quinta-feira, 23 de agosto de 2018
Conservar a Amazônia é questão ambiental, social e econômica
A Amazônia é única. É a maior extensão de floresta tropical e o único
lugar onde a própria floresta controla seu clima interno, impactando o
mundo todo.
Com sua biodiversidade ímpar, a Amazônia possibilita a
manutenção de serviços ecossistêmicos e limpa a atmosfera do planeta.
Porém, para que haja um desenvolvimento social sustentável na região, é
necessária uma forte base científica capaz de subsidiar políticas
públicas que atendam questões relacionadas à população, biodiversidade,
meio ambiente e economia.
É o que destacaram participantes no workshop “As dimensões científicas,
sociais e econômicas do desenvolvimento da Amazônia”, realizado no dia
16 de agosto de 2018, em Manaus, pela FAPESP em parceria com o Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e com o Brazil Institute do
Wilson Center, em Washington.
“É preciso ver a Amazônia a partir de vários aspectos diferentes. Ela
não é um jardim botânico, pois não tem um funcionamento ou um impacto
linear, e é chave para as mudanças climáticas globais”, disse Paulo
Artaxo, professor no Instituto de Física da Universidade de São Paulo
(USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre
Mudanças Climáticas Globais.
Pesquisadores defendem base científica capaz de subsidiar políticas
públicas que atendam questões relacionadas à sociedade, biodiversidade,
meio ambiente e economia da região (foto: Bergadder / Pixabay)
O funcionamento biológico da Floresta Amazônica regula o clima sobre a
região. “A floresta controla o balanço de energia, o fluxo de calor
latente e sensível, o vapor d’água e os núcleos de condensação de nuvem
que vão intensificar o ciclo hidrológico. E isso só é possível se houver
uma extensão muito grande de floresta. Quando ela é fragmentada, deixa
de ter essa propriedade”, disse Artaxo, organizador do workshop, à
Agência FAPESP.
Um exemplo do impacto da floresta está na sua capacidade de armazenar
carbono da atmosfera, questão fundamental para as mudanças climáticas.
“Mas a capacidade da Floresta Amazônica em armazenar carbono e, de certa
forma, limpar a atmosfera, está diminuindo. Há três décadas, era
relativamente mais intensa que hoje. O problema é se a floresta passar a
emitir mais dióxido de carbono que absorver, o que agravaria as
mudanças climáticas. O que acontece com a Amazônia interfere no mundo
inteiro”, disse Luiz Antonio Martinelli, professor do Centro de Energia
Nuclear na Agricultura (Cena) da USP.
De acordo com Martinelli, a hipótese principal para a diminuição de
estocagem de carbono tem relação com os eventos extremos, como a seca,
que estão mais frequentes e intensos. Isso ocasiona a mortalidade das
árvores e a consequente perda em estocar carbono.
“Talvez já estejamos vendo o efeito das mudanças climáticas na Amazônia.
E um interfere no outro, ou seja, o evento extremo degrada mais a
floresta, degradando a floresta ela emite mais CO2 e aumenta a
intensidade e frequência dos eventos extremos”, disse Martinelli.
Serviços ecossistêmicos
Fora o evidente impacto ambiental das mudanças climáticas, há ainda consequências sociais e econômicas.
“Secas como as que tivemos em 2005 e 2010 provocaram um impacto social
enorme. Municípios ficaram completamente isolados, sem água e alimentos,
pois os rios são o transporte na região. Já as cheias extremas deslocam
populações da beira de Manaus, por exemplo”, disse Artaxo.
Modelos climáticos têm previsto aumento significativo dos eventos extremos nas próximas décadas.
“O Brasil precisa ter um plano de adaptação para a Amazônia. O aumento
da temperatura na região foi da ordem de 1,6 °C, enquanto a média no
Brasil foi de 1,3 °C e a mundial de 1,1°C [desde o fim do século 19].
Então, a Amazônia, por estar em uma região tropical, por receber muita
radiação solar, é uma região sensível ao aumento da temperatura e à
redução da precipitação. Dá para imaginar o impacto socioeconômico de um
dia de verão em Manaus com temperatura média aumentada em até 5 ºC. É o
que pode acontecer no futuro”, disse Artaxo.
Um ponto a ser investigado é o dos diversos serviços ecossistêmicos da
floresta, como o processamento de vapor d’água e a absorção de uma
quantidade enorme de CO2 da atmosfera.
“O valor dos serviços ecossistêmicos que a Floresta Amazônica realiza
equivale a US$ 14 trilhões. Atualmente, o preço da tonelada de CO2 no
mercado internacional está em torno de US$ 100, e a Amazônia absorve uma
quantidade gigantesca desse gás. Isso vale muito”, disse Artaxo.
Mas existe uma lista maior de serviços ecossistêmicos, como, por
exemplo, o vapor d’água – essencial para a agricultura. Durante as
apresentações no workshop, foi destacada a dependência da agricultura de
todo o sul do Brasil e dos estados de Mato Grosso e Goiás pelo vapor d’
água processado pela Amazônia.
“Essa floresta é valorizada, é valorizável. Mas o seu modo de exploração
atual, baseado em grandes projetos agropecuários, não beneficia
necessariamente a população da região”, disse Artaxo.
Outro ponto destacado foi o crescimento nos últimos cinco anos do índice
de desmatamento, que vinha decaindo consideravelmente nos últimos 30
anos.
“Não ter essa floresta em um cenário futuro de aquecimento significa não
ter um ativo econômico que terá muita importância para prevenir grandes
prejuízos no futuro. Fora isso, se o Brasil quer ter uma meta além dos
7% da produção mundial [do agronegócio], é bom valorizar a conservação.
Pois sem esse sistema gigante de irrigação, não será possível atingir
essa meta. É uma questão econômica”, disse Paulo Moutinho, pesquisador
sênior do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam).
https://youtu.be/Ozy5NU8821I
https://youtu.be/Ozy5NU8821I
Mau exemplo
A importância de conservar a biodiversidade também foi debatida no
workshop. Para Maria Teresa Piedade, pesquisadora do Inpa, é preciso
criar um desenvolvimento sustentável que seja compatível com a
biodiversidade e não o contrário. “A biodiversidade está aqui muito
antes da nossa vinda e da região se tornar a última fronteira de acesso a
bens e produtos”, disse.
Piedade orienta estudos de impacto na hidrelétrica de Balbina, obra da
década de 1980 no município de Presidente Figueiredo (AM) e que tem
desdobramentos até hoje.
“A hidrelétrica de Balbina tem sido apontada há tempos como um péssimo
exemplo de sustentabilidade. Ela deslocou populações tradicionais
indígenas, gerou massiva mortalidade de peixes e vários outros
problemas. Fora isso, tem baixa eficiência”, disse à Agência FAPESP.
“Houve um achatamento da variação de secas e cheias do rio. Estamos
verificando a ocorrência de mortalidade em massa de árvores das porções
mais baixas e a entrada de espécies de terra firme nas porções mais
altas, anteriormente colonizadas por árvores das áreas úmidas. Isso
altera a biodiversidade local, a composição florística e o banco de
sementes para peixes que utilizam os rios da região para se alimentar”,
disse Piedade.
O workshop “As dimensões científicas, sociais e econômicas do
desenvolvimento da Amazônia” terá continuação no dia 24 de setembro, no
Wilson Center, nos Estados Unidos.
No evento, a intenção também será debater que o entendimento físico,
químico e biológico da Amazônia auxilia na compreensão de suas
fragilidades e resiliências, e que é preciso olhar para as dimensões
sociais e econômicas da região de maneira integrada. (#Envolverde)
Fonte: Envolverde