sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

A AGONIA DO CERRADO » Produzir sem destruir


Flor típica do Cerrado


Ambientalistas e ruralistas buscam técnicas para combater a baixa produtividade por área do bioma. Pesquisas mostram que cerca de 150 milhões de hectares, já desmatados, estão subaproveitados



*Por Flávia Maia
O cerrado tornou-se o celeiro da produção agropecuária. No bioma, o Brasil vem colecionando safras recordes de grãos. Este ano, agricultores vão colher 114 milhões de toneladas de soja, por exemplo. No entanto, é possível ir além. E o melhor: sem derrubar uma só árvore nativa. Pesquisas mostram que cerca de 150 milhões de hectares, já desmatados, estão subaproveitados.


Combater a baixa produtividade por hectare tornou-se a perseguição de ambientalistas e ruralistas. Os ambientalistas lutam para reduzir o desmatamento e as emissões de carbono. Os ruralistas esperam aumentar a produção das culturas e da criação de animais na mesma propriedade.

Mineiro radicado em Goiás, pequeno produtor aprendeu que o desmatamento estraga o solo
Dados da organização não-governamental WWF-Brasil indicam que as pastagens ocupam 79% da área desmatada de cerrado e é justamente nessa atividade que os índices de produtividade são os mais baixos. As culturas irrigadas ocupam 0,1% do cerrado; as plantações de grãos e de algodão sem irrigação, 14%, e a cana-de açúcar, 4%. Dessa forma, o desafio está em melhorar o uso da terra, principalmente, onde tem criação de animais como o boi. Conforme o Correio mostrou ontem, o gado foi uma das primeiras atividades econômicas que se desenvolveu no bioma. Mas a produção rústica permanece em várias regiões.


Estudos do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostram que o cerrado é o bioma com a maior área convertida em pastagem no Brasil: são 58,93 milhões de hectares destinados a essa produção; um terço poderia ser melhor manejada. As áreas degradadas são aquelas em que a pastagem vai perdendo o vigor vegetativo e a capacidade de alimentar o gado. 


Com isso, a estimativa é de que 20 milhões de hectares de pastagem possam ser usados para colocar soja.


Atualmente, são 1,11 animais por hectare, índice considerado muito baixo por especialistas. Esse número poderia chegar a 2,56, segundo alguns estudos. “Isso significa ser possível dobrar a produção na mesma área existente. Ou então, se mantivermos o mesmo tamanho de rebanho, podemos liberar metade da área de pastagem para outros usos, como a plantação de outras culturas, como soja, e replantio de áreas degradadas”, explica Laerte Guimarães Ferreira, coordenador do Lapig. 


“A forma como se faz pasto no Brasil ainda degrada muito. O produtor de gado não se considera um produtor. É preciso mudar esse pensamento”, analisa José Felipe Ribeiro, pesquisador da Embrapa Cerrados.


Dessa forma, o esforço atual das entidades de classe e das associações de defesa do cerrado estão em conscientizar o produtor rural de que o esgotamento do bioma é prejudicial para a própria produção agrícola. “O agricultor pensa em cuidar da terra porque necessita dela. O pecuarista ainda tem muito de exaurir o solo. 


Precisamos mudar esse conceito e mostrar que é possível produzir mais e conservar o cerrado. Porque a gente precisa da agricultura e do bioma”, defende Júlio César Sampaio, coordenador do programa Cerrado-Pantanal da WWF-Brasil.


Tecnologia a favor
A agropecuária é responsável por 20% das emissões de carbono brasileiras. Quando o Brasil assumiu o compromisso de reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera, o Banco Mundial, por meio do projeto Forest Investment Plan (FIP), doou 10 milhões de dólares para o Brasil investir em disseminar práticas de agricultura de baixa emissão de carbono e sensibilizar os produtores rurais para que invistam em sua propriedade visando obter retorno econômico e preservando o meio ambiente. 


Assim nasceu o ABC Cerrado, o projeto começou em 2014 e se estenderá até 2019. Entre os vários atores envolvidos no programa estão a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a Embrapa.


O programa está centrado em quatro frentes: recuperar pastagens degradadas, integrar lavoura-pecuária-floresta, fazer florestas plantadas e desenvolver o sistema de plantio direto – que consiste em não deixar o solo descoberto, sem algum tipo de plantação ou capim, evitando, assim, erosões. A ideia é trabalhar na capacitação do produtor e com assistência técnica. 



De acordo com a CNA, desde o início do projeto, 313 turmas de capacitação já foram concluídas e há 16 turmas em andamento. Quase 4 mil produtores rurais já foram capacitados no Distrito Federal e em sete estados brasileiros: Tocantins, Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Bahia, Mato Grosso do Sul e Piauí.


A opção foi focar no médio produtor rural, com propriedades de até 70 módulos fiscais. “O grande produtor tem meios próprios para conseguir o acesso à informação. O pequeno é alvo de outras ações de políticas públicas. O médio ainda é o mais desassistido”, justifica Mateus Moraes Tavares, coordenador técnico do projeto ABC Cerrado.


Na assistência técnica são 1,6 mil produtores atendidos e 76,5 mil hectares foram recuperados. Segundo cálculos da CNA, a cada R$ 1 que o projeto coloca, o produtor coloca R$ 10. “É uma contrapartida forte do produtor, mas a gente precisa convencer o produtor rural dos benefícios. Tem que mostrar pelos resultados: investimento baixo, aumento de renda. Se o produtor rural não observar os benefícios, ele não vai fazer”, completa Mateus.


De acordo com Mateus, a preocupação com o projeto está principalmente na região que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba). “A gente tem que trabalhar em áreas convertidas, sem precisar abrir novas áreas”, explica Mateus.


"Quem quisé tocá seu gado
Chama um vaqueiro daqui,
Que saino desse lado
Nunca que chega daí;
O gado que sai contado
Dana logo pra sumi”
(Conto João Boi, Bernardo Élis)
1,1

Quantidade de cabeça de gado por hectare no cerrado


As lições de Argemiro
Argemiro Ribeiro Dias está sempre arrumado. O chapéu de feltro, a camisa social e o sapato de bico fino acompanham a cordialidade para receber as visitas. Em 79 anos de vida, ele aprendeu que o respeito é fundamental em qualquer relação. Com o cerrado, não poderia ser diferente.

Ele mora em Monte Alto, um distrito de Padre Bernardo (GO). Há 20 anos, tem um sítio que conseguiu via reforma agrária. Argemiro fez do cerrado o jardim de sua propriedade. Nos 18 hectares de terra que a família possui, ele optou por preservar 14. Nos outros quatro, concentra a sua casa e as dos filhos e a plantação de frutas e verduras orgânicas.

“Sou de Montes Claros (MG), mas fui criado em Unaí (MG). Lá tinha de tudo, tinha muito pequizeiro. Comecei a perceber que o desmatamento estraga o solo, afasta a umidade da terra e abaixa as águas, por isso, deixamos a mata de pé”, explica Argemiro.


(*) Flávia Maia – Fotos – Arthur Menescal – Google  – Correio Braziliense -  Ilustração: Blog - Google

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