Estudo
da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira
(INCAB/IPÊ) alerta que a espécie, as comunidades humanas e o meio
ambiente correm riscos nas áreas próximas a lavouras agrícolas do Mato
Grosso do Sul
O
Brasil é líder mundial no consumo de agrotóxicos e muitos dos agentes
químicos utilizados em lavouras brasileiras estão banidos em outros
países devido aos seus riscos para a saúde humana. Entretanto, uma
pesquisa inédita da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta
Brasileira (INCAB), do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas,
aponta que a saúde da fauna silvestre também corre riscos. As antas do
Cerrado, bioma localizado no epicentro do desenvolvimento agrícola do
país, também estão com a saúde altamente comprometida pela exposição aos
agrotóxicos, no Estado do Mato Grosso do Sul (MS).
Entre
2015 e 2017, pesquisadores da INCAB coletaram centenas de amostras
biológicas de 116 antas capturadas em armadilhas (para a instalação de
colares de telemetria por satélite para monitoramento) ou de carcaças de
antas mortas por atropelamento em rodovias de sete municípios do MS. As
amostras foram avaliadas no Centro de Assistência Toxicológica (CEATOX)
da UNESP Botucatu (SP), referência nacional para estudos de
toxicologia. Mais de 40% das amostras avaliadas estava contaminada com
resíduos de produtos tóxicos, incluindo inseticidas organofosforados,
piretróides, carbamatos e metais pesados.
“Todas
as substâncias detectadas possuem algum nível de toxicidade e podem
desencadear processos fisiológicos com implicações importantes para a
saúde dos animais afetados, particularmente nas respostas endócrinas,
neurológicas e reprodutivas. A maioria dos estudos sobre o assunto
aborda os efeitos agudos ou imediatos da intoxicação, mas pouco se sabe
sobre o impacto da exposição crônica a estas substâncias ao longo de
meses ou anos”, afirma a coordenadora da INCAB/IPÊ, Patrícia Medici.
A
detecção de agentes tóxicos em amostras de coxim e probóscide dos
animais confirma que as antas estão expostas a essas substâncias no
ambiente que habitam, por contato direto com as plantas, solo e água
contaminados. A análise de amostras de conteúdo estomacal demonstra
exposição pela ingestão de plantas nativas contaminadas e de itens das
culturas agrícolas eventualmente utilizados como recurso alimentar. Além
disso, a detecção de resíduos de agrotóxicos em amostras de fígado e
sangue demonstra que ocorre a metabolização dos agentes tóxicos pelo
organismo do animal, o que o predispõe a processos patológicos capazes
de interferir na sua longevidade, estado de saúde ou em aspectos
reprodutivos extremamente relevantes para a viabilidade da espécie. Com
amostras de unha e osso, os pesquisadores também avaliaram o acúmulo de
substâncias tóxicas (especialmente de metais pesados) no organismo dos
animais ao longo dos anos.
Segundo
dados do Sistema Nacional de Informações Toxicológicas (SINITOX),
ocorre no Brasil uma média de 3.125 casos de intoxicação por agrotóxico
de uso agrícola ao ano, ou oito intoxicações diárias. O Ministério da
Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) acreditam que para cada caso
notificado existem outros 50 não notificados, o que aumentaria
significativamente essa estatística. No Mato Grosso do Sul, os
inseticidas (principal grupo de agrotóxicos constatado no organismo das
antas) são as substâncias responsáveis por mais de 70% dos casos de
intoxicação aguda em humanos.
Outro
importante achado do estudo foi a grande quantidade do agrotóxico
Aldicarb (popularmente conhecido como ‘chumbinho’) detectado em amostras
de conteúdo estomacal de antas. A substância não tem uso autorizado no
Brasil, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e,
por essa razão, chama a atenção para a necessidade de medidas mais
efetivas na fiscalização do uso e do comércio de agrotóxicos pelos
órgãos competentes, segundo os pesquisadores.
No
mesmo período da coleta de amostras (2015-2017), a equipe da INCAB
realizou um levantamento de dados sobre o uso de agrotóxicos no estado
do Mato Grosso do Sul, buscando dados e informações de inserções de
imprensa, registros junto à Polícia Militar Ambiental (PMA) e Tribunal
de Justiça do MS. Segundo as informações encontradas, a pulverização
aérea é a forma de aplicação de agrotóxicos mais utilizada no estado,
sendo ainda o método mais relacionado à ocorrência de contaminação do
meio ambiente (especialmente por influência do vento e deriva do produto
para áreas indesejadas).
Estudos
recentes desenvolvidos pela Universidade de São Paulo (USP)
demonstraram que a cultura que mais utiliza a pulverização aérea como
forma de aplicação de agrotóxicos é a de cana-de-açúcar. Na região
avaliada pela INCAB, os plantios de cana-de-açúcar se espalham por um
recorte de paisagem de aproximadamente 2.200 quilômetros quadrados nos
municípios de Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina. Da mesma forma, as
substâncias mais aplicadas por meio da pulverização aérea são os
inseticidas.
ANTA: espécie “sentinela” e indicadora de riscos
“Os
resultados provenientes da análise de amostras biológicas de antas nos
fizeram pensar de forma mais ampla sobre a problemática do uso
indiscriminado de agrotóxicos no Cerrado. Aparentemente, encontramos uma
conexão bastante clara entre a pulverização aérea, a cana-de-açúcar, os
inseticidas e a contaminação ambiental. Nesse caso, a anta está
servindo como ‘espécie sentinela’, capaz de demonstrar os riscos
presentes no meio ambiente onde outras espécies da fauna, animais
domésticos e comunidades rurais vivem”, defende Patrícia.
A
anta é uma espécie extremamente importante para a manutenção dos
ecossistemas onde vive, exercendo um papel fundamental na dispersão de
sementes e conexão entre diferentes habitats, e o Cerrado, um
dos biomas mais ameaçados do Brasil. A INCAB/IPÊ corre contra o tempo
para que as antas sobrevivam nesse ambiente tão fortemente impactado
pela influência humana. Além das pesquisas sobre agrotóxicos, os
pesquisadores monitoram atropelamentos de antas em rodovias do MS, fazem
estudos de ecologia e uso da paisagem, bem como outras análises de
saúde e genética.
Os
resultados de todas essas frentes de atuação são utilizados para
estratégias de redução das ameaças que atingem não somente a espécie,
como todo o ambiente e todas as formas de vida que nele habitam,
incluindo os humanos. (#Envolverde)
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