Crianças de povoado cearense de Tomé apresentam malformações relacionadas a agrotóxicos, aponta pesquisa
Por Sumaia Villela, da Radioagência Nacional
O
povoado de Tomé, de cerca de 2,5 mil habitantes, fica no município de
Limoeiro do Norte, no Ceará. É famoso na região. Mas, o motivo não é tão
bom: a comunidade fica encurralada por territórios do agronegócio, e é
conhecida pela contaminação por agrotóxicos. Fato comprovado por
cientistas, segundo a professora de Medicina da Universidade Federal do
Cariri, Ada Pontes, que também faz parte do grupo de pesquisa Tramas, da
Universidade Federal do Ceará.
Sonora: “A
água que via para a comunidade tá contaminada, o ar da comunidade tá
contaminado, já houve processo de intoxicação de escolas, de
trabalhadores, de moradores. Tanto tem muitas pessoas na comunidade que
trabalham nessas empresas, principalmente os homens, como também mesmo
as pessoas que não trabalham, que não manipulam diretamente esses
produtos, elas estão expostas. Algumas casas ficam contíguas às
plantações”
O
grupo Tramas desenvolve estudos em Tomé desde 2007. O último deles
estabeleceu uma relação entre agrotóxicos e a ocorrência de malformações
e puberdade precoce em bebês. Das oito crianças identificadas, 5
nasceram com malformações: ausência de braços e pernas e deformações no
coração. Uma delas morreu. Em outras três meninas as mamas cresceram
antes de um ano de idade.
Para
estabelecer a relação com agrotóxicos, a equipe coletou urina e sangue
dos pais, mães e crianças. Também foram feitos testes na água das casas.
Das 19 amostras de sangue, em 11 foi encontrada uma classe de
agrotóxicos proibida no Brasil há mais de 30 anos, os organoclorados.
Segundo Ada Pontes, a ciência já indica que essas substâncias causam os
problemas de saúde estudados. E eles são bioacumuladores, ou seja, são
armazenados pelo organismo por anos.
Sonora: “Foi
um dado que assustou muito a gente. Porque como é que uma criança de um
ano de idade pode ter organoclorados no sangue, se ela não está sendo
exposta atualmente? Então ou um comércio ilegal desse tipo de substância
ou outra via que seria uma exposição vertical, pelo leite materno”
Na
urina ainda foi encontrado outro tipo de agrotóxico. A maioria das
casas também tinha água contaminada. Além disso, todos os pais trabalham
ou trabalharam com agrotóxico, alguns por 15 anos, conforme Ada. As
mães, nascidas em Tomé, foram contaminadas por meio do ambiente. A
maioria delas prefere não dar entrevistas. Márcia Xavier, de 27 anos, é
exceção. Ela conta como os primeiros sintomas surgiram na filha dela.
Sonora: “Com
um ano e três meses, seis meses, a gente começou a perceber aqui em
casa que a mama dela estava desenvolvendo. O médico disse que realmente
era telarca precoce”
Os sintomas vão e voltam. Márcia afirma que, por orientação médica, adotou uma alimentação restrita para a criança.
Sonora: “As
frutas que eu deixo ela comer é laranja e banana. E a banana que ela
come é a que a minha mãe produz, porque não tem veneno. O leite de gado
eu não deixo ela tomar, eu não deixo ela tomar de maneira nenhuma”
Não
é a primeira vez que Márcia é afetada pelo agrotóxico. Sua história foi
marcada pela morte de José Maria Filho, o Zé Maria de Tomé, assassinado
com 25 tiros em 2010, na comunidade. Ele era uma liderança na luta
contra a pulverização aérea de agrotóxicos na região. É também o pai de
Márcia.
Esse é o outro traço da disputa pelo uso dos chamados defensivos agrícolas: a violência.n EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/08/2018
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