Viajar é muito bom! Mas o turismo precisa fazer bem tanto para
quem visita quanto para quem é visitado. Entenda como você pode deixar
uma marca positiva por onde passa
Esqueça aquelas viagens em que tudo se passa pela janela do
ônibus. O melhor upgrade que você pode dar às suas férias envolve
turismo ativo, que interage com a população local, conhece os costumes
da região, movimenta a economia do destino visitado e permite que você
renove sua bagagem cultural. Embarque nessa ideia, chamada mundo afora
de turismo responsável.
“Fazer lugares melhores para as pessoas viverem e para as pessoas
visitarem” é a missão do turismo responsável. Para isso, é preciso que
operadores de turismo, hotéis, governos, população local e cada turista
tomem para si a responsabilidade de fazer um turismo mais sustentável,
que impacte o destino da forma mais positiva possível.
Navio de cruzeiro em Veneza, uma das origens do excesso de turistas que abarrota a cidade (Foto: iStockphotos)
“É responsabilidade tanto de quem está oferecendo o serviço ou
produto quanto de quem está consumindo. O turista precisa ser um
consumidor consciente. Suas escolhas e atitudes vão fazer toda a
diferença no destino visitado”, afirma Paula Arantes, coordenadora do
Fórum Interamericano de Turismo Sustentável (Fits) – evento paralelo à
Adventure Sports Fair – e responsável por projetos e prospecção de
parcerias na ONG Garupa.
Não importa se o destino é uma praia paradisíaca, a floresta, o campo
ou uma grande cidade. Também independe de estilo – luxo, econômico,
aventureiro ou outra alternativa. A sustentabilidade abrange tanto o
pilar ambiental como o sociocultural e o econômico – todos com a mesma
importância.
Pichação antituristas em rua de Barcelona (Foto: iStockphotos)
“Na área de alimentação e da moda, por exemplo, a proposta do consumo
mais sustentável já está mais clara, mas no setor de viagens ainda
não”, afirma Ana Duék, jornalista criadora do blog Viajar Verde e
embaixadora do Green Destinations. Segundo ela, o Brasil ainda está na
fase da quantidade, de lotar os destinos, porque as pessoas estão
descobrindo que podem viajar.
No exterior, sobretudo na Europa, já existe uma compreensão melhor
das consequências do turismo de massa – e até já surgiu o ódio ao
excesso de turistas (a “turismofobia”). Preferem-se visitantes que
cuidem do destino e respeitem a cultura local, porque está provado que
sai mais caro reverter o estrago causado pelo turismo descontrolado.
Drama veneziano.
Mulher maia prepara um prato típico da região para turistas, em sua casa em Zinacantán (México) (Foto: iStockphotos)
Veneza é um exemplo do impacto negativo extremo que a atividade
turística pode causar na vida de uma comunidade. Nos últimos 30 anos, a
cidade italiana perdeu mais de 50% dos seus moradores, devido à
especulação imobiliária, aos preços praticados no comércio e à
superlotação que inviabiliza o cotidiano.
Os cerca de 55 mil habitantes atuais recebem 30 milhões de visitantes
por ano – a maioria vinda de navios de cruzeiro gigantes, que ameaçam
as estruturas da cidade. A beleza veneziana permanece nas fachadas
vistas dos canais. Mas a cidade hoje é mais cenográfica – a riqueza
humana que habitava ali foi esvaziada.
Duas
imagens (confira também a foto abaixo) das aulas de cerâmica dadas por
artesãs do Vale do Jequitinhonha (MG) a visitantes (Foto: Divulgação)
Para evitar consequências como essas, está surgindo o chamado
“turismo de base comunitária”, desenvolvido a partir dos desejos da
comunidade local. “Não chegamos lá dizendo o que fazer. Ajudamos a
desenhar o que eles querem. E nos tornamos um parceiro de
comercialização do plano que eles decidirem oferecer”, explica Marianne
Costa, turismóloga e fundadora da agência Vivejar.Nesses casos, é fundamental que a atividade de receber visitantes
seja conciliada com tradições e costumes daquela população e traga uma
fonte a mais de renda para a identidade cultural ser mantida. Os
roteiros da Vivejar oferecem aos turistas a possibilidade de vivenciar o
dia a dia de uma comunidade tradicional da forma mais autêntica
possível.
(Foto: Divulgação)
No roteiro “Do barro à arte”, desenvolvido no Vale do Jequitinhonha
(MG), por exemplo, os visitantes se hospedam em casa de família,
aprendem a fazer a cerâmica que caracteriza a comunidade (tradição
passada de mãe para filha) e têm a oportunidade de ouvir as histórias
daquela gente. “No turismo sustentável, o olhar é apreciativo. O Vale é
economicamente muito pobre, mas a visita mostra como essas mulheres são
criativas, quanto podem fazer com muito pouco. É uma questão de respeito
e de resgate de valores.”
Troca justa
Marianne frisa que é preciso questionar toda proposta de turismo
comunitário para se descobrir se ela de fato pretende deixar uma marca
positiva no visitante e no visitado. No caso de um passeio a favelas
cariocas: ele está incentivando uma relação respeitosa entre turista e
comunidade? Os turistas são estimulados a sair do carro, interagir com
os moradores e deixar renda no local? Ou estão vendo a pobreza como algo
bizarro, com um olhar depreciativo?
Resort de luxo nas Maldivas, país que depende fortemente do turismo e é vulnerável ao aquecimento global (Foto: iStockphotos)
“A gente ainda está educando o mercado. Eu brinco, para simplificar,
que somos os orgânicos das viagens, só que dez anos atrás, quando as
pessoas ainda se perguntavam ‘O que é isso?’, ‘Faz bem?’, ‘Por que vou
pagar três vezes mais?’”, afirma a turismóloga. A analogia facilita o
entendimento, mas as pessoas só percebem que o valor é justificado
depois de vivenciarem essa proposta. “O benefício de experimentar uma
viagem com mais significado é intangível, difícil de calcular na ponta
do lápis”, afirma.
O turismo de massa – convencional, passivo e sazonal – sem dúvida é
mais barato. A lei desse mercado é pagar o mínimo e ter ganho de escala
para gerar mais lucro a quem está intermediando a viagem. Nessa relação,
o cliente é quem mais perde. No fim, fica a sensação de que até se viu
algo interessante, mas não deu para sentir o espírito do lugar.
Rua
da favela do Vidigal, no Rio de Janeiro: deve-se visitar locais como
esse com o cuidado e o olhar apreciativo do turismo responsável (Foto:
iStockphotos)
Viver causa impacto, mas é possível escolher que marca você deixará
nos lugares visitados. A contribuição de cada um é importante. Afinal,
apenas em 2017, desembarcaram em destinos internacionais 1,3 milhão de
turistas, segundo dados da Organização Mundial do Turismo. Isso sem
contar as viagens dentro de cada país. E o número de viajantes deve
continuar a crescer. Em 1950 houve 25 milhões de chegadas
internacionais, número que em 1980 subiu para 674 milhões.
A indústria do turismo gera hoje um de cada 10 empregos no planeta.
Segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), em 2017 ela
movimentou US$ 8,3 trilhões, ou 10,4% do produto interno bruto mundial.
A aviação é a responsável pelo maior volume de emissões de gases do efeito estufa da indústria turística (Foto: iStockphotos)
Pelo mais recente levantamento, o setor de turismo emite 8% dos gases
de efeito estufa do mundo, bem acima dos 3% de cálculos anteriores. O
estudo, divulgado em maio pela revista “Nature Climate Change”, foi
feito pela Universidade de Sydney (Austrália) e envolveu dados de 160
países, de 2009 a 2013. Ele contabilizou todo o ciclo de vida do setor
de viagens: funcionamento de hotéis, produção da alimentação e até de
suvenires e, claro, emissões dos voos (principal emissor).
Paraísos sob ameaça
Ilhas pequenas e paradisíacas, como Maldivas e Seychelles, vivem um
grande dilema: principal indústria local, o turismo responde por até 80%
das emissões anuais (na medição de emissões per capita), mas essas
terras são as mais vulneráveis aos efeitos da elevação dos mares causada
pela mudança climática.
Por
causa das tarifas de bagagens, brasileiros estão aprendendo a viajar
carregando menos peso, de modo mais sustentável (Foto: iStockphotos)
Além disso, tais destinos não usufruem da renda gerada com o turista.
Como estão dominados por cadeias internacionais – sobretudo em
hotelaria e alimentação –, os empregos oferecidos para a população são
de baixa hierarquia, os insumos são comprados no exterior (porque a
culinária e as cortesias são internacionais) e os turistas não são
estimulados a conhecer sabores, costumes e a realidade local. Além
disso, grande parte do que os hóspedes pagam é remetida para as sedes
das empresas, no exterior.
Diante disso, a ONU declarou 2017 o Ano do Turismo Sustentável para o
Desenvolvimento, o que estimulou debates e iniciativas nesse sentido
mundo afora. Para o brasileiro, que costuma atrelar sustentabilidade
apenas a questões ambientais, esse movimento representou uma bela
oportunidade de expandir horizontes. “O enfoque da ONU foi muito mais
social: promoção da cultura de paz, geração de empregos, fomentação da
tolerância por meio da diversidade e do conhecimento de outras
culturas”, destaca Paula, da Fits.
Outra decisão de 2017 que trouxe avanços no comportamento dos
turistas brasileiros foi a imposição de limites restritos de bagagem nos
voos. “Agora, para economizarem na tarifa, começaram a viajar mais
leves – o que é muito sustentável, porque quanto menos peso
transportado, menor a emissão do avião”, explica Paula. Ela lamenta que
poucas companhias aéreas trabalhem de modo consistente na compensação de
carbono e que as falcatruas no uso das verbas destinadas à compensação
tenham desestimulado muitas iniciativas.
Separar joio e trigo
As armações e o marketing falso são práticas comuns também no setor
do turismo e da sustentabilidade. Para ajudar a separar o joio do trigo e
livrar o turista de furadas, há premiações, selos, certificações e
sites que reúnem propostas realmente responsáveis e éticas (veja quadro
na página ao lado). Mas Paula lembra que sustentabilidade depende de uma
melhoria contínua, não é uma fotografia de um único momento.
Por isso, a norma de certificação sustentável para hotéis ISO 21401,
concluída em maio e inspirada na norma brasileira, é um programa de
gestão e prevê um monitoramento permanente. O objetivo é ajudar as
empresas de hospedagem a serem mais competitivas (gerando economia e
eficiência na operação), mais justas socialmente, impactarem menos o
meio ambiente e melhorarem a experiência dos hóspedes. “Ser sustentável é
uma abordagem nova e moderna para os negócios”, afirma Alexandre
Garrido, líder do processo de criação da norma (conheça mais sobre ela
no quadro da página ao lado).
Exposição
de suvenires, um dos itens do cálculo de emissões de gases-estufa do
turismo, em rua de Tbilisi (Geórgia) (Foto: iStockphotos)
Para Betina Neves, editora do blog Carpe Mundi, especializado em
viagem, o maior movimento de turismo responsável acontece na hotelaria,
sobretudo em redes consagradas. Nas suas escapadas pelo mundo, ela
procura viajar sempre de forma ética e responsável. “Mas vivo em
constante conflito. Há muita coisa obscura, às vezes não dá para saber o
que você está consumindo.”
O maior dilema de Betina é com os animais. Ela evita ao máximo
atrações que exploram bichos presos. “Eu me pergunto se é justo manter
alguns exemplares em cativeiro em benefício de outros, mesmo no Projeto
Tamar, que faz um belo trabalho de preservação das tartarugas. É muito
polêmico”, avalia.
“É uma via de mão dupla. A gente precisa que os empreendedores deem o
bom exemplo. Mas a iniciativa também pode partir do turista”, reflete
Paula, da Fits. Quando os negócios percebem uma demanda, procuram se
adaptar. Quando uma pessoa vinda de fora se encontra em um ambiente
diferente, aprende com a experiência. E pode levar aquela prática para
sua vida cotidiana. “O momento da viagem é de muita aprendizagem. Um
público consciente não nasce pronto. É questão de amadurecimento.”
Manual do turista responsável iniciante
Casal
de turistas usa gestos da cultura local para se comunicar com motorista
de tuk-tuk em Bangcoc, na Tailândia (Foto: iStockphotos)
• Procure deixar seu dinheiro no lugar visitado, por meio da hospedagem, dos passeios e das compras que fizer
• Aplique na viagem a mesma postura sustentável do dia a dia: economize
água e energia elétrica, reduza a geração de lixo, separe o reciclável,
use transporte público, etc.
• Escolha hospedagem que tenha práticas sustentáveis; dê preferência a hotéis independentes
• Alimente-se em cafeterias e restaurantes com culinária regional e que
comprem seus insumos de produtores locais para movimentar a economia
daquele destino
• Pesquise na internet sobre as empresas antes de contratá-las (veja
quadro à pág. 37). É bacana também olhar a avaliação de turistas que
usaram os serviços dessas empresas
• Informe-se sobre a realidade do lugar a ser visitado. Cultura geral
nunca é demais e permitirá que você veja tudo com outros olhos
• Aprenda algumas palavras na língua local. Isso é uma forma de respeito
e simpatia com os habitantes dali e pode criar oportunidades de diálogo
e troca com eles
• Compre em lojas de bairro e diretamente dos produtores tudo o que for possível, em especial artesanatos
• Contrate passeios com guias nativos e empresas comprometidas com
responsabilidade socioambiental; os preços são em geral mais altos, mas a
experiência costuma ser bem melhor e mais autêntica
• Evite locais que explorem animais ou os mantenham presos
• Opte por transportes de menor emissão de carbono
• Evite os cruzeiros de grande porte, as formas mais poluentes de turismo atualmente
• Questione os guias sobre os costumes e a realidade local. Questione-se
sobre se sua postura e seu dinheiro estão de fato ajudando o lugar e
seus moradores
Do Brasil para o mundo
Ana
Duék (de azul na foto da esquerda) e Betina Neves: blogueiras engajadas
em descomplicar e difundir a proposta de viajar de forma responsável
Tem origem brasileira a futura norma ISO 21401 de gestão sustentável
para meios de hospedagem, aprovada em maio pelo Grupo de Trabalho sobre
Turismo Sustentável, o WG 13. Sua base é a norma ABNT NBR 15401,
desenvolvida no Brasil em 2006 e atualizada entre 2012 e 2014. “Em 2015,
vimos um ambiente favorável na ISO e apresentamos nossa norma ABNT para
internacionalização”, diz Alexandre Garrido, coordenador da atualização
brasileira e do processo na ISO. O documento estava tão bem estruturado
que foi possível finalizar em dois anos um processo que, em geral, leva
de três a cinco anos.
A ISO 21401, que deverá ser publicada no segundo semestre, pretende
padronizar (e substituir) 140 normas e selos em certificação de
sustentabilidade para hotéis.
Ela serve para qualquer porte e estilo de hospedagem, independentemente
da sua localização, e cobre os três âmbitos da sustentabilidade –
ambiental, sociocultural e econômico. Na mesma reunião de maio, Garrido
iniciou os trabalhos de um novo projeto de normatização sobre os
princípios e terminologias do turismo sustentável, baseado no documento
“7 princípios de sustentabilidade”, produzido pelo Conselho Brasileiro
de Turismo Sustentável (CBTS).
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