A humanidade está em movimento. Vivemos em uma era de mobilidade sem precedentes de ideias, dinheiro e, cada vez mais, pessoas.
O simples tamanho da população humana, associado à maneira pela qual consumimos recursos naturais, está transformando profundamente o nosso mundo. Embora nosso modelo econômico baseado em "pegar, fazer, descartar" tenha criado riqueza para centenas de milhões de pessoas em muitos países, ao reduzir significativamente a pobreza mundial, também deixou muitas para trás. Isso expõe decisivamente as gerações futuras a riscos imensos de natureza social, econômica e ambiental. E talvez o risco mais importante venha de enchermos a atmosfera de gases-estufa a uma taxa superior à de qualquer outra época desde 66 milhões de anos.
Um bilhão de pessoas que vivem no mundo de hoje são migrantes, que mudaram para outro lugar dentro dos limites de suas fronteiras nacionais ou fora delas. Fizeram isso devido a uma série de motivos complexos, entre os quais pressão demográfica, falta de oportunidades econômicas, degradação ambiental e novas formas de viagem. Associados, esses fatores estão contribuindo para o deslocamento humano e para a migração desprovida de segurança numa escala sem precedentes. E os níveis de ambos fatores só vão se elevar, na medida em que os efeitos da mudança climática corroem gradualmente os meios de vida de milhões de pessoas.
A mudança climática está fundamentalmente redesenhando o mapa dos lugares em que é possível as pessoas viverem. O abastecimento de alimentos está sendo interrompido na região do Sahel, no norte da África, e na América Central; e o desgaste e a escassez das fontes de água estão se agravando no Norte da África e no Oriente Médio. A Somália, por exemplo, vivencia maior frequência de episódios de seca. O Iraque combate a maior frequência das ondas de calor. Tempestades e inundações sem precedentes devastam o Caribe e o Golfo do México. Na medida em que o anormal se torna o novo normal, episódios de escassez, competições de soma zero (em que, um só ganha se o outro perder) e deslocamentos de massa se tornarão mais comuns.
Mas há boas notícias a divulgar em duas frentes. A primeira é que estamos caminhando a passos largos na consolidação da resistência a condições climáticas extremas. Na década de 1970, Bangladesh perdeu centenas de milhares de pessoas para enchentes violentas. Atualmente, as vítimas fatais de ocorrências desse tipo, embora da mesma forma trágicas, alcançam número muito menor. Estamos nos aprimorando em lidar com catástrofes naturais.
Ao instaurarmos um marco regulatório que favorece a migração segura, regular e ordenada precisamos de dirigentes mundiais perspicazes, dotados de vontade de corrigir um problema que já nos atinge e que foi inteiramente criado por nós
A segunda é que, pela primeira vez na história, a comunidade internacional está se reunindo para erigir um marco regulatório voltado para a gestão da migração internacional. As negociações intergovernamentais começaram em fevereiro deste ano com o objetivo de adotar um Pacto Global sobre Migração Segura, Ordenada e Regular (GCM, nas iniciais em inglês). E, no mês passado, a Assembleia-Geral da ONU concluiu o GCM, os chefes de Estado deverão firmar na conferência de alto nível a realizar-se em dezembro em Marrakesh.
O GMC promete se constituir num marco regulatório sólido para a adoção de medidas voltadas para a migração determinada por condições climáticas. Mas agora precisamos garantir que seja implementado. O GMC representa uma oportunidade única em uma geração de implementar um sistema internacionalmente pactuado de gestão da migração segura e ordenada. Como tal, tem o potencial de melhorar a vida e a perspectiva de dezenas de milhões de pessoas.
Assim que for formalmente adotado, teremos de garantir que o novo marco regulatório maximize os benefícios das viagens e intercâmbios internacionais, além de enfrentar também as preocupações alimentadas por muitas pessoas em torno da migração não regulamentada.
Finalmente, e o mais importante: teremos de fazer todo o possível para reduzir drasticamente as emissões de gases-estufa. Essa é a única maneira de manter a temperatura da Terra no limite dos 2°C em relação aos níveis pré-industriais - o limiar no qual a escalada de circuitos de retroalimentação poderá desencadear a mudança climática desenfreada.
A recente notícia de que a proporção de dióxido de carbono na atmosfera ultrapassa atualmente 410 partes por milhão deve servir como sinal de alerta. Precisamos aumentar nossa eficiência no trato com recursos naturais, por meio da adoção de métodos sustentáveis de consumo e de produção e da mudança estrutural do nosso modelo econômico.
A janela de oportunidade para agir está se fechando rapidamente. A mudança climática e a degradação ambiental estão criando níveis inaceitáveis de insegurança humana. Se nosso meio ambiente for gerido de maneira sustentável, teremos mais chances de manter a dignidade, os direitos e as perspectivas dos migrantes.
Essas duas metas são inseparáveis, e as organizações que dirigimos estão prontas para apoiar os esforços dos governos mundiais para alcançá-las. O ano de 2018 nos coloca diante de uma oportunidade única de pensar e planejar para as décadas futuras, por meio da intensificação da ação voltada tanto para a migração quanto para o meio ambiente.
Ao instaurarmos um marco regulatório que favorece a migração segura, regular e ordenada, temos de capitalizar nossa criatividade para enfrentar suas causas. Acima de tudo, precisamos de dirigentes mundiais perspicazes, dotados de vontade de corrigir um problema que já nos atinge e que foi inteiramente criado por nós. (Tradução de Rachel Warszawski)
Erik Solheim é diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
William Lacy Swing é diretor-geral da Agência das Nações Unidas para as Imigrações.
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