Por G1
Irlanda é
um país moderno, foi criado em 1922. Sob regime parlamentar democrata, seus
quase cinco milhões de habitantes (mais ou menos um milhão a menos do que a
cidade do Rio de Janeiro) vivem sem se preocupar com cheque especial ou
dívidas, tampouco com políticos corruptos. Seguem a vida num clima ameno. Estão
em oitavo lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, cercados pelo Oceano
Atlântico, com o mar Céltico ao Sul.
E, de uns
tempos para cá, este país quase idílico decidiu ocupar espaço nas manchetes. Em
maio, o parlamento irlandês chamou a atenção do mundo quando se posicionou a
favor do aborto.
Irlanda
aprova legalização do aborto
Mas um mês
antes, quando foi publicado o índice anual de Desempenho de Mudanças Climáticas
em 2018, a Irlanda ficou em último lugar entre os estados membros da União
Europeia no quesito emissões de gases poluentes. A notícia fez barulho entre os
ambientalistas, até porque, com o tamanho que a Irlanda tem - e a população que
tem - era de se esperar que o país conseguisse tomar mais cuidados para tentar
evitar tanto impacto ao meio ambiente.
Aparentemente,
as críticas surtiram efeito. Porque na quinta-feira (12), a Irlanda
tomou uma atitude que está sendo considerada histórica: decidiu desinvestir em
combustíveis fósseis, com a aprovação de uma lei que exige que o fundo soberano
do país , avaliado em 8,9 bilhões de euros, ou cerca de US $ 10,4 bilhões, se
afaste deles “assim que for possível”. O rascunho original do texto estabelecia
um limite, de cinco anos, mas depois se decidiu torná-lo mais flexível. E o
projeto agora vai para o Senado.
Segundo artigo de
Somini Sengupta no “The New York Times” , um assessor de Thomas Pringle, o parlamentar
que propôs a medida, disse que o projeto tem o apoio do primeiro-ministro Leo
Varadkar e deve se tornar lei. Quando isso acontecer, a Irlanda se tornará o
primeiro país a se comprometer formalmente a se desfazer dos combustíveis
fósseis. Bom lembrar que Nova York já tomou esta
atitude no ano passado, mas é a primeira vez que um país age assim.
A
iniciativa irlandesa pode abrir as portas para outros pequenos países que
também queiram fazer história, e vai seguir exemplos que já estão começando a
se alastrar no sentido de reduzir a dependência da humanidade ao óleo. Este
mês, ainda segundo a reportagem do “NYT”, a Igreja da Inglaterra votou a favor
de vender seus ativos em empresas de combustíveis fósseis que não “alinharam
seus planos de investimento de negócios com o Acordo de Paris" para
reduzir o aquecimento global. E, apenas alguns dias antes, o papa Francisco
convocara os chefes de algumas das maiores companhias petrolíferas do mundo,
convidando-os de maneira enérgica a reduzir a produção do combustível fóssil e,
assim, contribuir para equilibrar um
pouco mais o clima no mundo , evitando as catástrofes ambientais.
Conseguido
depois de um longo processo de negociação multilateral, o Acordo de Paris,
assinado durante a Conferência das Partes sobre o Clima (COP-21) em 2015 prevê,
exatamente, iniciativas como a da Irlanda. E, levando em conta que foi assinado
e ratificado pelas 196 Nações Unidas, é até de se admirar que outros já não tenham
tomado a mesma atitude. Vale informar que o Brasil é o sétimo maior emissor de
gases-estufa do mundo, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões
de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg).
Mas, vamos
voltar a falar sobre o bom exemplo. A partir de agora, depois do anúncio, a
Irlanda vai conviver não só com os aplausos dos ambientalistas. Tem uma turma
que já está se preparando para mostrar que nem tudo serão flores neste caminho
do desinvestimento em combustíveis fósseis. Vai ser preciso alcançar a “página
dois” e, neste momento, os operários que trabalham em companhias de petróleo
estão bem ali na frente, para lembrar que vai ser preciso muito mais do que
fazer um anúncio, ser ovacionada e bem recebida na próxima Conferência do
Clima.
Parar de
investir em petróleo requer uma mudança profunda. Há muitos irlandeses, por
exemplo, que decidiram atravessar o Atlântico para se estabelecer em Edmonton,
Alberta, no Canadá, para trabalhar com petróleo. E, se as notícias de seu país
dão conta de uma revisão para baixo na atividade que escolheram, o que estão
ouvindo lá, onde hoje ganham seu sustento, é o contrário. Depois de anos de
resultados negativos ou escassos, a melhora nos preços do petróleo está
esquentando o setor de energia canadense. E, justamente agora...
Martyn
Doyle, presidente da Irish Sports & Social Society, em Edmonton, no Canadá,
foi um dos milhares de imigrantes que deixou a Irlanda para tentar a vida nas
terras canadenses. E se deu bem. Sobre a notícia que chega agora de seu país,
Doyle duvida que os parlamentares estejam, realmente, falando a sério:
“Eu acho
que eles estão apenas tentando ter uma boa imagem. Não acho que estejem
realmente pensando direito”, disse ele à reportagem do “The Star
Edmonton” .
O jornal
abordou a questão de forma lúcida. Porque, de verdade, no bojo de uma decisão
tão séria, de tirar dinheiro da indústria de petróleo, é preciso ter um debate
adulto sobre as consequências disso, e como se deve fazer para evitar um
cenário muito ruim, de desemprego em massa. Como Doyle, outro irlandês que se
radicou na Irlanda, Pat Larkin, também entrevistado para a reportagem do “The
Star”, lembra que é preciso “fazer a coisa de maneira certa”.
“A Irlanda
pode lucrar com reservas de petróleo offshore, ela precisa gerar emprego. Todos
viram o que aconteceu quando o colapso ocorreu há alguns anos - centenas de
milhares de pessoas desempregadas", disse ele, referindo-se à recessão em
Alberta, depois que os preços do petróleo caíram em 2014.
E caímos,
assim, na aparentemente interminável discussão sobre o desenvolvimento versus a
proteção de pessoas que já são vítimas dos desastres causados pelos eventos
extremos da natureza. Se o país precisa do petróleo ainda para aquecer e cozinhar,
está claro que as mudanças precisam começar daí. Por outro lado, não se pode
negar o impacto social e econômico que o desemprego dos trabalhadores dessa
indústria pode causar.
Para quem,
como eu e outros tantos, há tempos vem seguindo as notícias sobre a luta da
humanidade para dar conta de viver no planeta sem causar tanta tormenta ao meio
que nos cerca, a atitude da Irlanda é, sim, de se comemorar. Porque traz
holofotes para um debate que precisa ser posto na mesa, inclusive, dos
políticos que querem se eleger. É preciso cobrar deles, agora muito mais do que
antes e muito menos do que depois, um olhar e políticas conscientes para a
questão. Não se pode deixar isso para amanhã.
Amélia
Gonzalez (Foto: Arte/G1)
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