Uma das maiores conhecedoras
do Cerrado, Mercedes Bustamante é professora da Universidade de
Brasília (UnB) e voz ativa na defesa do bioma. Bióloga, mestre em
ciências agrárias e doutora em geobotânica pela Universidade Trier, na
Alemanha, Bustamante integra diversos comitês científicos e é
conselheira do IPAM desde 2015.
Para ela, a conservação do Cerrado, que perde sua vegetação nativa cinco vezes mais rápido que a Amazônia,
é um tema urgente que deve ocupar espaço central no debate público. Só
assim as decisões serão tomadas em tempo hábil para mudar a realidade
atual, que já traz consequências como a falta de água, sobretudo em
Brasília, que vive grave crise hídrica no momento, além dos serviços
ambientais que se perdem com o desmatamento, colocando em risco o futuro
de um bioma essencial para o abastecimento de todo o país e que é
considerado a savana mais rica do mundo, com 5% da biodiversidade do
planeta.
Bustamante também lembra que as
populações tradicionais são muito vulneráveis às mudanças climáticas e
estão invisíveis neste processo de degradação, que acentuou ainda mais
as desigualdades.
O Cerrado teve 1,9 milhão de
hectares desmatados de agosto de 2013 a julho de 2015, ou seja, perdeu
mais 1,7% da vegetação nativa remanescente. O que deve ser feito para
mudar esse quadro?
Mercedes: O primeiro aspecto é dar
urgência para essa pergunta. Eu acho que os processos do Cerrado estão
acontecendo de forma muito mais intensa, por isso a tomada de decisão
tem que ser mais rápida. Eu tenho sentido que felizmente as pessoas têm
colocado mais atenção no bioma e que ele tem sido mais observado tanto
pela ciência internacional como dentro do Brasil. As pessoas estão
percebendo que o processo está crítico. Afinal, esta é uma situação que
não dá para esperar dez anos, existe um censo de urgência para que as
devidas atitudes sejam tomadas.
E quais seriam essas atitudes?
Mercedes: Muitas pessoas ponderam que é
preciso tornar a agricultura sustentável, porque diminui a pressão das
áreas agrícolas, e isso é essencial, mas me preocupa o tempo. A gente
precisa trabalhar muito mais rapidamente para proteger o Cerrado. O
Código Florestal diz que em áreas de Cerrado pode se desmatar até 80%,
mas é “até”. O desmatamento legal passa por um agente ambiental. É
preciso trabalhar com os órgãos ambientais nos estados para que eles
percebam esse “até” e ajam em relação a isso, falando, por exemplo:
“Olha, você pode desmatar até 80%, mas eu vou te dar autorização só até
50%”. Além, é claro de expandir a rede de áreas protegidas no Cerrado.
Como a academia contribui para a preservação do Cerrado?
Mercedes: A academia gerou uma grande
quantidade de informação sobre o Cerrado a partir da década de 80.
Inicialmente estava focada na biodiversidade, contribuindo para um bom
conhecimento da fauna e flora. E no final dos anos 90 começaram as
pesquisas para entender o funcionamento do bioma. Qual era o impacto de
perder o Cerrado? É o impacto de que vai faltar água, de que a
incidência de queimadas afeta a saúde humana, entre outros serviços
ambientais que se perdem. Hoje existe um conjunto de informação ampla o
suficiente para mostrar que precisamos proteger esse bioma. O grande
ponto de interrogação é que temos que entender a real situação: o futuro
está ameaçado em função da mudança do clima. Esse é um exercício que a
ciência precisa fazer agora: conseguir desenhar melhor esses cenários
para analisar como serão os próximos anos.
Em que áreas as pesquisas podem avançar para que a conservação dos ecossistemas realmente aconteça?
Mercedes: Temos um ponto muito
importante a ser analisado: o que fizemos de conservação até hoje vai
continuar sendo eficaz no futuro? O planejamento mais estratégico da
conservação, com base em um mundo que muda, é essencial. Quando se fala
em mudanças climáticas e conservação, você está o tempo inteiro mirando
em um alvo que está se mexendo. É preciso apoiar a tomada de decisão
dentro de certa faixa de incerteza, afinal a falta de ação ainda
continua sendo a pior resposta.
O ritmo de desmatamento do Cerrado foi cinco vezes mais rápido que o medido na Amazônia entre agosto de 2013 a julho de 2015. Considerando esse dado, qual é o maior desafio do bioma?
Mercedes: O desmatamento afeta tudo e
traz uma questão muito importante associada, que são os grupos sociais
mais vulneráveis. Eles ficam completamente invisíveis nesse processo e
acredito que essa é uma dívida que o país tem com as populações
tradicionais. É fato que o desmatamento acentuou algumas desigualdades.
As populações tradicionais são muito vulneráveis às mudanças climáticas.
As pessoas estão espremidas territorialmente e sofrem os impactos das
mudanças do clima diretamente. Este é um grande desafio: é preciso agir
para garantir a conservação do bioma e a qualidade de vida da população.
Nenhum comentário:
Postar um comentário