Ártico
começa a ter regras para evitar extrativismo destruidor
05/10/2018 10h48 Atualizado há 3 dias
Foi
inaugurada a temporada de acordos ambientais, o que é ótimo para quem se
preocupa com os rumos do nosso planeta. São iniciativas que, geralmente,
antecedem a Conferência das Partes convocada pelas Nações Unidas. Este ano a
COP será de número 24 e vai acontecer na Polônia em novembro. Na quarta-feira
(3), por exemplo, uma boa providência foi tomada para evitar a exploração
excessiva dos peixes que vivem nas águas congeladas do Círculo Polar Ártico: um
acordo assinado na Groenlândia proibiu a pesca comercial na região.
A
preocupação é válida, já que, por conta das mudanças climáticas, uma vasta área
de mar está se abrindo, o que pode atrair grandes empresas a fim de explorar a
pesca. Segundo a reportagem
do jornal britânico “The Guardian”, o Mar Ártico tem cada vez menos gelo e a
tendência, claramente, é que os icebergs fiquem ainda menores, o que
facilitaria, por exemplo, a navegação por lá. Já está acontecendo. Embora ainda
não haja uma atividade pesqueira de peso, grandes navios já começam a circular.
“A Maersk,
a companhia de navegação dinamarquesa, enviou, em agosto, o primeiro navio de
contêineres através da rota anteriormente congelada , partindo da cidade russa
de Vladivostok e chegando com segurança com sua carga de peixe congelado em São
Petersburgo após uma viagem de 37 dias”, diz a reportagem.
Em 2015,
nove nações - EUA, Rússia, Canadá, Noruega, Dinamarca, Islândia, Japão, Coréia
do Sul e China - além da União Europeia, assinaram o acordo do Oceano Ártico
Central em uma cerimônia na Groenlândia, depois de muitos anos de negociações.
Era uma resposta ao derretimento do gelo, que pode atrair peixes que interessam
ao comércio, como o bacalhau. Na época da assinatura do acordo, o secretário
adjunto de Estado dos Oceanos e Pesca, David Balton, disse que a iniciativa servia
para “evitar que um problema surja antecipadamente”.
Os estados
do Ártico, assim, se comprometeram a proteger as águas internacionais, a partir
de 200 milhas náuticas de suas costas. Mas é preciso mais do que isso, na visão
da ativista do Greenpeace no Ártico, Sophie Allain:
“Esta
região deve ser declarada um santuário marinho, onde todas as práticas
extrativistas, incluindo a produção de petróleo, são proibidas ”, disse ela
ao “The Guardian” na época da assinatura do Acordo.
Ainda não
se chegou a isso, mas a proibição da pesca já é um bom caminho. A ideia é que
sejam feitos estudos profundos para monitorar o ecossistema marinho da região
antes de liberar qualquer tipo de extrativismo ali. Além da pesca, há muito
medo, entre os ativistas ambientais, de que o Ártico passe a ser explorado por
empresas de petróleo. Este Acordo, portanto, pode ser o primeiro passo para
proteger o Ártico contra o extrativismo para usos comerciais. Como bem sabemos,
para garantir o “desenvolvimento” e o “progresso”, em nome de mais “emprego” e
“renda”, muitos absurdos contra o meio ambiente têm sido cometidos.
“Ironicamente,
o maior impacto positivo do aquecimento provocado pela queima de combustíveis
fíosseis é permitir a exploração de mais combustíveis fósseis, que causarão
mais aquecimento. Estima-se que o Ártico tenha 30% das reservas não descobertas
de gás natural do planeta e 13% das reservas não descobertas de petróleo. Com o
degelo, campos de petróleo e gás offshore que há vinte anos eram economicamente
inviáveis passam a ficar abertos por um período do ano longo o suficiente para
permitir exploração”, escreve Claudio Ângelo, jornalista científico, em seu livro “A espiral da morte”
(Ed. Companhia das Letras).
Claudio fez
cinco viagens às regiões polares entre 2001 e 2014, entrevistou cientistas,
moradores das regiões mais distantes, fez um voo de pesquisas da Nasa, visitou
laboratórios de glaciologia para escrever o livro sobre o que até hoje já foi
descoberto sobre os polos e o clima. Quanto ao Ártico, ele avisa:
“Estados
Unidos, Canadá, Rússia, Noruega e Groenlândia já iniciaram a corrida a esse
pote de ouro.”
Claudio
também conta uma história que pode ajudar a refletir a respeito da necessidade
de proteção ambiental e, ao mesmo tempo, sobre como esta medida pode render
resultados pífios diante de um sistema que induz a produzir mais e mais para
conseguir acumular capital. Em 2013, os groenlandeses elegeram pela primeira
vez uma mulher como primeira-ministra, Aleqa Hammond.
“Aos 48
anos, ela assumiu em abril daquele ano prometendo conduzir o país à
independência em relação à Dinamarca. E a maneira como ela pretende fazer isso
é pelas mãos do capitalismo: abrindo seu país à eploração mineral e
intensificando a polêmica em busca por petróleo no mar da Groenlândia”, diz
ele.
Daí para
abrir espaço a outras explorações, como o minério – ferro, ouro e cobre que se
encontram naquelas terras gélidas – será um pulo.
No caso dos
peixes, o Acordo recém-assinado talvez seja apenas o início de uma série de
regulamentações estritas. Os países também iniciarão um programa conjunto para
o monitoramento científico dos 2,8 milhões de quilômetros quadrados do Ártico,
e a moratória pode ser ampliada de cinco em cinco anos, dependendo dos
resultados, segundo a reportagem do “The Guardian”.
São
cuidados que visam a restringir o afã extrativista sobre bens naturais. Não
custa pensar que, se eles estão sendo tomados é porque os cientistas andam
queimando as pestanas há décadas para mostrar os péssimos cenários – que já
estamos vendo – com um acesso irrestrito e sem regulação a peixes, minérios,
madeiras e outros bichos.
É do que se
trata quando se reivindica que os governantes tenham uma visão atualizada, bem
informada e conectada com o ambiente ao redor. Querer a cadeira presidencial
apenas pensando em se perpetuar no poder é o pior do mundos.
Bom voto no domingo.
Amélia Gonzalez — Foto: Arte/G1
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