Nota da viúva e filho de Mariano Klautau sobre a Escola Bosque
A
campanha do ex-prefeito e deputado federal Edmilson Rodrigues(PSOL)
veiculou nas últimas semanas declarações de que a Escola Bosque foi
valorizada, ampliada e resgatada durante seus dois mandatos, e mencionou
o nome do sociólogo José Mariano Klautau de Araújo, falecido há quase
seis anos. Dula Lima, coautora do Projeto Escola Bosque e viúva de
Mariano, e Thiago Klautau, filho do casal, enviaram uma nota ao blog,
pedindo publicação. Enviei o texto na íntegra à assessoria de
comunicação de Edmilson, pedindo manifestação a respeito e aguardei até
agora, quando fui informada das dificuldades de envio de nota, face a
programação de caminhadas. O espaço está aberto à resposta do candidato.
Eis a nota:
Eis a nota:
"A VERDADE SOBRE A ESCOLA BOSQUE
A inauguração da Ponte do Outeiro, em 1986, além da facilidade de locomoção trouxe, também, severos danos ambientais. A exploração de areia, na área do FAMA, bem como as invasões de terrenos e o descontrolado crescimento populacional, somados à demora do Poder Público em responder às demandas por serviços públicos, demonstraram que, em pouquíssimos anos, a situação ficaria totalmente insustentável nos aspectos sociais e ambientais.
Mariano
começou a elaborar o Projeto Escola Bosque com a finalidade de criar
meios de preservação do meio-ambiente, de sustento para as populações
locais, e de educação para as crianças e jovens. Naquela época, o
Outeiro contava com escolas que ofereciam só até o 1º Ciclo do Ensino
Fundamental. Ao passar do que hoje é o 5º ano, ou as crianças tinham que
se deslocar diariamente para colégios muito distantes de suas casas – o
que nem sempre ocorria, por questões relativas à condição econômica das
suas famílias –, ou paravam de estudar, ou tinham de se mudar para a
parte continental de Belém, local onde, na maioria das vezes,
encontravam-se nas periferias e em condição de vulnerabilidade social.
Muito
se falava no direito de ir e vir, mas não se dizia que alguns desses
deslocamentos, como no caso do Outeiro, eram compulsórios. Mariano
defendia o "direito de ficar". Todos deveriam ter o direito de se
locomover e migrar livremente, mas caso decidissem permanecer em seu
local de origem, essas pessoas também deveriam ter alternativas para
permanecer, com uma vida digna e de qualidade.
Com
o Projeto desenvolvido, Mariano passou a procurar os órgãos competentes
para viabilizar a construção da Escola Bosque. Após recusas do Governo
do Estado, em agenda com Prefeito de Belém, à época, Sahid Xerfan,
Mariano apresentou a proposta e fundamentou a necessidade ao gestor
municipal, que se convenceu a abraçar a causa e proceder a
desapropriação do terreno em que hoje está situada a Escola Bosque.
Mariano garantiu, assim, a preservação imediata do único terreno que
ainda não havia sido invadido nas imediações e possuía mata primária em
seu espaço.
Anos
mais tarde, na gestão de Hélio Gueiros, outro terreno foi
desapropriado, às margens do Rio Maguari, com a finalidade de ser a
reserva ecológica da Escola, totalizando a sua extensão atual.
O projeto pedagógico, que tinha por base o Método Socioambiental de
autoria de Mariano, e o projeto arquitetônico, de Dula, foram doados à
Prefeitura de Belém, sem qualquer custo para o erário ou para a
comunidade. No entanto, o Método Socioambiental criado por Klautau não
chegou a ser plenamente implantado na Escola Bosque do Outeiro, pois
entre o início da construção e preparação da Escola, houve divergências
internas na prefeitura e alguns consultores de fora do estado vieram –
pois ainda existe esta repetição quase eterna de que o que é nosso não é
suficiente – e acabaram por modificar bastante a proposta. Mesmo assim,
a Escola Bosque ainda apresentava sinais claros de avanço e inovação
até para os dias de hoje.
POR QUE O PROJETO ESCOLA BOSQUE É TÃO REVOLUCIONÁRIO E INOVADOR?
O
Método Socioambiental consistia em uma educação global para a formação
de cidadãos compromissados com as questões ambientais, desenvolvimento
sustentável e da região. Em vez de tratar a educação ambiental com ações
episódicas e pontuais, como nas escolas tradicionais, a Escola Bosque
envolvia todas as aulas em conhecimentos inter e transdisciplinares e as
ligava diretamente à realidade dos alunos. As aulas de química,
biologia, física, geometria, geografia, etc., poderiam e deveriam ser
ministradas tanto nos laboratórios, quanto ao ar livre. Vinha daí a
necessidade de uma reserva ecológica na Escola, pois os alunos não
estudariam botânica só por imagens: a aula era feita in loco, com as
espécies típicas da Amazônia, realidade tão próxima dos alunos, mas
negligenciada nos livros escolares de circulação nacional.
Somado a isso, os alunos tinham acesso a laboratórios bem equipados,
brinquedoteca, salas de informática (uma das pioneiras no Brasil a
utilizar tal tecnologia para o ensino), refeições balanceadas e
atividades extracurriculares das mais variadas. Não era uma educação
regionalizada; era uma educação global, com os aspectos da educação
formal e necessária, mas acrescida de componentes de educação ambiental e
de conhecimentos amazônicos. Afinal, esta é a nossa região e a nossa
realidade. Com muito orgulho.
A
Escola Bosque oferecia vagas desde o Ensino Infantil até o Ensino Médio
Profissionalizante. Os alunos poderiam se graduar técnicos em Manejo de
Flora ou Fauna e Ecoturismo. Era uma oportunidade extremamente
relevante para que saíssem de lá com condições de contribuir para a
preservação do meio-ambiente e com boa empregabilidade.
O
projeto arquitetônico entrava em simbiose com o Método Socioambiental,
encarnando-o e concretizando as necessidades e especificidades do
projeto pedagógico. Desde o formato octogonal das salas, passando pelos
espaços comuns e os laboratórios, tudo foi pensado nos mínimos detalhes
para executar e potencializar a ideia do Mariano.
Sabendo dos custos que a estrutura implicaria, incluímos no projeto
auditórios com todos os recursos multimídia, alojamentos e toda uma
estrutura de hotelaria com entradas independentes da Escola. Estas
instalações permitiriam a realização de congressos, simpósios,
encontros, seminários, etc., e o valor dos alugueis dos espaços seria
revertido para a Escola Bosque com a finalidade de torná-la
autossustentável ao longo do tempo.
As hortas existentes não só ajudariam na educação dos alunos, como
também a produção seria utilizada na merenda escolar. Outro aspecto
importante era o aproveitamento de toda essa estrutura para a
capacitação e participação das famílias. Cursos de culinária criativa,
aproveitamento de cascas, sementes e outros tipos de alimentos que
seriam descartados, compostagem, noções de práticas saudáveis, entre
diversas outras atividades que envolviam a comunidade. Não era uma
escola só para os alunos: era de toda a população. Na verdade, o espaço
de integração das comunidades ribeirinhas.
Cursos de reciclagem, aproveitamento do couro de peixes, oficinas para
agricultura orgânica, aumento de produtividade do solo… Tudo isso
ministrado por técnicos da EMBRAPA, Museu Paraense Emílio Goeldi,
EMATER, a antiga FCAP, atual Universidade Federal Rural da Amazônia,
entre outros. Essas instituições contribuíam para o conhecimento
científico ensinado, debatido, ampliado e construído na Escola Bosque,
mas também viam nela uma oportunidade de crescimento a médio e longo
prazo, pois muitos dos conhecimentos locais da Amazônia estão,
infelizmente, desaparecendo. Com a formação de profissionais
capacitados, aquelas instituições poderiam desfrutar da mão-de-obra
qualificada tão escassa atualmente em nosso país.
A
intenção era de que a Escola Bosque fosse um centro de referência. Após
resolver os problemas educacionais das Ilhas, haveria gradual
preparação e formação de professores de outras escolas municipais para
que, com o passar dos anos, a educação ambiental fosse incorporada por
toda a rede municipal de ensino.
No
projeto original de Mariano, a administração da Escola Bosque era
repartida entre a comunidade civil e acadêmica e a prefeitura.
Mas a Escola, ao ser dotada de independência financeira e científica,
incomodava aqueles que necessitam aparelhar o Estado para impor suas
vontades e ambições políticas. Por isso, na primeira oportunidade que
teve, Edmilson arruinou todo um projeto que poderia ter mudado a
realidade das Ilhas e de Belém como um todo. Para
mais informações sobre o Projeto Escola Bosque, deixamos ao fim desta
nota algumas referências de obras que podem ser consultadas.
A DESTRUIÇÃO REALIZADA POR EDMILSON RODRIGUES
Edmilson
classificou como “elitista” e acusou a Escola Bosque de receber
tratamento diferenciado em relação às outras escolas municipais. Logo
que assumiu a prefeitura, o processo de desmanche começou.
A educação em tempo integral desapareceu (a ironia do destino é que a
campanha dele hoje promete ensino em tempo integral…). O Ensino Médio
Profissionalizante foi passado para o turno da noite. Imaginem vocês:
como um aluno do curso de Manejo de Flora ou Manejo de Fauna iria
conseguir avaliar seus objetos de estudo na reserva da Escola à noite?
Os Conselhos Administrativo e Científico foram enfraquecidos para que a
autonomia conquistada pela instituição fosse perdida, e ela se
encontrasse submissa à prefeitura. Aparelhando o órgão e colocando
militantes no lugar de técnicos, afastando professores que foram
capacitados em função do projeto, a Escola Bosque se perdeu. Virou uma
escola como outra qualquer, ou até pior, pois os recursos destinados
eram insuficientes para a manutenção dos espaços, e os instrumentos para
arrecadação de dinheiro, foram sucateados ou destinados a outros fins.
Segundo
diversos relatos da comunidade, das famílias do Outeiro e de ex-alunos,
os auditórios e alojamentos, em vez de produzirem receitas à Escola,
foram utilizados como assentamento para o MST e para a realização de
eventos político-partidários… às custas da Escola Bosque. Temos fotos
datadas de 2003/2004 que retratam a destruição do patrimônio e da
infraestrutura montada. Postaremos em breve.
Os descalabros ocorridos foram sucessivamente denunciados pelos autores
do Projeto Escola Bosque, e Mariano fez todos os esforços possíveis para
tentar frear a situação, sem sucesso.
As hortas foram abandonadas, as instalações foram modificadas,
descaracterizando o projeto arquitetônico. Novos anexos foram
construídos derrubando árvores e utilizando materiais inadequados. Os
espaços onde havia convívio harmonioso entre homem e natureza se
tornaram palco de pichações, sujeira e insalubridade. Os laboratórios
ficaram destruídos, os materiais de informática ficaram obsoletos ou
sofreram avarias sem receber manutenção.
A Escola perdeu tudo de inovador que tinha. Tudo aquilo que foi premiado
internacionalmente acabou condenado por uma atuação política mesquinha e
corrompida, que privou a cidade de muitos anos de educação ambiental de
qualidade. O que foi conquistado a duras penas e com muitos sacrifícios
pessoais, perdeu-se pela sobreposição de interesses partidários e
restritos a grupos de militantes em detrimento o interesse público e
coletivo.
Mariano
e Dula foram convidados, posteriormente, pelo Governo do Amapá, a
desenvolver o Projeto no arquipélago do Bailique. Lá, houve a
oportunidade e a liberdade de coordenar o processo desde o início. A
Escola Bosque do Bailique teve ainda mais repercussão positiva e
notoriedade do que o projeto do Outeiro, e gozou de alguns anos a mais
de vida. No entanto, quando o Partido dos Trabalhadores assumiu o poder,
repetiu-se o que aconteceu em Belém.
Edmilson
Rodrigues tenta esconder e deturpar a história. Quem conhece
minimamente o que ocorreu em seus mandatos, em especial o atentado
contra a Escola Bosque, não vota nele. Não adianta gravar, na porta da
Escola, cenas de abraços de professores que não fazem parte desse
processo e não moram no Outeiro, para convencer de sua aceitação, quando
nenhuma família que acompanhou essa trajetória sequer cogita
estender-lhe a mão.
Edmilson
talvez não tenha ouvido a célebre frase de Abraham
Lincoln: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar
alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”.
Mentir e deturpar a realidade para chegar ao poder é a mais baixa e
vergonhosa das ações em uma campanha eleitoral. Utilizar-se de forma
indigna do nome, do legado e da história de um homem honrado em uma
tentativa desesperada de alcançar o poder a qualquer custo, merece o
repúdio de todos. Revela que as intenções do candidato passam muito
longe do interesse público. Condutas como essa comprometem a democracia e
o sistema eleitoral brasileiro.
Por todos os motivos acima expostos, mas, principalmente, pela reposição
da verdade, declaramos nosso voto e apoio à candidatura de Zenaldo
Coutinho, do PSDB, com a esperança de que este projeto tão promissor
seja resgatado o mais rápido possível. Dia 30, votaremos 45.
Dula Maria Bento de Lima e Thiago Lima Klautau de Araújo"
Postado há 4 days ago por Franssinete Florenzano
Querida Dula,
Podes, se quiseres, usar meu testemunho. Não tiraria uma vírgula do teu desabafo. Acompanhei o sonho do camarada Mariano desde os primeiros dias. Com que orgulho ele mostrava teu trabalho, mesmo antes da impressão. Quantas vezes o acompanhei, no início, em um arremedo de anfiteatro tosco de troncos e tábuas debaixo das árvores a explanar seu projeto. De perto vi também a desconstrução do sonho que já era de todos nós. Começou tudo de novo no Amapá... sei lá, foi muito bom ter sido amigo, companheiro e camarada do Mariano. Estou certo que sofrerás retaliações e incompreensões por este depoimento/desabafo, mas em memória do Mariano Klautau de Araújo senti que tinha o dever moral de prestar-te solidariedade. Um abraço enorme e apertado,
André Costa Nunes
Podes, se quiseres, usar meu testemunho. Não tiraria uma vírgula do teu desabafo. Acompanhei o sonho do camarada Mariano desde os primeiros dias. Com que orgulho ele mostrava teu trabalho, mesmo antes da impressão. Quantas vezes o acompanhei, no início, em um arremedo de anfiteatro tosco de troncos e tábuas debaixo das árvores a explanar seu projeto. De perto vi também a desconstrução do sonho que já era de todos nós. Começou tudo de novo no Amapá... sei lá, foi muito bom ter sido amigo, companheiro e camarada do Mariano. Estou certo que sofrerás retaliações e incompreensões por este depoimento/desabafo, mas em memória do Mariano Klautau de Araújo senti que tinha o dever moral de prestar-te solidariedade. Um abraço enorme e apertado,
André Costa Nunes
Agradeço o seu apoio que muito me comove, pela amizade que tinhas com Mariano (eu também tive o privilégio de testemunhar isso, a turma do Café Central, de imensa diversidade de opiniões e ideologia, mas com ética, respeito e amizade). Nenhum tipo de agressão ou retaliação vai nos tirar o dever de defender a verdade, independente das versões dos apaixonados defensores do Edmilson. Alguns se apresentam como professores, mas se contentaram com seus empregos e sem fazer nada pela Escola e comunidades as quais ela se destinava. Você lembrou a origem história dessa Escola, no boquinha, reunindo a comunidade que participou ativamente com sugestões ao projeto pedagógico da Fundação. Não foi uma "brincadeira de participação popular". Foi concreta, e você em seu relato, confirma isso. Alguns falam de que o projeto é "alternativo". Alternativo e desantenado é quem ainda mantém esse discurso retrógrado e na contramão da história. Enquanto o mundo todo, agora, discute alterações climáticas e a questão ambiental, a Escola Bosque antecipou essa questão há três décadas, e a maioria sequer alcançou isso. A militância ainda defende pessoas, mas sem conseguir enxergar a inovação que o projeto propunha e que foi aniquilada por uma visão tacanha socioambiental condicionada por ideologia partidária. Obrigada mais uma vez pelo apoio. Que Deus te abençoe sempre. Um abraço,
Dula