quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Mercedes Bustamante: “A conservação do Cerrado é urgente”


10.08.2017Notícias
Uma das maiores conhecedoras do Cerrado, Mercedes Bustamante é professora da Universidade de Brasília (UnB) e voz ativa na defesa do bioma. Bióloga, mestre em ciências agrárias e doutora em geobotânica pela Universidade Trier, na Alemanha, Bustamante integra diversos comitês científicos e é conselheira do IPAM desde 2015.

Para ela, a conservação do Cerrado, que perde sua vegetação nativa cinco vezes mais rápido que a Amazônia, é um tema urgente que deve ocupar espaço central no debate público. Só assim as decisões serão tomadas em tempo hábil para mudar a realidade atual, que já traz consequências como a falta de água, sobretudo em Brasília, que vive grave crise hídrica no momento, além dos serviços ambientais que se perdem com o desmatamento, colocando em risco o futuro de um bioma essencial para o abastecimento de todo o país e que é considerado a savana mais rica do mundo, com 5% da biodiversidade do planeta.

Bustamante também lembra que as populações tradicionais são muito vulneráveis às mudanças climáticas e estão invisíveis neste processo de degradação, que acentuou ainda mais as desigualdades.


O Cerrado teve 1,9 milhão de hectares desmatados de agosto de 2013 a julho de 2015, ou seja, perdeu mais 1,7% da vegetação nativa remanescente. O que deve ser feito para mudar esse quadro?
Mercedes: O primeiro aspecto é dar urgência para essa pergunta. Eu acho que os processos do Cerrado estão acontecendo de forma muito mais intensa, por isso a tomada de decisão tem que ser mais rápida. Eu tenho sentido que felizmente as pessoas têm colocado mais atenção no bioma e que ele tem sido mais observado tanto pela ciência internacional como dentro do Brasil. As pessoas estão percebendo que o processo está crítico. Afinal, esta é uma situação que não dá para esperar dez anos, existe um censo de urgência para que as devidas atitudes sejam tomadas.

E quais seriam essas atitudes?
Mercedes: Muitas pessoas ponderam que é preciso tornar a agricultura sustentável, porque diminui a pressão das áreas agrícolas, e isso é essencial, mas me preocupa o tempo. A gente precisa trabalhar muito mais rapidamente para proteger o Cerrado. O Código Florestal diz que em áreas de Cerrado pode se desmatar até 80%, mas é “até”. O desmatamento legal passa por um agente ambiental. É preciso trabalhar com os órgãos ambientais nos estados para que eles percebam esse “até” e ajam em relação a isso, falando, por exemplo: “Olha, você pode desmatar até 80%, mas eu vou te dar autorização só até 50%”. Além, é claro de expandir a rede de áreas protegidas no Cerrado.


Como a academia contribui para a preservação do Cerrado?
Mercedes: A academia gerou uma grande quantidade de informação sobre o Cerrado a partir da década de 80. Inicialmente estava focada na biodiversidade, contribuindo para um bom conhecimento da fauna e flora. E no final dos anos 90 começaram as pesquisas para entender o funcionamento do bioma. Qual era o impacto de perder o Cerrado? É o impacto de que vai faltar água, de que a incidência de queimadas afeta a saúde humana, entre outros serviços ambientais que se perdem. Hoje existe um conjunto de informação ampla o suficiente para mostrar que precisamos proteger esse bioma. O grande ponto de interrogação é que temos que entender a real situação: o futuro está ameaçado em função da mudança do clima. Esse é um exercício que a ciência precisa fazer agora: conseguir desenhar melhor esses cenários para analisar como serão os próximos anos.


Em que áreas as pesquisas podem avançar para que a conservação dos ecossistemas realmente aconteça?
Mercedes: Temos um ponto muito importante a ser analisado: o que fizemos de conservação até hoje vai continuar sendo eficaz no futuro? O planejamento mais estratégico da conservação, com base em um mundo que muda, é essencial. Quando se fala em mudanças climáticas e conservação, você está o tempo inteiro mirando em um alvo que está se mexendo. É preciso apoiar a tomada de decisão dentro de certa faixa de incerteza, afinal a falta de ação ainda continua sendo a pior resposta.


Mercedes: O desmatamento afeta tudo e traz uma questão muito importante associada, que são os grupos sociais mais vulneráveis. Eles ficam completamente invisíveis nesse processo e acredito que essa é uma dívida que o país tem com as populações tradicionais. É fato que o desmatamento acentuou algumas desigualdades. As populações tradicionais são muito vulneráveis às mudanças climáticas. As pessoas estão espremidas territorialmente e sofrem os impactos das mudanças do clima diretamente. Este é um grande desafio: é preciso agir para garantir a conservação do bioma e a qualidade de vida da população.

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