terça-feira, 8 de novembro de 2016

Elefantes no Cerrado, um equívoco


Por Yara de Melo Barros
Elefante no zoológico de San Diego, Califórnia. Foto: Wikimedia
Elefante no zoológico de San Diego, Califórnia. Foto: Wikimedia



Quem acessar o site do Santuário de Elefantes Brasil vai descobrir que eles criaram, em uma área de Cerrado, no Mato Grosso, um "santuário" para receber elefantes da América Latina. Tem sido difundida a ideia de que neste local os elefantes estarão "em liberdade". O site da instituição menciona que mesmo bons zoos "não são uma opção viável" para elefantes. A justificativa seria que as limitações de "espaço e capacidade" impactam a qualidade de vida dos elefantes.



A informação é equivocada. Bons zoos podem sim manter elefantes com excelente qualidade de vida. O espaço é só uma das variáveis que influenciam a qualidade de vida dos elefantes. Também precisam ser avaliados alojamento, cuidado, saúde física, interações com humanos, genética e história de vida.


Na verdade, há um estudo abrangente e pioneiro sobre bem-estar de elefantes em zoos realizado pela Universidade da Califórnia, que envolveu 255 elefantes em 70 zoos, e uma equipe de 5 especialistas em manejo de elefantes e 19 cientistas (além de pesquisadores, consultores, estudantes e técnicos). Este estudo visou entender os fatores que influenciam o bem-estar dos elefantes. Com base nos resultados, bons zoos podem agir para melhorar a vida dos animais sob seus cuidados. Os resultados desta pesquisa indicaram que as interações sociais e as oportunidades de interagir com seu ambiente podem ser mais importantes para o bem-estar de elefantes do que espaço.


Sempre reforço: o que faz realmente a diferença para os animais mantidos sob cuidados humanos é a excelência no manejo, e não a ausência de público ou o nome que é dado ao local (a eterna discussão sobre zoos x santuários).


Aliás, a ideia de ter elefantes caminhando livres e felizes pelo Cerrado é ingênua: elefantes precisam de cuidados constantes, independente do tamanho do recinto. E por constantes, leia-se diários. Bons zoos têm que fornecer cuidados diários: cada animal deve ser checado, treinado e receber cuidados nas patas. Para que isso seja feito, são necessárias sessões diárias de treinamento e condicionamento. Uma vez sob cuidados humanos, devem ser examinados diariamente. 



"(...) o que faz realmente a diferença para os animais mantidos sob cuidados humanos é a excelência no manejo, e não a ausência de público ou o nome que é dado ao local."
 
 
 
No Brasil, os zoos que mantém elefantes receberam treinamento sobre seu manejo em um workshop intensivo que foi ministrado por Frank Carlos Camacho, CEO do Africam Safari no México e presidente da International Elephant Foundation. Agora cabe a cada instituição aplicar o que foi ensinado e melhorar a vida dos animais sob seus cuidados. 



Instituições que não tenham excelência no manejo e recursos para investir no manejo apropriado de elefantes e não possam fornecer um alto grau de bem-estar devem fazer a opção responsável de não manter estes animais. Isso vale inclusive para este mantenedouro no Cerrado.



Considerando que aparentemente a instituição vai sobreviver de doações, eu me pergunto o que acontecerá com os animais nos meses em que, digamos, as doações não aparecerem? Como a estrutura necessária (veterinários, biólogos, tratadores, alimentação, medicamentos, etc..) será mantida?


Vejo com muito, digamos...ceticismo...a criação de um mantenedouro de elefantes que começa dando declarações equivocadas. Em um programa do CQC que foi ao ar há algum tempo, a bióloga responsável nos brindou com várias pérolas. Uma delas foi que "quando você coloca um animal em cativeiro ele deixa de ser um animal, afinal, ele não escolheu estar ali, e não pode escolher o que vai comer". 


Devemos supor então que os elefantes habitantes do "santuário" deixam de ser animais quando chegarem ao local? Ou eles escolheram ir para lá? Eles é que vão definir a própria dieta?
Creio que passou da hora de abandonar o discurso surreal de que "santuário" não é cativeiro. O discurso deste mantenedouro também coloca zoos e circos "no mesmo saco", o que além de apelativo, é inverídico.



Na entrevista, a bióloga disse que os zoos têm mais mortes do que nascimentos e que em zoos animais vivem menos. Na posição de cientista, ela deveria ter à mão dados que comprovem estas estatísticas, e mostrar a fonte, já que, em geral, em zoos animais têm vida mais longa do que na natureza, pois não correm risco de fome e têm as doenças tratadas.



À época da entrevista, a instituição fez uma vaquinha para arrecadar módicos 350 mil (Foram arrecadados cerca de 67 mil). Além do custo de manutenção, há o custo altíssimo de deslocar animais de outros países para o mantenedouro.



Como ajudar os elefantes
A população de elefantes na África apresentou uma queda de 20% em 9 anos, segundo a IUCN, e lá são mortos cerca de 96 elefantes diariamente. É morto um elefante a cada 15 minutos. Elefantes asiáticos e africanos ainda sofrem com a pressão dos conflitos com populações humanas e muitos são mortos.


São necessárias ações urgentes para que elefantes não sejam extintos, e muitos zoos no mundo todo estão trabalhando ativamente para salvar estas espécies.


O contundente documentário "The Ivory Game" (disponível no Netflix com o título "O Extermínio do Marfim", mostra o tamanho do problema que é o comércio ilegal de marfim. Sem a proibição total do comércio legal de marfim, ele vai seguir servindo para "esquentar" marfim ilegal e fomentar mortes e sofrimento. Os Estados Unidos proibiram este ano o comércio de marfim em seu território, mas a China, maior mercado consumidor, ainda não estabeleceu data para a proibição.



A United for Wildlife criou uma campanha, a #WorthMoreAlive (vale mais vivo) para fazer pressão pelo banimento do mercado legal de marfim. Em menos de 10 dias acontecerá a Conferencia de Hanói sobre o Comércio Ilegal de Vida Selvagem, e a campanha quer espalhar a mensagem de conservação dos elefantes e fazer pressão para a proibição do comércio de marfim. É bem bacana, e para participar é só clicar no link, escolher sua foto e se juntar à "manada". Enquanto o comércio de marfim não for banido, é preciso proteger os elefantes investindo forte em proteção, fiscalização e iniciativas, tais como cercas, que minimizem o conflito com populações humanas.



Esta é a forma de investimento de recursos que realmente vai fazer diferença para a conservação de elefantes, e muitos zoos no mundo todo investem recursos para sua conservação na natureza.
Um exemplo aqui na América Latina é o já citado Africam Safari. Eles equipam com GPS, coletes à prova de balas e outros equipamentos os guarda-parques que lutam contra caçadores furtivos na África do Sul. 


A equipe do Africam já passou várias noites escondida entre os espinhos africanos, em operações de repressão à caça de elefantes e rinocerontes. Além disso, trabalham ativamente na Ásia para ensinar os mahouts (montadores de elefantes) a abandonarem técnicas cruéis de treinamento e substituí-las por técnicas de condicionamento operante, que além de não maltratar os elefantes, são prazerosas e estimulantes para os animais. Centenas de mahouts já foram treinados...isso significa que centenas de elefantes tiveram sua vida melhorada graças à ação efetiva de um zoo. 


Quanto ao Santuário de Elefantes Brasil, A escolha do local para a construção do mantenedouro de elefantes foi equivocada: 1.100 hectares de cerrado, um bioma ameaçado e não adaptado à presença deste tipo de animal. O mantenedouro está a cerca de 40 Km do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. O estrago que será feito nesta área é inevitável.


De acordo com o ICMBio, " o Cerrado é o bioma com a menor porcentagem de áreas sob proteção integral. Apenas 8,21% da área total do seu território é legalmente protegida com unidades de conservação; uma das razões que fazem do Cerrado o bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ação humana. Atualmente a área conta com uma intensa exploração predatória: inúmeros animais e plantas correm risco de extinção e estima-se que 20% das espécies nativas e endêmicas da região já não ocorram em áreas protegidas".



Para as espécies ameaçadas de plantas e animais do Cerrado, cada hectare conta. E poderia ser usado para salvar espécies locais que, não sendo midiáticas, não conseguem dinheiro em vaquinhas digitais.

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