quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
Em sua última semana de trabalho do ano, a Câmara dos Deputados
rejeitou, na noite desta quarta-feira (13/12), uma emenda do Senado e
manteve no texto da Medida Provisória 795 a suspensão de impostos
cobrados de petrolíferas nacionais e estrangeiras até 2040.
Assim, a medida, apelidada de “MP do trilhão” e que também inclui perdão de dívidas, incentiva a exploração de petróleo.
A MP foi enviada ao Congresso pelo presidente Michel Temer. Diante de um
plenário vazio, foi discutida no Senado dois dias antes da aprovação
final na Câmara. Senadores pediram uma alteração, que diminuía o prazo
da isenção de 2040 para 2022, como determina a Lei de Responsabilidade
Fiscal, que limita qualquer beneficio fiscal a cinco anos.
Os deputados, porém, derrubaram a emenda por 206 votos a 193 e duas
abstenções. Após a aprovação final pela Câmara, a medida provisória
segue agora para sanção presidencial.
A MP suspende tributos cobrados sobre bens e equipamentos relacionados a
atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo no
país. Os itens podem ser adquiridos no Brasil ou importados. Também há
isenção para compra de matérias-primas e produtos intermediários
destinados à atividade.
Um estudo técnico assinado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos
Deputados calculou que, com a entrada em vigor da MP 795, os cofres
públicos deixarão de arrecadar cerca de 1 trilhão de reais, daí o
apelido “MP do Trilhão”. Posteriormente, uma nota do Ministério da
Fazenda argumentou que o impacto seria positivo e desmentiu a cifra,
alegando um erro de cálculo. Por outro lado, a nota não apresentou um
valor alternativo.
“Quando se provê um ambiente jurídico seguro, regras alinhadas com o
mercado internacional de petróleo e condições equilibradas de
competitividade, o país ganha em termos de arrecadação em decorrência do
aumento nos ágios oferecidos pelas companhias de petróleo e a atração
de novos investimentos”, diz a nota. Foi o argumento adotado pelo
senador Romero Jucá, que defendeu a medida no Senado.
“Essa MP tem dois lados perversos: o que o país vai deixar de arrecadar
no futuro e a dívida que ela perdoa”, afirma Kleber Cabral, presidente
da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil (Unafisco).
À frente do órgão que reúne profissionais que combatem sonegação, Cabral
traça paralelos. ”Infelizmente, o Brasil virou um balcão de negócios.
Benefício fiscal e isenção setorizada estão potencialmente ligadas a
pagamento de propina. Os casos da Lava Jato e outros comprovam isso”,
analisa.
Lobby estrangeiro e perdão de dívidas
Em 2009, a Receita Federal identificou uma prática considerada abusiva e
muitas vezes ilegal: empresas que exploravam petróleo em plataformas
enviavam 90% da receita para fora do país sem pagar qualquer imposto.
Fiscalizadas, as empresas envolvidas deviam multas que chegavam a 54
bilhões de reais.
Cinco anos mais tarde, a Medida Provisória 651/2014 legalizou esse
“jeitinho” de sonegar. A tramitação da medida no Congresso não ficou
livre de suspeita de corrupção: em agosto último, a Procuradoria-Geral
da República denunciou Jucá por receber propina de 150 mil reais para
atuar a favor da Odebrecht na tramitação da mesma MP.
Além das isenções fiscais, a Medida Provisória 795 aprovada agora perdoa
a dívida antiga que a Receita Federal tentava, desde 2009, cobrar pela
sonegação de impostos. Ela beneficia petroleiras como Shell, Exxon, BP e
Petrobras.
“Para nós, da fiscalização da Receita, o que mais dói é o trabalho de
mais de uma década ser jogado pela janela”, lamenta Cabral.
No debate no Senado, parlamentares acusaram o governo Temer de ceder ao
lobby da indústria internacional de petróleo. A MP 795 foi enviada ao
Congresso pouco antes do último leilão de petróleo e gás, realizado em
setembro. Na ocasião, 17 empresas arremataram áreas para exploração,
sete delas estrangeiras.
“Antes de o próprio Congresso aprovar a medida, o presidente Temer já
tinha prometido às petroleiras de que elas teriam segurança fiscal. Foi
uma promessa feita sem saber se a MP seria aprovada”, ressalta Nicole
Oliveira, diretora da América Latina da ONG 350, que se opõe a novos
projetos de carvão, petróleo e gás.
Contra o clima
A MP 795 vai beneficiar indústrias que atuarem no pré-sal, apontado como
a maior descoberta de combustível fóssil das últimas décadas, com um
volume estimado em 176 bilhões de barris. A queima dessa reserva
despejaria na atmosfera 74,8 bilhões de toneladas de carbono equivalente
(tCO2eq).
O gás – responsável pelo efeito estufa, que acelera as mudanças
climáticas – precisa que ser eliminado para que o planeta não sofra um
aquecimento maior que 1,5˚C, como manda o Acordo de Paris.
“Além de escarnecer da sociedade brasileira, o presidente desponta como o
inimigo número um do combate às mudanças climáticas: apenas o petróleo
do pré-sal contém carbono suficiente para estourar a meta do Acordo de
Paris”, critica o Observatório do Clima.
“A gente está gastando duas ‘previdências’ em isenção para petroleiras
que não deveriam ser isentadas”, opina Oliveira, lembrando que o governo
tenta aprovar a reforma da Previdência alegando uma economia necessária
de cerca de 600 bilhões de reais.
“Sob a perspectiva climática, a gente não deveria estar investindo nos
[combustíveis] fósseis, e sim em energias limpas. O país está quebrado e
dando dinheiro para petroleiras”, critica.
Durante a cúpula One Planet – promovida nesta semana pelo presidente
francês, Emmanuel Macron, para impulsionar o Acordo de Paris, assinado
há dois anos –, o Banco Mundial anunciou que vai deixar de financiar
atividades ligadas a petróleo e gás a partir de 2019. Segundo a
instituição financeira, a decisão se alinha ao “mundo em transição”, com
objetivo de ajudar os países a alcançarem a meta do Acordo de Paris.
Fonte: Deutsche Well
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