terça-feira, 28 de agosto de 2018

Ausência de dor nas plantas, muita dor nos animais

Ausência de dor nas plantas, muita dor nos animais

As plantas não sentem dor, porque, devido ao fato de serem organismos vivos sésseis e não poderem fugir dos estímulos dolorosos, buscando uma área menos agressiva, hostil ou miserável, as...


02/03/2018 às 18:30 

Por Dr. phil. Sônia T. Felipe
Árvore do Central Park, despida das folhas, em temperatura zero ou menor que zero. Gentileza do fotógrafo: João Pedro Bastos, Florianópolis

As plantas não sentem dor, porque, devido ao fato de serem organismos vivos sésseis e não poderem fugir dos estímulos dolorosos, buscando uma área menos agressiva, hostil ou miserável, as plantas liberam o tempo todo endorfinas (calmantes naturais) ou analgésicos. Então, elas não ‘sofrem’, pelo menos não no sentido psicológico e emocional animal.

Ora, os humanos e os outros animais, tadinhos de nós e deles, não liberam analgésicos em grau suficiente para se proteger da experiência da dor. Dotados da liberdade física não concedida às plantas, os animais fogem do ambiente ou do estímulo no qual sentem dor ou ameaças, a menos que estejam confinados ou impedidos de algum modo de fugir. Nenhuma planta evoluiu para poder fugir. Elas evoluíram para liberar endorfinas que as protegem da dor.
Bovino lesado na coluna, transporte marítimo transcontinental da Austrália para o Vietnã. Foto: Dr Lynn Simpson, médica veterinária demitida do Ministério Australiano por fazer o relatório das condições abomináveis do transporte de animais vivos por navios.

Então, plantas não sentem dor, contudo, “sentem vibrações” indicando desequilíbrios nas reservas de nutrientes, água, minerais, proteínas e açúcares em seus organismos (homeostasia). Para não paralisarem sua atividade de reposição do que está em falta, elas liberam endorfinas. Assim, elas seguem ativas e serenas, sem nervosismos, medos, ansiedades, frustrações e pesares, afecções emocionais que no caso delas não faria o menor sentido sentir, e que seria a ruína dos animais se não as sentissem.

Quanto aos animais, tendo nascido, pagam o preço do corte da proteção oferecida pelo ovo ou pelo útero, o corte do provimento também. A dor já nasce com eles, é constitutiva de sua natureza sensível senciente. É por conta dela, sempre uma experiência desagradável, pelo menos para a maioria dos seres sencientes, que o animal aprende a se afastar do que o ameaça, e a buscar o que o favorece a permanecer vivo. Não quer dizer que não se engane muitas vezes. Mas o animal é livre para se desenganar, a menos que o engano lhe tenha custado a vida, como no caso de comer algo em que um humano escondeu venenos. Vale para os humanos também, que comem o tempo todo alimentos cultivados com venenos.
Cascos mantidos em piso coberto de fezes e urina. Bois transportados por caminhões e navios do Brasil para outros continentes.

Por fim, alguém conclui que se não sente dor, então a planta pode ser dizimada, pois “não tem interesse em viver”. Esta última parte da frase, conclusiva, é tão obtusa que me faz sentir vergonha alheia.

Se assim fosse, praticamente todas as horas do dia em que não estamos sentindo dor alguma seriam o certificado de que não temos interesse em viver. Qualquer um poderia nos matar o tempo todo, menos quando estivéssemos no hospital recebendo analgesia ou anestesia. O interesse em viver não depende da presença da dor. Ele é intensificado exatamente pelo contrário: sua ausência. Todos os organismos sencientes buscam o equilíbrio homeostático na frequência da ausência de dor.


E, o termo interesse (conforme já expliquei em Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas) pode ter dois sentidos: alguma coisa é do interesse de alguém, ainda que o sujeito não tenha ciência disso (estar limpo, nutrido e seguro, no caso de um bebê, por exemplo, e de uma planta também), e alguém pode ter interesse em algo (no caso de tudo o que o sujeito acolhe quando tem consciência de seu valor). As plantas podem não “ter interesses” no segundo sentido, como sujeitos conscientes do valor do que preservam, por exemplo, o valor da própria vida, mas, com certeza o têm no primeiro, quer dizer, é do interesse delas estarem vivas. E é tanto o interesse delas em estarem vivas que liberam endorfinas para seguirem ativas na preservação da própria vida. Isso nos diz tudo, do ponto de vista ético.
Boi caído sobre fezes e urina, no caminhão a caminho do navio Nada no Porto de Santos. Foto tirada pelos ativistas em 27 janeiro de 2018.

E, porque não devemos matar as plantas, mesmo que elas não sintam dor, protegidas que estão por liberarem endorfinas, é melhor parar de produzir animais para extração de carnes, leite e ovos, porque esta dieta ‘omnis vorax’ mortal implica na matança de zilhões de plantas, aliás, de florestas inteiras e ecossistemas completos, para produção de bifes, queijos e omeletes. O Cerrado foi destruído para criação de gado. Agora, está a caminho da destruição a Amazônia. A dieta onívora mortal implica na inflição de dor, tormento, sofrimento e morte a bilhões de animais ano após ano, todos sencientes como os humanos. Animastê!

[Sônia T. Felipe é Doutora em Teoria Política e em Filosofia Moral, com pós-doutorado em Bioética – Ética animal. Autora dos livros: Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais; Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas; Galactolatria: mau deleite – implicações éticas, ambientais e nutricionais do consumo de leite bovino; Acertos abolicionistas: a vez dos animais]

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