Mas há um fenômeno em curso que, como disse o engenheiro agrônomo e florestal Sebastião Pinheiro, vem transformando esta cultura em um negócio. E para esse modelo doente de negócio, o desmatamento e a aniquilação de culturas tradicionais são “males menores”, um “custo inerente ao progresso”. Será?
Um estudo inédito apoiado pelo Greenpeace sobre as dinâmicas socioeconômicas na região de Cerrado denominada Matopiba – que reúne municípios do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia- refuta essa ideia e mostra que municípios campeões na produção de soja na região não tem indicadores de desenvolvimento social condizentes com a riqueza que produzem na balança comercial.
Segundo o relatório “Segure a Linha: A Expansão do Agronegócio e a Disputa pelo Cerrado”,
somente em 45 dos 337 municípios do Matopiba, os indicadores de produção e de bem estar superam a média dos respectivos estados. A grande maioria está na situação oposta: 196 municípios continuam pobres, com produção e qualidade de vida piores do que a média de seus estados.
Os resultados chegam em um momento crítico para o Brasil, onde o País volta a colocar na balança o valor da preservação dos recursos naturais em oposição a um suposto ganho econômico e social que seria proporcionado pela manutenção de um modelo agrícola pouco diverso e extremamente impactante.
“O estudo mostra que há muito mais pobreza e desigualdade do que riqueza e bem estar nesta região que é apresentada como modelo de sucesso pelo agronegócio”, contou o autor do estudo, o Sociólogo e Doutor em Ciência Ambiental, Prof. Arilson Favareto, da Universidade Federal do ABC.
A pesquisa levou dois anos para ficar pronta, foram percorridos mais de 7 mil quilômetros, nos quatro estados, com cerca de 150 entrevistados e análises de dados oficiais de indicadores econômicos e sociais, como o acesso a educação, mortalidade infantil, renda per capta e vulnerabilidade à pobreza.
Dos 10 municípios que já são campeões na produção de soja no Matopiba, apenas três estão no grupo com bons indicadores sociais, classificados como municípios “ricos”, onde há grande produção e bons indicadores sociais. Na outra ponta estão os municípios classificados como “injustos”, que totalizam 67, onde, mesmo com alta produção de grãos, os indicadores sociais, como mortalidade infantil, acesso a educação, saúde e nível de renda, estão bem abaixo da média dos estado.
“Outra constatação importante do estudo é que, mesmo nas cidades com bons índices sociais, nota-se que as principais melhorias nas localidades não partem da iniciativa privada do agronegócio, mas sim do próprio Estado, no processo de garantir financiamento e infraestrutura para que o negócio de commodities tenha competitividade para levar lucro a seus investidores”, explica Adriana Charoux, do Greenpeace. Segundo o estudo, 60% da renda gerada no Matopiba fica concentrada em 0,4% das fazendas produtoras. Enquanto 80% das fazendas ficam com apenas 5% da riqueza da região.
– Entenda mais e saiba como agir.
No período de 2013 a 2015, perdemos o equivalente a 24 cidades de São Paulo de vegetação nativa do Cerrado, boa parte desse desmatamento foi no Matopiba, a “vitrine” do agronegócio. “É uma conta que não fecha. O desmatamento não pode ser visto como um custo inerente ao desenvolvimento que temos que aceitar. Já que, na verdade, toda a comunidade científica mundial vem alertando que é justamente o contrário. Sem a preservação ambiental, estaremos todos nós com os dias contatos”, observa Charoux.
Desindustrialização e esgotamento dos recursos naturais
Se no balanço das exportações o Brasil continua bem na foto, na prática, a aposta do país em continuar exportando matéria prima com pouco valor agregado ao custo do esgotamento de recursos naturais tão fundamentais para a qualidade de vida, faz com que o horizonte de futuro do Brasil fique mais no passado do que no presente.
A especialização na produção de bens primários tem feito com que a participação da indústria de transformação nas exportações nacionais, que já foi de 21,8% nos anos 80, esteja hoje no mesmo percentual dos anos 50, lá do século passado: meros 11%.
No Matopiba, por exemplo, o setor que mais oferece empregos formais é o de serviços, que em 2014 concentrava 67,9% das vagas de trabalho, em média, nos municípios. Enquanto o agronegócio lidera nas “ocupações”, ou seja, trabalhos temporários ou informais, que geralmente tem menor remuneração e segurança aos empregados.
Não se trata de dizer que tudo de ruim se deve ao agronegócio. Trata-se de chamar atenção para o fato de que é ruim para o Brasil depender crescentemente deste setor, sobretudo no tipo de “negócio” que vem se consolidando até aqui. A agenda continua a expandir a produção de commodities, basicamente dedicada à exportação de grãos para alimentar um padrão insustentável de consumo de proteína animal no mundo todo. Isso recebe mais incentivos e apoio técnico do que a agricultura de base ecológica que produz alimento para consumo interno de forma menos impactante em termos ambientais. O desenvolvimento não vai chegar dessa forma. Não é uma questão de tempo e sim de modelo.
O novo governo, que assumirá a administração do Brasil a partir de primeiro de janeiro de 2019, tem portanto um grande desafio pela frente. A participação ativa do país no Acordo de Paris, que visa unir esforços para conter as mudanças climáticas, mantendo a temperatura global abaixo dos 1,5 graus celsius, é considerada fundamental. Mas para cumprir sua parte no acordo, o Brasil terá que evitar que suas paisagens naturais continuem a ser convertidas em áreas de monocultura. É um negócio que, literalmente, não terá futuro.
“É a manutenção de nossa vegetação nativa que assegura o equilíbrio climático fundamental para garantir não apenas a segurança da humanidade, mas a sobrevivência do próprio agronegócio brasileiro”, observa Charoux. “A produção com desmatamento faz com que o Brasil perca competitividade, ameaçando a geração de empregos”.
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