terça-feira, 7 de agosto de 2018

Valor Econômico - Somos todos refugiados do clima/ Artigo/ Jeffrey D. Sachs

MEIO AMBIENTE E ENERGIA



Os seres humanos contemporâneos, nascidos em uma era climática chamada Holoceno, cruzaram o limite e ingressaram em outra, o Antropoceno. Mas, em vez de um Moisés que guia a humanidade a essa vastidão perigosa, um grupo de negadores da ciência e de poluidores desencaminha a humanidade e a leva para um perigo cada vez maior. Somos todos refugiados do clima agora e temos de traçar um caminho rumo à segurança.

O Holoceno foi a era geológica iniciada mais de 10.000 anos atrás, com condições climáticas favoráveis que respaldaram a civilização humana tal como a conhecemos. O Antropoceno é uma nova era geológica com condições ambientais jamais vivenciadas pela humanidade. De maneira alarmante, a temperatura da Terra está atualmente mais elevada do que durante o Holoceno, devido ao dióxido de carbono emitido pela humanidade na atmosfera por meio da combustão de carvão, petróleo e gás e da transformação indiscriminada das florestas e pradarias do mundo em fazendas e pastos.

As pessoas estão sofrendo e morrendo no novo ambiente, e coisas muito piores estão por vir. Estima-se que o furacão Maria tenha custado mais de 4 mil vidas em Porto Rico em setembro passado. Grandes tempestades estão causando mais inundações, devido ao aumento da transferência de calor das águas, em processo de aquecimento, dos oceanos, da maior umidade do ar.

Ainda no mês passado, mais de 90 pessoas morreram na periferia de Atenas em decorrência de um devastador incêndio florestal estimulado pela seca e pelas altas temperaturas. Enormes incêndios florestais assolam, de maneira semelhante, outros lugares quentes e recém-atingidos pela seca, como a Califórnia, a Suécia, o Reino Unido e a Austrália. No ano passado, foi Portugal que foi devastado. Neste verão do hemisfério Norte, alcançou-se muitas altas recordes das temperaturas no mundo inteiro.

Como foi temerária a humanidade ao ter cruzado apressadamente o limite do Holoceno, ignorando - como um personagem de filme de terror - todos os evidentes sinais de alerta! Em 1972, os governos mundiais se reuniram em Estocolmo para abordar as crescentes ameaças de ordem ambiental. Nos dias que precederam a conferência, o Clube de Roma publicou "Os Limites ao Crescimento", que introduziu, pela primeira vez, a ideia de uma trajetória de crescimento "sustentável" e os riscos de ultrapassarmos os limites ambientais. Vinte anos depois, os sinais de alerta se acenderam com toda a força no Rio de Janeiro, onde os países-membros da ONU se reuniram na Cúpula da Terra para adotar o conceito de "desenvolvimento sustentável" e para firmar três grandes acordos ambientais de deter o aquecimento global de indução humana, proteger a diversidade biológica e conter a degradação do solo e a desertificação.

Uma grande maioria da população americana quer combater o aquecimento global. Mas, enquanto uma elite tacanha e ignorante condenar os americanos e o resto da humanidade a vagar ao léu no deserto político, o mais provável é que acabemos numa terra devastada

Depois de 1992, os Estados Unidos, o país mais poderoso do mundo, ignorou acintosamente os três novos tratados, sinalizando para outros países que eles poderiam relaxar seus esforços também. O Senado dos EUA ratificou os tratados climáticos e de desertificação, mas nada fez para implementá-los. E recusou-se até mesmo a ratificar o tratado de proteção à diversidade biológica, em parte porque republicanos dos Estados do oeste insistiram que os proprietários de terras têm o direito de fazer o que bem entendem em sua propriedade, sem ingerência internacional.

E o presidente Donald Trump declarou sua intenção de retirar os EUA do Acordo de Paris no momento mais próximo possível, 2020, dois anos após o acordo ter entrado em vigor.

Piores coisas virão. A elevação do CO2, causada pela humanidade, ainda não alcançou seu pleno efeito de aquecimento, devido à considerável defasagem de seu impacto sobre as temperaturas dos oceanos. Ainda há mais 0,5° Celsius, aproximadamente, de aquecimento a ocorrer nas próximas décadas, com base na atual concentração de CO2 (408 partes por milhão) na atmosfera, e muito mais aquecimento para além disso caso as concentrações de CO2 continuem a disparar com a manutenção da habitual queima de combustíveis fósseis.

Assim, por que a humanidade continua a disparar, tolamente, em direção à tragédia certa?

O principal motivo disso é o fato de nossas instituições políticas e corporações gigantescas ignorarem teimosamente os crescentes perigos e danos. O que importa na política é obter e manter o poder e as vantagens do cargo, e não resolver problemas, nem que sejam problemas ambientais de vida ou morte. O que importa na gestão de uma grande empresa é maximizar seu valor para os acionistas.

Trump é o mais recente tolo a fazer o que os poluidores mandam, estimulado por parlamentares republicanos que financiam suas campanhas com contribuições de criminosos ambientais..

Precisamos de um novo tipo de política que comece com uma clara meta mundial: segurança ambiental para a população do planeta, por meio do cumprimento do acordo climático de Paris.

Uma política desse tipo é possível. Na verdade, a opinião pública anseia por ela. Uma grande maioria da população americana, por exemplo, quer combater o aquecimento global, cumprir o Acordo de Paris e abraçar a energia renovável. Mas, enquanto uma elite tacanha e ignorante condenar os americanos e o resto da humanidade a vagar ao léu no deserto político, o mais provável é que acabemos numa terra devastada da qual não haverá saída. (Tradução de Rachel Warszawski)

Jeffrey D. Sachs é professor de Desenvolvimento Sustentável, de Política e Gestão de Saúde e diretor do Instituto da Terra da Universidade de Columbia. É também diretor da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU. Copyright: Project Syndicate, 2018.

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