quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Folha de São Paulo - Mudança climática aumenta risco de tempestades de fogo

Folha de São Paulo - Mudança climática aumenta risco de tempestades de fogo

Fenômeno ocorre com umidade baixa, temperatura elevada e ventos fortes

Reinaldo José Lopes
SÃO CARLOS

O aumento de incêndios catastróficos em locais como a Grécia, Portugal e a Califórnia nos últimos anos está longe de ser casual. A combinação entre efeitos das mudanças climáticas e falta de cuidado no manejo de recursos florestais tem tornado várias regiões do planeta mais vulneráveis a esse tipo de evento extremo.

“Tais incêndios descontrolados, que os ecólogos denominam de ‘fire storms’ [tempestades de fogo], ocorrem sob uma combinação rara de umidade do ar muito baixa, temperatura elevada e ventos fortes.

Essa combinação está ocorrendo com maior frequência devido a mudanças climáticas”, resume Giselda Durigan, pesquisadora do Instituto Florestal de São Paulo que estuda a interação entre as plantas do cerrado brasileiro e o fogo.

O aumento de pouco mais de 1 grau Celsius na temperatura média global, registrado em relação ao fim do século 19 e causado majoritariamente pela ação humana (em especial, a queima de combustíveis fósseis), tem causado uma série de efeitos no sistema climático da Terra.

Um dos mais importantes e visíveis é o aumento da probabilidade de situações extremas. Ou seja, dependendo do contexto regional, não apenas faz mais calor, em média, como há mais probabilidade de “pontos fora da curva”: dias de calor recorde, que agora são mais prováveis em 80% da superfície do planeta.

“Esse efeito é particularmente forte nos trópicos, mas também está claro em regiões como o Mediterrâneo [englobando países como Portugal, a Espanha e a Grécia] e a Califórnia”, afirma Noah Diffenbaugh, da Universidade Stanford (EUA).

No território californiano, tem havido um aumento tanto da área queimada anualmente na chamada estação de incêndios quanto uma intensificação das secas, o que leva ao acúmulo de vegetação ressequida.

Isso aumenta o que os especialistas chamam de “aridez de combustível” do ambiente, potencializando ainda mais o avanço do fogo.

“De fato, na Califórnia, os responsáveis pelo monitoramento têm avisado que não existe mais uma ‘estação de incêndios’, como se dizia antes — o risco agora persiste o ano todo”, conta Diffenbaugh.

O estado mais rico dos Estados Unidos é um microcosmo do que está acontecendo em outras partes do mundo. Um estudo coordenado por William Matt Jolly, do Serviço Florestal Americano, publicado na revista científica Nature Communications, mostrou que houve um aumento claro da duração das “estações de incêndios” em cerca de um quarto do globo entre 1979 e 2013.

A proporção da área da Terra coberta por vegetação que é afetada por esses eventos passou de cerca de 10% para 20% nesse período, e há, além disso, uma correlação entre o processo e o aumento do número de dias consecutivos nos quais não chove.

O aumento do risco, porém, não é linear, e sua intensidade pode depender de uma série de fatores mais localizados. “Até certo ponto, secas de longo prazo, que vão além da mera falta de chuva sazonal, podem minimizar esses incêndios porque elas limitam o crescimento das plantas e, portanto, não permitem que muito combustível se acumule”, explica Camille Stevens-Rumann, professora assistente da Universidade do Estado do Colorado.

Por outro lado, alterações climáticas também podem fazer com que ambientes de floresta passem a sofrer uma transição para ecossistemas dominados por capim e arbustos, com plantas potencialmente mais inflamáveis, o que retroalimentaria ainda mais o ciclo do fogo.

Há ainda uma interação paradoxal com a umidade e a neve em climas temperados. Se, como consequência de alterações no clima, a neve derrete mais cedo do que o costume, aumenta a chance de incêndios no verão em lugares como as montanhas Rochosas nos Estados Unidos ou os Andes.

Por outro lado, épocas de muita chuva seguidas por um verão muito seco também são perigosas porque a umidade inicial acumula muito combustível vegetal que, mais tarde, pode pegar fogo de uma vez só — foi o que se deu na Califórnia em 2017.

Um dos jeitos de minimizar isso, de acordo com a pesquisadora Giselda Durigan, é realizar queimas controladas em condições climáticas favoráveis, evitando o acúmulo de combustível.

“Elas não têm sido feitas em todos os lugares onde seria preciso. Isso é decorrente de decisões dos proprietários das terras, já que as queimas, mesmo controladas, são indesejáveis.”

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