O fim da Reserva Nacional do
Cobre e Associados (Renca), assinada esta semana pelo presidente Michel
Temer, abre um precedente perigoso: os conflitos socioambientais e
fundiários inerentes a uma ocupação humana súbita e à extração mineral
em uma região cercada de terras indígenas e unidades de conservação.
A Renca é uma área de 47 mil quilômetros
quadrados de mata fechada entre os estados do Amapá e Pará – do tamanho
do Espírito Santo ou oito vezes o Distrito Federal – criada em 1984 no
apagar das luzes do governo militar, que não teve tempo de explorá-la,
como era a intenção.
“Abrir uma área desse tamanho em uma
região tão preservada e com essas características fundiárias é, de fato,
temeroso”, alerta Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). A Renca está localizada em uma
das áreas com maior riqueza predita de mamíferos brasileiros ameaçados
de extinção. Esse é o caso, por exemplo, do peixe-boi-da-amazônia,
espécie aquática ameaçada que já foi observada na Floresta Estadual do
Paru, área que agora permite exploração mineral em seu interior.
Atividades de mineração são especialmente danosas aos ambientes
aquáticos e podem liberar metais pesados, causando intoxicação na
população e biodiversidade local. Estudos do ICMBio já identificaram a altíssima contaminação de peixes por mercúrio em área vizinha.
O mapa mostra a altíssima prevalência de mamíferos ameaçados de extinção na Renca:
Ainda que o texto do decreto
diga que “a extinção da Renca não afasta a aplicação de legislação
específica sobre proteção da vegetação nativa, unidades de conservação
da natureza, terras indígenas e áreas em faixa de fronteira“, há
exemplos históricos sobre o impacto negativo que medidas como essa
causam.
Em Roraima, entre 1986 e 1988, mais de
40 mil garimpeiros contaram com o apoio do governo para invadir as
terras do estado e em especial o território ianomâmi, segundo relatório
da Comissão Nacional da Verdade. O presidente da Funai, na época, era
Romero Jucá, atual líder do PMDB no Senado. Como o documento descreve,
“comunidades inteiras desapareceram em decorrência das epidemias, dos
conflitos com garimpeiros, ou assoladas pela fome. Os garimpeiros
aliciaram indígenas, que largaram seus modos de vida e passaram a viver
nos garimpos. A prostituição e o sequestro de crianças agravaram a
situação de desagregação social.” Estima-se que até um quarto dos
ianomâmis tenham morrido por efeitos diretos ou indiretos do garimpo.
“Mesmo com as regras supostamente
preservadas como diz o governo federal, o impacto de fora para dentro é
enorme. Pode atrair sim invasão de terras, gerar contaminação e outros
problemas conhecidos, sendo devastador para a região”, afirma Alencar. Reportagem especial da Agência Pública revela que,
na Amazônia Legal, um terço das áreas indígenas tem processos
minerários registrados no DNPM, que vão do desejo de explorar ouro,
diamante e chumbo a minérios como cassiterita, cobre e estanho. Na
região, a proporção é de uma terra indígena para cada dez processos
minerários. Campeão nacional, o Pará concentra 50% desses processos em
TIs já identificadas oficialmente pela Funai.
A área da agora extinta Renca engloba
nove áreas protegidas: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as
Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a
Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva
de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas
Waiãpi e Rio Paru d’Este.
Uma análise da
ONG WWF revela que menos de 30% da Renca estará acessível à exploração
dos recursos minerais. As regiões que apresentam contexto geológico
favorável à mineração estão inseridas em áreas protegidas, que bloqueiam
a extração mineral, o que deve estimular o conflito. Reportagem da BBC mostra que mineradoras canadenses souberam da extinção da reserva 5 meses antes do anúncio oficial.
No momento, são 28 títulos outorgados (autorizações de pesquisa e concessões de lavra) e 189
requerimentos de pesquisa prévios à criação da reserva que deverão ser
analisados pelo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral),
que, de acordo com as regras publicadas por Temer, será substituído pela
Agência Nacional de Mineração (ANM), uma troca vista com desconfiança
por especialistas e que, tudo indica, tem a intenção expressa de
acelerar processos travados.
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