segunda-feira, 29 de maio de 2017
A criação de um parque público do cerrado em São José dos Campos
ocorrerá possivelmente ainda em 2017, preservando uma formação vegetal
única
Uma área na zona sul dde São José dos Campos (SP), que ainda detém o
bioma de um cerrado endêmico, surgido dentro de uma área de
predominância de Mata Atlântica, abrigará tanto um novo espaço com um
centro de estudos. Para os pesquisadores isso é mistério a ser
desvendado, pois é totalmente atípica essa ocorrência.
Essa mancha de cerrado, que só ocorre na zona sul para uma estreita
faixa na zona leste do município, pegava também onde se encontra o
aeroporto local, da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a empresa Avibras,
além de alguns pontos do início da Rodovia dos Tamoios. Atualmente a
vegetação típica de cerrado só se encontra as margens da pista de pouso e
decolagem e em poucos terrenos nas proximidades.
Os cientistas do Inpe chegaram a pesquisar a formação que surge em meio a
Mata Atlântica para saber se é alguma característica peculiar do solo
ou de um microclima formado na região há milhares de anos. A
possibilidade é que as savanas, conhecidas no Brasil como cerrado, já
existam na região há 20 milhões de anos e a Mata Atlântica a cerca de
dois mil anos.
O pesquisador Paulo Roberto Martini, ainda nos anos 90, já salientava a
importância de se preservar ao máximo essa formação, tanto em sua flora
como fauna. Ele não tem dúvida que as savanas eram predominantes na
região do Vale do Paraíba, inclusive no território hoje ocupado por São
José dos Campos. Inclusive de onde vem o próprio nome do município. A
mancha de cerrado era muito maior, pois ocupava todos os platôs da
região e a áreas serranas era de predominância de Mata Atlântica.
Em alguns pontos ainda é possível se ver áreas de transição, que são
formadas quando existe uma diferenciação gradativa das espécies vegetais
entre os dois perfis. Entre esses pontos está a Serra da Jambeiro, que
faz divisa com São José dos Campos.
“É uma formação única, endêmica, não temos nada parecido a centenas de
quilômetros daqui. Isso precisa realmente ser preservado e muito bem
estudado, em algum momento no tempo geológico isso surgiu como a
vegetação primária, original, e que depois foi tomada pela Mata
Atlântica devido a mudanças climáticas. Mas o nível de resiliência essa
savana é muito mais alto que o da floresta. Mesmo assim estamos diante
de um fenômeno único”, comentou o pesquisador do Inpe.
A faixa do Sudeste, Sul, Centro Oeste brasileiro, passando pelo Uruguai,
grande parte da Argentina, Chile e Paraguai se encontram na faixa dos
desertos do hemisfério sul do planeta. A área que pega São Paulo, Minas
Gerais e Paraná, por exemplo, não são grandes desertos pelo regime de
chuvas provocado pela Mata Atlântica. A própria floresta também provocou
mudanças no clima costeiro do país até 100 quilômetros para dentro do
continente.
“Note que nos períodos de estiagem essas savanas remanescentes e a
própria região voltam a se comportar com um deserto. A floresta pode
acabar pela interferência do homem ou pelas mudanças climáticas, mas
esse cerrado permanecerá tal sua resiliência”, observou Martini.
A área que será o futuro parque foi trocada por uma divida com a
prefeitura. Ela se encontra em bom estado de conservação. O objetivo de
vereadores, técnicos da prefeitura e representantes da pastoral do meio
ambiente, ligada a igreja católica, é implementar o parque e preservar
sua biodiversidade o quanto antes, sem que sofra mais interferência da
urbanização que a circunda ou ações que desfigurem o bioma.
Para isso já fizeram um debate na Câmara Municipal, que foi acompanhado
por cerca de 60 pessoas. O evento foi organizado pela Diocese e que
simboliza um gesto concreto da Campanha da Fraternidade 2017, que tem
como tema “Biomas brasileiros e defesa da vida” e como lema “Cultivar e
guardar a criação”. A Diocese de São José dos Campos defende a
preservação do bioma cerrado por meio da criação de um parque público.
O secretário de Urbanismo e Sustentabilidade, Marcelo Manara, reafirmou a
intenção em manter as áreas de preservação integral da cidade e afirmou
o interesse da prefeitura em implantar um parque do cerrado. “Existe um
processo para criar um parque do cerrado na Cetesb e temos a intenção
de prosseguir com o projeto”.
Segundo ele, uma área remanescente de cerrado de cerca de 40 hectares,
que equivale a 40 campos de futebol, na região sul deve realmente
abrigar o parque público. Segundo Manara, o núcleo possui grande
biodiversidade de espécies, além de ser única no Estado de São Paulo.
Em 2010 a prefeitura concluiu um estudo com o mapeamento e levantamento
florístico detalhado dos fragmentos de cerrado presentes no município.
As principais manchas de cerrado cortam toda a região sul, passando pela
área pertencente ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial
(DCTA) até a região leste.
A pesquisa contemplou o georreferenciamento das áreas, a caracterização
das fisionomias encontradas, entre espécies arbóreas, herbáceas
(arbustos e vegetação rasteira) e epífitas (como bromélias e orquídeas),
o levantamento florístico por amostragem e a documentação fotográfica
das áreas. Foram identificadas mais de 150 espécies, sendo que destas,
17 são endêmicas, exclusivas do cerrado da região, não ocorrendo em
outras áreas de cerrado do Estado de São Paulo.
Segundo a bióloga Letícia Brandão, do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o estudo demonstrou a existência
de espécies ameaçadas de extinção do cerrado e espécies encontradas
somente na região do Vale do Paraíba. Este estudo foi pioneiro no
mapeamento desta vegetação dentro do bioma ‘ Cerrado no Vale do
Paraíba’, se se tornou um importante instrumento para a conservação da
biodiversidade regional.
O projeto temático Viabilidade de Conservação dos Remanescentes de
Cerrado do Estado de São Paulo, coordenado por Marisa Dantas Bitencourt,
do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que se
desenvolve no âmbito do Programa Biota-FAPESP, desenvolvido no começo do
ano 2000.
“Embora não estivesse no nosso roteiro original, visitamos as ilhas de
Cerrado do Vale do Paraíba, em São José dos Campos, Caçapava e Taubaté.
Lá, nos surpreendemos ao encontrar, encravadas em pleno domínio da
Floresta Ombrófila Densa (Mata Atlântica), áreas razoavelmente extensas
de Cerrado com todas as fisionomias campestres: campo limpo, campo sujo,
campo cerrado e cerrado stricto sensu, que não tínhamos visto nas
outras regiões. Também nos decepcionamos: em razão provavelmente de
incêndios, a flora do Cerrado no Vale do Paraíba é muito pobre”,
comentou a pesquisadora da USP. (Envolverde)
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, tem 31 anos de profissão, foi
da primeira turma de pós-graduação de jornalismo científico do Brasil,
atuou em diversos veículos da grande imprensa brasileira, tem cursos de
pós-graduações no ITA, INPE, Observatório Nacional e DCTA. Escreve para
publicações nacionais e estrangeiras sobre meio ambiente terrestre,
ciência e tecnologia aeroespacial e economia. É conselheiro de entidades
ambientais, como Corredor Ecológico Vale do Paraíba, foi professor
universitário em jornalismo e é coautor de diversos livros sobre meio
ambiente. É colaborador Attenborough fixo da Agência Envolverde e
integrante da Rebia.
Fonte: Envolverde
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