mais afetadas foram
África oriental e austral.
Para entender o que isso significa para a população, basta ver as
repercussões na insegurança alimentar que afetou cerca de 32 milhões de
pessoas na África austral. Em todo o continente, um milhão de crianças
precisaram de tratamento para desnutrição severa.
E, embora o pior da seca esteja chegando ao fim, aproximadamente 75% dos
especialistas prognosticam que o La Niña (o fenômeno complementar do El
Niño, conhecido pelas inundações que provoca) chegará ao final deste
ano. É provável que as autoridades políticas e a população da África não
sintam alívio algum antes que termine o ano. E então, mais uma vez,
poderemos voltar à normalidade, verdade?
Albert Einstein disse uma vez que uma das definições de loucura é “fazer
a mesma coisa uma e outra vez e esperar resultados diferentes”. Voltar à
normalidade nesse contexto se ajusta muito bem a essa definição de
loucura.
Sabemos que:
– as próximas secas do El Niño provavelmente regressem periodicamente, a cada dois a sete anos;
– a extensão e gravidade das secas aumentarão. Isso se deve à mudança
climática e ao uso insustentável da terra. Os cientistas calculam que a
superfície terrestre que atualmente sofre condições de seca aumentará,
de menos de 5% para mais de 30% na década de 2090;
– não serão cumpridas as metas 6.4, 6.5 e 6.6 referentes à escassez de
água incluídas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS);
– as consequências atingirão os pobres, que tendem a ser totalmente
dependentes dos recursos naturais, como água e terra, para manter suas
famílias.
A menos que mudemos de estratégia, quando aparecer a seca e as chuvas
falharem, o futuro dos 400 milhões de agricultores africanos que
dependem da agricultura de sequeiro de subsistência, por exemplo,
correrá perigo. Essa agricultura é praticada em mais de 95% da terra
cultivada na África subsaariana. E a escassez de água poderá custar a
algumas regiões até 6% de seu produto interno bruto.
Se não mudarmos de estratégia, as pessoas serão obrigadas, cada vez
mais, a decidir se suportarão o desastre da seca para depois reconstruir
ou se simplesmente partirão. Obrigar nossa gente a tomar essas decisões
difíceis é uma forma de loucura. Especialmente se é possível romper o
ciclo de desastres provocados pela seca e pela recuperação.
Já há avanços. Brasil, Marrocos, México e Vietnã, para citar apenas
alguns países, agora implantam planos contra a seca, com forte ênfase na
mitigação de riscos e na preparação.
Nas regiões onde a terra foi recuperada, em Tigray, na Etiópia, os
ecossistemas e a população parecem ter conseguido melhores resultados
nas últimas secas relacionadas com o El Niño do que em outros lugares
onde não foi empreendida nenhuma restauração.
Mas resta muito a fazer, já que em 2050 uma em cada quatro pessoas (até
2,5 bilhões de seres humanos) estará vivendo em um país em risco de
escassez de água. Temos que nos preparar melhor e administrar os riscos
de seca de maneira proativa.
A África já fez muito, mas precisa ficar atenta. A Convenção das Nações
Unidas de Luta Contra a Desertificação propõe três pilares importantes
para serem considerados.
Em primeiro lugar, os sistemas de alerta. Declarar uma seca muito tarde
pode ter impacto devastador nas vidas e nos meios de subsistência.
Porém, a decisão de declará-la pode ser muito subjetiva e extremamente
política.
A África se beneficiaria de um sistema eficaz de alerta em seus países.
Para isso serão necessários bons dados, além do conhecimento local e
tradicional. O sistema proporcionará informação oportuna que possa ser
usada para reduzir os riscos e se preparar melhor para uma resposta
eficaz.
Em segundo lugar, vulnerabilidade e avaliação de riscos. Algumas pessoas
e alguns sistemas são mais vulneráveis à seca como resultado de fatores
sociais, econômicos e ambientais. É importante combinar melhores
prognósticos com um conhecimento detalhado da maneira como a geografia e
as sociedades respondem à falta de chuva.
Quais comunidades e ecossistemas estão em maior risco? Por que são
vulneráveis setores importantes como agricultura, energia, turismo ou
saúde? A seguir, converter esse conhecimento em uma intervenção precoce.
Podemos garantir que será muito rentável.
Em Níger e Moçambique, por exemplo, os esforços de intervenção precoce e
de geração de resiliência reduziriam o custo em US$ 375 milhões
(Moçambique) e US$ 844 milhões (Níger), quando comparados com uma
resposta humanitária tardia para a seca.
Por fim, as medidas de mitigação do risco de seca. Há coisas que podem
ser feitas em um nível muito prático para reduzir o risco, que podem
oferecer benefícios reais e tangíveis às suas comunidades,se forem
iniciadas imediatamente.
Os países africanos poderiam considerar o desenvolvimento de sistemas de
irrigação para os cultivos e o gado e planos de captação ou reciclagem
de água. Podem explorar cultivos que sejam mais tolerantes à seca,
ampliar os planos de seguros para os plantios e estabelecer meios de
vida alternativos que ofereçam renda às áreas propensas.
O investimento no aprimoramento da gestão do solo, por exemplo, pode
melhorar a segurança da água nas explorações agrícolas de 70% a 100%.
Isso daria lugar a maiores rendimentos e mais segurança alimentar.
No Zimbábue, a captação de água combinada com a agricultura de
conservação melhorou as margens brutas dos produtores entre quatro e
sete vezes, e os rendimentos da mão de obra entre duas a três vezes.Esse
é o tipo de gestão proativa do risco de seca, que pode salvar vidas e o
sustento de milhões de pessoas, algo que todos deveríamos desejar.
A Conferência Africana sobre Seca é uma janela de oportunidade pouco
comum para que o continente reconheça que o enfoque tradicional de
“resposta” à seca já não é viável. Demonstrou sua ineficiência com
demasiada frequência. Por outro lado, a África poderia provocar uma
revolução proativa contra a seca.
Ao investir em sistemas de alerta e fazer frente às suas
vulnerabilidades, medidas bem planejadas e coordenadas contra a seca
terão um efeito multiplicador positivo em todos os setores e através das
fronteiras.
Nelson Mandela disse certa vez que “devemos usar o tempo sabiamente e
nos dar conta de que sempre é o momento oportuno para fazer as coisas”.É
o momento oportuno. A adoção de medidas proativas contra a seca é o que
precisa ser feito. Envolverde/IPS
*Monique Barbut é secretária executiva da Convenção das Nações Unidas de
Luta Contra a Desertificação, que organizou, junto com o governo da
Namíbia, a Conferência Africana sobre Seca, realizada entre os dias 15 e
19 de agosto, em Windhoek, capital da Namíbia.
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