terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Empresa anunciou licença ambiental da maior mina de ouro do Brasil antes
de o governo do Pará formalizar medida. Projeto é uma bomba-relógio
ambiental, ao lado de Belo Monte.
Oswaldo Braga de Souza e Isabel Harari, do ISA –
A empresa canadense Belo Sun anunciou, no último dia 2, a concessão da
licença de instalação do projeto Volta Grande de Mineração, vizinho à
hidrelétrica de Belo Monte, em Senador José Porfírio (PA), antes do
governo paraense formalizar a medida. A mineradora publicou um release
em inglês com a notícia antes do fim da reunião da equipe da Secretaria
de Meio Ambiente estadual (Semas) que discutiria a autorização. O
governo do Pará é chefiado por Simão Jatene (PSDB).
A reportagem do ISA teve acesso ao release da empresa. Pouco depois, a
assessoria de imprensa da Semas negou a informação. A licença só foi
confirmada no site da secretaria à noite, horas mais tarde.
“O fato da empresa ter anunciado que tinha conquistado a licença antes
mesmo de sua formalização e publicação pelo órgão ambiental responsável
demonstra como foi tratado o licenciamento do empreendimento, com total
desrespeito pelos procedimentos, sem transparência, e com displicência e
descaso com a vida das pessoas que vivem na Volta Grande do Xingu”,
critica Adriana Ramos, coordenadora da Política e Direito do ISA.
Previsto como a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil, o
empreendimento é uma bomba-relógio ambiental, com potencial de causar
uma tragédia das dimensões do rompimento da barragem em Mariana (MG), no
final de 2015. A área prevista para a mina já é seriamente impactada
pela hidrelétrica: a redução de mais de 80% da vazão da água em 100
quilômetros do Rio Xingu causou mortandade de peixes, piora da qualidade
da água e alterações drásticas no modo de vida de populações indígenas e
ribeirinhas.
Conforme o estudo de impacto ambiental entregue à Semas, o projeto
minerário prevê deixar montanhas gigantes de rejeito com aproximadamente
duas vezes o volume do Pão de Açúcar e a construção de um reservatório
também de rejeitos, ainda mais tóxicos do que os liberados no desastre
de Minas Gerais. A mina tem o estudo de viabilidade ambiental assinado
pelo mesmo engenheiro indiciado por homicídio pelo rompimento da
barragem de Mariana.
A licença atropela parecer da Fundação Nacional do Índio (Funai) que
exige a revisão dos estudos sobre o componente indígena, pois entende
que a versão apresentada pela Belo Sun é insuficiente para avaliar os
impactos do empreendimento sobre os povos que ali vivem.
“Contrariando a manifestação das instituições públicas responsáveis
pelas populações indígenas, novamente esses povos que são vulneráveis
são deixados em uma situação de fragilidade sobre os impactos de uma
obra como essa, a exemplo do que aconteceu com Belo Monte”, aponta André
Villas-Bôas, secretário executivo do ISA.
A Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Pará
ingressaram com duas ações para impedir a licença. O Ministério Público
Federal (MPF) enviou à Secretaria de Meio Ambiente do Pará uma
recomendação contra a medida. Já havia duas outras ações anteriores
movidas pelo MPF contra o empreendimento.
Consulta aos povos indígenas
Ben Hur Daniel da Cunha, defensor público federal, explica que a licença
pode ser suspensa até que sejam feitos os estudos do componente
indígena. “Não foi obedecido o procedimento que exige que sejam feitos
os estudos prévios de impacto ambiental, no caso o impacto sobre a
população indígena. Essa decisão impede que essas comunidades exerçam um
direito básico, que é participar das decisões sobre suas vidas”,
alerta. O pedido da DPU deve ser analisado até a próxima quarta (8/2) e
requer a manifestação do governo paraense e da Belo Sun.
As comunidades indígenas diretamente afetadas não foram consultadas
sobre o projeto, como determina a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil. Apesar disso, o
comunicado da empresa publicado nesta quinta diz expressar “gratidão
aos governos estadual e municipal, bem como às comunidades locais pelo
seu apoio a esse projeto”.
Em abril de 2016, a Semas chegou a marcar uma cerimônia para anunciar a
licença, mas voltou atrás depois da repercussão negativa. Alguns meses
depois, um relatório da ONU sobre Povos Indígenas no Brasil denunciou a
situação. “Uma licença foi emitida pelo governo do Pará para o projeto
de mineração Belo Sun, que está bem próximo da hidrelétrica de Belo
Monte e que afeta diretamente a comunidade dos Juruna. Isso aconteceu na
ausência de consulta para obter o consentimento livre, prévio e
informado dos povos indígenas envolvidos e sem a condução do necessário e
urgente estudo dos impactos ambientais, sociais e de direitos humanos
acumulados. Os potenciais são assim um assunto de grave preocupação”,
escreveu a relatora Victoria Tauli-Corpuz.
Uma das condições para a concessão da licença ambiental de Belo Monte
foi o monitoramento do trecho de vazão reduzida do Rio Xingu por seis
anos, já que os estudos indicaram que não havia certeza sobre os
impactos socioambientais da obra na área. Um novo megaempreendimento não
poderia, portanto, ser implantado na região antes desse período.
Em maio do ano passado, o secretário de Meio Ambiente do Pará, Luís
Fernandes Rocha, prometeu realizar os estudos sobre os impactos
socioambientais acumulados e sinérgicos dos dois megaempreendimentos
antes de tomar qualquer decisão quanto à licença. Procuradores,
defensores públicos, ambientalistas e organizações indígenas e de
ribeirinhos exigem que, além da avaliação desses impactos, um plano
socioambiental que garanta as condições de vida das populações locais
seja apresentado pela administração estadual.
O projeto “Volta Grande”
A mineradora tem a pretensão de se instalar a 9,5 km de distância da
Terra Indígena (TI) Paquiçamba, a 13,7 km da TI Arara da Volta Grande do
Xingu e também próxima à TI Ituna/Itatá, habitada por indígenas
isolados.
A mina encontra-se próxima da Vila da Ressaca, comunidade de 300
famílias que depende da roça, pesca e do garimpo artesanal para
sobreviver. Se o projeto “Volta Grande” sair do papel, elas terão que
ser reassentadas.
Em 12 anos, a estimativa é que serão extraídas 600 toneladas de ouro. Ao
final da exploração, as duas pilhas gigantes de rejeito de material
estéril quimicamente ativo terão, somadas, área de 346 hectares e 504
milhões de toneladas de rochas, sem previsão para sua remoção.
Fonte: Envolverde
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