terça-feira, 7 de agosto de 2018

Irlanda não vai mais investir em combustíveis fósseis. E nós com isso?


Por G1


Irlanda é um país moderno, foi criado em 1922. Sob regime parlamentar democrata, seus quase cinco milhões de habitantes (mais ou menos um milhão a menos do que a cidade do Rio de Janeiro) vivem sem se preocupar com cheque especial ou dívidas, tampouco com políticos corruptos. Seguem a vida num clima ameno. Estão em oitavo lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, cercados pelo Oceano Atlântico, com o mar Céltico ao Sul. 



E, de uns tempos para cá, este país quase idílico decidiu ocupar espaço nas manchetes. Em maio, o parlamento irlandês chamou a atenção do mundo quando se posicionou a favor do aborto. 


Irlanda aprova legalização do aborto 


Mas um mês antes, quando foi publicado o índice anual de Desempenho de Mudanças Climáticas em 2018, a Irlanda ficou em último lugar entre os estados membros da União Europeia no quesito emissões de gases poluentes. A notícia fez barulho entre os ambientalistas, até porque, com o tamanho que a Irlanda tem - e a população que tem - era de se esperar que o país conseguisse tomar mais cuidados para tentar evitar tanto impacto ao meio ambiente. 

Aparentemente, as críticas surtiram efeito. Porque na quinta-feira (12), a Irlanda tomou uma atitude que está sendo considerada histórica: decidiu desinvestir em combustíveis fósseis, com a aprovação de uma lei que exige que o fundo soberano do país , avaliado em 8,9 bilhões de euros, ou cerca de US $ 10,4 bilhões, se afaste deles “assim que for possível”. O rascunho original do texto estabelecia um limite, de cinco anos, mas depois se decidiu torná-lo mais flexível. E o projeto agora vai para o Senado. 

Segundo artigo de Somini Sengupta no “The New York Times” , um assessor de Thomas Pringle, o parlamentar que propôs a medida, disse que o projeto tem o apoio do primeiro-ministro Leo Varadkar e deve se tornar lei. Quando isso acontecer, a Irlanda se tornará o primeiro país a se comprometer formalmente a se desfazer dos combustíveis fósseis. Bom lembrar que Nova York já tomou esta atitude no ano passado, mas é a primeira vez que um país age assim. 

A iniciativa irlandesa pode abrir as portas para outros pequenos países que também queiram fazer história, e vai seguir exemplos que já estão começando a se alastrar no sentido de reduzir a dependência da humanidade ao óleo. Este mês, ainda segundo a reportagem do “NYT”, a Igreja da Inglaterra votou a favor de vender seus ativos em empresas de combustíveis fósseis que não “alinharam seus planos de investimento de negócios com o Acordo de Paris" para reduzir o aquecimento global. E, apenas alguns dias antes, o papa Francisco convocara os chefes de algumas das maiores companhias petrolíferas do mundo, convidando-os de maneira enérgica a reduzir a produção do combustível fóssil e, assim, contribuir para equilibrar um pouco mais o clima no mundo , evitando as catástrofes ambientais. 

Conseguido depois de um longo processo de negociação multilateral, o Acordo de Paris, assinado durante a Conferência das Partes sobre o Clima (COP-21) em 2015 prevê, exatamente, iniciativas como a da Irlanda. E, levando em conta que foi assinado e ratificado pelas 196 Nações Unidas, é até de se admirar que outros já não tenham tomado a mesma atitude. Vale informar que o Brasil é o sétimo maior emissor de gases-estufa do mundo, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg)

Mas, vamos voltar a falar sobre o bom exemplo. A partir de agora, depois do anúncio, a Irlanda vai conviver não só com os aplausos dos ambientalistas. Tem uma turma que já está se preparando para mostrar que nem tudo serão flores neste caminho do desinvestimento em combustíveis fósseis. Vai ser preciso alcançar a “página dois” e, neste momento, os operários que trabalham em companhias de petróleo estão bem ali na frente, para lembrar que vai ser preciso muito mais do que fazer um anúncio, ser ovacionada e bem recebida na próxima Conferência do Clima. 

Parar de investir em petróleo requer uma mudança profunda. Há muitos irlandeses, por exemplo, que decidiram atravessar o Atlântico para se estabelecer em Edmonton, Alberta, no Canadá, para trabalhar com petróleo. E, se as notícias de seu país dão conta de uma revisão para baixo na atividade que escolheram, o que estão ouvindo lá, onde hoje ganham seu sustento, é o contrário. Depois de anos de resultados negativos ou escassos, a melhora nos preços do petróleo está esquentando o setor de energia canadense. E, justamente agora... 

Martyn Doyle, presidente da Irish Sports & Social Society, em Edmonton, no Canadá, foi um dos milhares de imigrantes que deixou a Irlanda para tentar a vida nas terras canadenses. E se deu bem. Sobre a notícia que chega agora de seu país, Doyle duvida que os parlamentares estejam, realmente, falando a sério: 

“Eu acho que eles estão apenas tentando ter uma boa imagem. Não acho que estejem realmente pensando direito”, disse ele à reportagem do “The Star Edmonton”

O jornal abordou a questão de forma lúcida. Porque, de verdade, no bojo de uma decisão tão séria, de tirar dinheiro da indústria de petróleo, é preciso ter um debate adulto sobre as consequências disso, e como se deve fazer para evitar um cenário muito ruim, de desemprego em massa. Como Doyle, outro irlandês que se radicou na Irlanda, Pat Larkin, também entrevistado para a reportagem do “The Star”, lembra que é preciso “fazer a coisa de maneira certa”. 

“A Irlanda pode lucrar com reservas de petróleo offshore, ela precisa gerar emprego. Todos viram o que aconteceu quando o colapso ocorreu há alguns anos - centenas de milhares de pessoas desempregadas", disse ele, referindo-se à recessão em Alberta, depois que os preços do petróleo caíram em 2014. 

E caímos, assim, na aparentemente interminável discussão sobre o desenvolvimento versus a proteção de pessoas que já são vítimas dos desastres causados pelos eventos extremos da natureza. Se o país precisa do petróleo ainda para aquecer e cozinhar, está claro que as mudanças precisam começar daí. Por outro lado, não se pode negar o impacto social e econômico que o desemprego dos trabalhadores dessa indústria pode causar. 

Para quem, como eu e outros tantos, há tempos vem seguindo as notícias sobre a luta da humanidade para dar conta de viver no planeta sem causar tanta tormenta ao meio que nos cerca, a atitude da Irlanda é, sim, de se comemorar. Porque traz holofotes para um debate que precisa ser posto na mesa, inclusive, dos políticos que querem se eleger. É preciso cobrar deles, agora muito mais do que antes e muito menos do que depois, um olhar e políticas conscientes para a questão. Não se pode deixar isso para amanhã. 

Amélia Gonzalez  (Foto: Arte/G1)
Amélia Gonzalez (Foto: Arte/G1)

 


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