Florestas sob medida
Projetos colocados em prática em São Paulo mostram que é possível
dotar de cobertura florestal até mesmo espaços de 15 metros quadrados –
uma ótima opção para metrópoles em que o cimento e o asfalto predominam

A Floresta de Bolso é uma técnica natural de restauração da Mata Atlântica criada e desenvolvida pelo botânico e paisagista Ricardo Cardim. O espaçamento e a composição buscam respeitar a dinâmica original das florestas nativas, o que propicia crescimento mais rápido, menor índice de perdas, baixo consumo de água e manutenção mais simples. Essa mata pode ser implantada em espaços a partir de 15m2 ou em grandes áreas em projetos de restauração florestal.
São Paulo é um bom exemplo de como a floresta nativa original foi devastada. O município ainda tem reservas de Mata Atlântica nos extremos norte e sul (serras da Cantareira e do Mar), mas quase nada no seu miolo, dominado por concreto e asfalto. Originariamente, apenas os parques Trianon e Volpi tinham Mata Atlântica. Daí a ideia de se fazerem minibolsões semelhantes e recuperar parte da floresta perdida.
Fascinado por árvores desde criança, Cardim viu que nas praças e parques de São Paulo predominavam espécies exóticas. Seu interesse foi aumentando a ponto de, em 1992, começar a estudar a fundo as capoeiras (florestas em crescimento em áreas desmatadas), avaliando quantidade de árvores por metro quadrado, quais espécies ocorriam ao lado de quais, taxa de crescimento e outras variáveis importantes.
Replicação
A partir das observações, o botânico concluiu que, devido à competição por espaço, luz e água, as árvores da mata tropical crescem muito rapidamente, cerca de seis metros em dois anos, e quase sem manutenção. E percebeu que isso poderia ser replicado em várias escalas, desde que se seguissem algumas regras de plantio e manejo.
Outras conquistas foram oito Florestas de Bolso em espaços públicos. A primeira foi desenvolvida no bairro da Vila Olímpia, na capital paulista, com o plantio de 83 mudas de 40 espécies diferentes em um canteiro público degradado. Depois vieram os parques Ibirapuera, Cândido Portinari e Villa-Lobos. Em maio e dezembro de 2017, duas áreas verdes usadas como depósito de lixo atrás da igreja de Pinheiros se transformaram em Mata Atlântica e numa nova praça com 60 mudas de araucárias (o pinheiro nativo brasileiro), em homenagem ao nome do bairro.
“As empresas, as ONGs e o governo já entenderam a importância do nosso trabalho e hoje contamos com grande incentivo, inclusive da população de São Paulo, que nos apoia trabalhando em mutirão e comprando mudas, oriundas de viveiros especializados”, afirma Cardim. Ele ressalta a importância de um projeto na escola Castanheiras, em Alphaville (bairro de Barueri, na Grande São Paulo), que recebeu uma Floresta de Bolso com 100 árvores de 60 espécies e um pomar indígena com 20 espécies frutíferas nativas raras.
A ideia é tornar essa iniciativa um laboratório de ensino sobre a biodiversidade brasileira e sua importância. “Com essas ações, queremos aumentar o número de Florestas de Bolso e resgatar a Mata Atlântica no cotidiano da população, mostrando que todos podem conviver em harmonia com a natureza ancestral e ganhar com isso”, diz Cardim.
Plantador missionário
O Parque Linear Tiquatira, na zona leste paulistana, é um corredor verde com 4km de extensão, formado por mais de 23 mil árvores de 150 espécies, na maior parte de Mata Atlântica. Desse total, a maioria foi plantada por um único homem ao longo de 15 anos: o empresário Hélio Silva.
Não foi fácil. De cada dez mudas que plantava, oito eram arrancadas por vândalos e comerciantes, temerosos de que as árvores ocultassem seus estabelecimentos. Mas Silva persistiu e, aos poucos, o verde tomou conta da paisagem e ganhou a simpatia dos moradores.
Em 2008, quando o local já contava com 5 mil árvores, o poder público criou ali o parque Tiquatira, o primeiro da capital com o título de linear, ao longo de cursos d’água. Silva hoje é membro do Conselho Gestor de Arborização da Cidade de São Paulo, ligado à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Dá palestras sobre seu projeto em escolas e faculdades e prepara um livro sobre o tema.
Silva sempre pretendeu arborizar o local com espécies da Mata Atlântica. O parque conta com 90% de árvores nativas e outras plantadas para atrair pássaros, como a calabura, originária das Américas e com fruto muito doce. Uma de cada 12 árvores plantadas é de frutíferas silvestres, como pitangas, araçás, jatobás e acerolas. O mesmo procedimento foi adotado no Piscinão do Metrô Penha, também na zona leste, onde 3.200 árvores tornaram o terreno uma área agradável e frequentada pela população local.
“Hoje, as pessoas se maravilham com essas iniciativas e se oferecem para ajudar”, afirma Silva. “O Parque Tiquatira recebe mais de 2 mil visitantes por fim de semana. Há três anos conto com o auxílio de duas pessoas apaixonadas pelo tema. As crianças ficam motivadas; sempre as convido a plantar comigo e dou o nome de cada uma delas à muda que plantou. Elas se comprometem a cuidar e adotam a árvore para sempre, o que me dá muita alegria.”
Ele pretende plantar 50 mil árvores até seu último dia de vida. “Já estamos procurando novas áreas e ruas para arborização, com o auxílio das autoridades responsáveis”, ressalta. “Nossa prioridade sempre será a de recuperar áreas degradadas, trazendo o verde de volta para a população. A natureza é generosa e nos agracia com coisas belas que passam despercebidas no dia a dia”.
As cidades mais arborizadas do mundo

Goiânia é a cidade mais arborizada do Brasil, segundo um censo de 2010 do IBGE, com 89,5% de arborização. A capital goiana é repleta de árvores como ipês, flamboyants, palmeiras-imperiais e mongubas, espécie típica do Cerrado. Goiânia conta com o projeto voluntário Plante a Vida, que já plantou mais de 1 milhão de mudas de espécies nativas da região. Atrás de Goiânia no quesito arborização vêm Campinas, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba.
Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), divulgado este ano, apresentou um novo algoritmo que processa imagens do Google Street View. Intitulado Treepedia, o estudo gera mapas de vegetação que, combinados com outros dados, geram o Green View Index (GVI). Segundo o índice, a líder em arborização no mundo é Singapura, com GVI 29,3%. Confira na tabela quem ocupa as dez primeiras colocações.

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