quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
Medidas equivocadas de governos e fenômenos climáticos extremos
mostraram que as questões ambientais têm reflexos sociais e econômicos
e, portanto, precisam de mais atenção
Um ano turbulento. Essa é a definição da maioria dos ambientalistas para
2017, com relação às tomadas de decisões ligadas à conservação da
natureza brasileira e aos eventos climáticos extremos nacionais e
internacionais.
Nacionalmente, as Unidades de Conservação (UC) brasileiras foram as que
mais sofreram ameaças, de acordo com especialistas. Diversas ações do
Governo colocaram em riscos áreas extremamente importantes para a
biodiversidade, principalmente por propostas de alteração na legislação.
As Medidas Provisórias 756 e 758, do Governo Federal, enviadas ao
Congresso Nacional em maio deste ano propuseram a redução de mais de 1
milhão de hectares da área de UCs no Pará, na Amazônia, e de outras
regiões do Brasil, como também Santa Catarina. Felizmente, por pressão
nacional e internacional, o presidente Michel Temer vetou essa redução.
Outra tentativa de mudança na legislação foi o andamento do Projeto de
Decreto Legislativo (PDC) 427 de 2016. Por meio dele, buscou-se sustar
os efeitos legais da lista de animais em extinção definida pela Portaria
nº 444 do Ministério do Meio Ambiente. Conhecidas como “listas
vermelhas”, elas representam uma parte essencial da política de Estado
para garantir que fauna, flora e micro-organismos nativos sejam
protegidos. “Entre tantas tentativas de prejudicar a nossa
biodiversidade por meio de propostas de mudanças na legislação, a
possibilidade de se sustar os efeitos legais da lista de animais em
extinção se mostrou assustadora e incompreensível”, destaca o biólogo
Fabiano Melo, membro da Rede de Especialistas em Conservação da
Natureza.
Em agosto, outra proposta do Governo Federal propôs a extinção da Renca,
que é uma reserva de cobres e associados, com o intuito de possibilitar
a exploração mineral em uma grande região entre o Pará e o Amapá – uma
área quase do tamanho do Estado do Rio de Janeiro – e, novamente pela
pressão da sociedade civil e da classe artística, o Governo voltou
atrás.
Assim como no Norte do país, no Paraná, uma grande mobilização vem sendo
feita para engavetar uma proposta criada pela Assembleia Legislativa
que prevê a redução da Área de Preservação Ambiental da Escarpa
Devoniana – maior Unidade de Conservação do Sul do País. Para Emerson
Oliveira, coordenador de Ciência e Conservação da Fundação Grupo
Boticário de Proteção à Natureza, mesmo que essas ameaças não tenham
seguido em frente, elas são preocupantes. “Temos que estar atentos à
pauta ambiental do Governo. Neste ano, se não fosse a pressão da
sociedade, todas essas medidas teriam sido aprovadas e o resultado disso
seria um desastre ambiental”, analisa.
Mas não foram somente notícias ruins que permearam a pasta ambiental.
Mesmo com tantas tentativas de reduções de áreas protegidas, outras
propostas (e demandas antigas) também foram aprovadas, como a ampliação
da área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, da Estação
Ecológica do Taim (RS), da Reserva Biológica União (RJ) e o Parque
Nacional dos Campos Ferruginosos (PA). Além disso, no Paraná foi
recategorizada e ampliada a Floresta Estadual do Palmito (agora Parque
Estadual do Palmito) e ampliada a Estação Ecológica do Guaraguaçu, que
são áreas que protegem florestas e planícies do Bioma Mata Atlântica, um
dos mais ameaçados do Brasil e onde vivem mais de 70% da população
nacional.
“Diante de tantos retrocessos, o impacto foi direto na sociedade civil
que precisou agir para evitar a alteração de diversos aspectos ligados à
Legislação Ambiental. Mas isso pode ser visto também como algo
positivo, pois mostra o quanto mobilizações como essas dão resultado
positivos e fazem com que o Governo não permita situações tão adversas”,
analisa Rachel Biderman, diretora do World Resources Institute (WRI –
Brasil) e membro da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza.
Más notícias também no cenário internacional
Desde a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, o presidente Donald
Trump tem causado preocupação quando o assunto é combater a mudança
climática. Tal decisão colocou o mundo em um ritmo mais lento nas
negociações climáticas, principalmente em assuntos ligados a
investimentos, empresas e países que já estavam em negociações
internacionais avançadas. “Por outro lado, há pontos positivos lá fora.
Existem lideranças importantes despontando, como é o caso do presidente
da França, Emmanuel Macron, que convocou uma Comissão em Paris para
debater a agenda climática; assim como na Islândia despontou uma líder
mulher, a primeira-ministra Katrin Jakobsdottir, líder do movimento
Esquerda Verde, que também aponta nessa direção. A China, que é um motor
fundamental da economia e também da agenda do baixo carbono, tem dado
bons direcionamentos; e a Alemanha, a Noruega, e a Europa em geral nos
mostram boas iniciativas”, comemora Rachel.
No âmbito da mudança global do climática, o mundo em 2017 teve
comprovações de que as coisas não andam bem. Eventos climáticos extremos
se mostraram cada vez mais frequentes, como as queimadas acima do
normal em Portugal, África do Sul, Califórnia e no Cerrado brasileiro,
além do número de furacões de grande escala que também foi intenso em um
curto período de tempo. “No Brasil, houve um aumento significativo nos
problemas com enchentes durante o período do verão. O que nos preocupa
com tudo isso é que não vemos investimentos necessários para a adaptação
nesse novo cenário de mudança climática e isso ficou claro durante a
23ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 23) que
foi realizada em novembro deste ano, em Bonn, na Alemanha”, pondera
André Ferretti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo
Boticário de Proteção à Natureza.
Exemplo dessa falta de investimentos foi a Medida Provisória 795
encaminhada ao Congresso Nacional durante a COP 23, em novembro, que dá
incentivos à indústria de combustíveis fósseis (óleo e gás) estimados em
subsídios na ordem de um trilhão de reais em 25 anos. Por esse motivo, o
Brasil acabou recebendo o Fóssil do Dia, prêmio oferecido pela
organização Climate Action Network para países que atrapalham o
progresso das negociações ou que se afastam do cumprimento das metas
para conter o aquecimento global. “No futuro, com a confirmação da COP
25 no Brasil em 2019, espera-se que o tema da mudança climática esteja
mais presente nas próximas eleições e que seja mais debatido com a
sociedade”, anseia Ferretti.
O que esperar ambientalmente para 2018
Boas notícias são esperadas para o ano que inicia em breve. Considerando
que 2018 é um ano eleitoral, o desejo de especialistas na área é de que
temas ambientais estejam na pauta do Brasil e do mundo. Para Rachel
Biderman, com a agenda eleitoral em atividade, o próximo ano será a
oportunidade de atrair os candidatos para uma agenda ambiental e de
sustentabilidade. “Precisamos atrair ao máximo os candidatos e convencer
os eleitores de que é necessário um candidato com esse perfil. A
intenção tem que ser trabalhar principalmente com o público jovem, para
tentar a renovação do Congresso e das Assembleias Legislativas”,
analisa.
Mudança climática e políticas públicas do Governo Federal que vão na
contramão da conservação da natureza são as maiores preocupações dos
ambientalistas. De acordo com Fabiano Melo, esses são assuntos que irão
ganhar cada vez mais força. “Considerando a mudança climática e o futuro
cada vez mais difícil relacionado a esse tema, nós precisamos falar e
agir sobre isso, acreditar nas propostas, participar de maneira
positiva, de forma a melhorar a posição do Brasil e das políticas
públicas voltadas a biodiversidade”, reflete.
Para Emerson Oliveira esse é o rumo também para as Unidades de
Conservação. “Para 2018, espera-se que os governantes tenham uma atenção
maior para as nossas unidades de conservação, pelo menos deixando de
colocar em risco essas áreas com os projetos de leis estaduais,
municipais e federais. Por isso, nossa expectativa é que o Governo
Federal anuncie a criação de algumas UCs costeiro-marinhas que a própria
sociedade civil (como a Fundação Grupo Boticário) tem articulado junto
ao Governo Federal, via Ministério do Meio Ambiente e Instituto Chico
Mendes e que essas boas notícias possam ser anunciadas no próximo
Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, em julho do ano que
vem”, almeja.
Sobre a Fundação Grupo Boticário
A Fundação Grupo Boticário é fruto da inspiração de Miguel Krigsner,
fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração
do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da
Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação
ambiental mundial. A Fundação Grupo Boticário apoia ações de conservação
da natureza em todo o Brasil, totalizando mais de 1.500 iniciativas
apoiadas financeiramente. Protege 11 mil hectares de Mata Atlântica e
Cerrado, por meio da criação e manutenção de duas reservas naturais.
Atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos
negócios e nas políticas públicas, além de contribuir para que a
natureza sirva de inspiração ou seja parte da solução para diversos
problemas da sociedade. Também promove ações de mobilização,
sensibilização e comunicação inovadoras, que aproximam a natureza do
cotidiano das pessoas.
Sobre a Rede de Especialistas
A Rede de Especialistas de Conservação da Natureza é uma reunião de
profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em
áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos,
com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da
conservação da natureza brasileira. A Rede foi constituída em 2014, por
iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
Fonte: Segs
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