Agrotóxico mais encontrado em frutas e verduras no Brasil é fatal para abelhas
Sem abelhas, produção de lavouras fica prejudicada; estudo da Anvisa analisou que mais da metade das 4 mil amostras de 14 alimentos vegetais no país contém agrotóxico
Por Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil
Um
agrotóxico fatal para as abelhas foi o mais encontrado em um
levantamento do governo que analisa o resíduo de pesticidas em frutas e
verduras vendidas em todo país. O resultado da nova edição do Programa
de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, o PARA, foi
divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na
semana passada e mostrou também que em 51% dos testes realizados foi
encontrado alguma quantidade de resíduo de agrotóxico nos alimentos.
Na
pesquisa, que testou 4.616 amostras de 14 alimentos, o ingrediente
ativo Imidacloprido foi o mais encontrado. Ele é um neonicotinoides, um
inseticida derivado da nicotina que tem capacidade de se espalhar por
todas as partes da planta e, por isso, é fatal para os polinizadores.
Uma reportagem da Agência Pública e Repórter Brasil revelou em março deste ano que mais de 500 milhões de abelhas morreram em três meses
em quatro estados brasileiros. Uma das principais causas das mortes foi
justamente o contato com agrotóxicos à base de neonicotinoides, que
atingem o sistema nervoso central das abelhas – afetando a capacidade de
aprendizagem e memória, fazendo com que muitas delas percam a
capacidade de encontrar o caminho de volta para a colmeia.
Ter um agrotóxico fatal para abelhas como o mais encontrado em alimentos é um alerta também para a saúde humana.
Primeiro
porque ele acaba sendo consumido pelas pessoas. “Esse tipo de produto
que se espalha por toda a planta é muito perigoso, pois lavar o alimento
ou descascá-lo não é suficiente para retirar os resíduos de agrotóxico,
que já circulam dentro da planta”, explica engenheiro agrônomo Leonardo
Melgarejo, vice-presidente da regional sul da Associação Brasileira de
Agroecologia (ABA).
Outro
problema desse tipo de agrotóxico ser o mais detectado no PARA é que,
ao matar abelhas, se prejudica também a produção das lavouras. Isso
porque elas são as principais polinizadores da maioria dos ecossistemas,
promovendo a reprodução de diversas espécies. No Brasil, das 141
espécies de plantas cultivadas para alimentação humana e animal, cerca
de 60% dependem em certo grau da polinização das abelhas. Segundo a
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO),
75% dos cultivos destinados à alimentação humana no mundo dependem das
abelhas.
No
PARA, o Imidacloprido foi encontrado em 713 amostras, ou cerca de 15%
de todos os alimentos testados. Oito produtos agrotóxicos à base de
Imidacloprido foram autorizados pelo governo de Jair Bolsonaro neste
ano, com registros de comercialização indo para as multinacionais
estrangeiras Sulphur Mills, Albaugh Agro (dois registros), Helm, Nufarm,
Tide e Tradecorp, e para a nacional AllierBrasil.
Na
edição anterior do PARA, com análises feitas entre 2013 e 2015, o
Imidacloprido havia sido apenas o quinto ingrediente ativo mais
encontrado nas amostras. Segundo a Anvisa, não é possível comparar os
resultados porque a metodologia de pesquisa mudou — alimentos e períodos
de análise agora são diferentes.
Resultados não são positivos
A pedido da Agência Pública e da Repórter Brasil, especialistas de organizações que estudam o tema dos agrotóxicos analisaram o relatório, disponibilizado no site da Anvisa, e afirmaram que os resultados são alarmantes, ao contrário do que fez parecer o tom otimista da divulgação oficial do relatório.
Para
Melgarejo, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), o relatório
acende um alerta. “O número de 23% dos produtos apresentarem agrotóxico
acima do permitido é assustador. E os 27% com veneno abaixo do limite
não traz tranquilidade”, diz. “Nas definições de limites aceitáveis, é
tido como base uma pessoa adulta de 50 quilos. Mas estamos alimentando
crianças e bebês com esses mesmos alimentos. Estar abaixo do limite
considerado seguro para um adulto de 50 quilos não significa dizer que é
seguro para um bebê ou criança.”
Representantes
da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida também
criticaram o posicionamento da Anvisa em relação ao relatório,
qualificado como “roupa bonita para um conteúdo altamente tóxico”. Em
nota, a organização diz que apesar do aspecto técnico da publicação, o
release divulgado no site da Anvisa é “extremamente otimista”. Segundo
eles, o tom é “de uma peça de propaganda política para um relatório que,
lido atentamente, traz grandes preocupações para a sociedade.”
A
organização completa dizendo que “em um contexto de uso crescente de
agrotóxicos ano a ano, e também de aumento sistemático das intoxicações
por agrotóxicos, é lamentável ver a Agência que deveria garantir a
segurança alimentar da população minimizando resultados gravíssimos
sobre as condições da comida servida ao povo brasileiro”.
Para
a organização não governamental Greenpeace, a comunicação dos
resultados foi “maquiada”. “Os problemas continuam os mesmos, mas a
forma otimista que eles divulgaram faz parecer que melhorou, e isso,
infelizmente, foi replicado por muitos veículos de imprensa. Ainda temos
mais de 50% dos alimentos com alguma quantidade de agrotóxicos. E os
27% com agrotóxicos abaixo do limite são questionáveis, pois esses
limites são muito frágeis quando falamos de várias alimentação completas
durante o dia, com mistura de alimentos e substâncias, que tem um
efeito diferente de um produto isolado”, explica Marina Lacôrte,
especialista em Agricultura e Alimentação do Greenpeace.
Criado
em 2001, o PARA testou nesta versão 14 produtos da dieta da população
brasileira — abacaxi, alface, alho, arroz, batata-doce, beterraba,
cenoura, chuchu, goiaba, laranja, manga, pimentão, tomate e uva. As
amostras foram recolhidas em estabelecimentos de 77 municípios, entre
agosto de 2017 a junho de 2018, ou seja, antes do início do governo de
Jair Bolsonaro, no qual 467 produtos agrotóxicos foram liberados em
menos de um ano, um recorde histórico.
Do
total de amostras analisadas (4.616), em 2.254 (49%) não foram
detectados resíduos, 1.290 (28%) apresentaram resíduos com concentrações
iguais ou inferiores ao Limite Máximo de Resíduos (LMR), estabelecido
pela Anvisa. E em 1.072 amostras (23%) foram identificados resíduos
acima do permitido, incluindo até mesmo agrotóxicos proibidos de serem
comercializados no Brasil.
Em
0,89% — quase um em cada 100 casos —, foi identificado potencialidade
para causar riscos agudos à saúde, com efeitos como enjoo, vômito, dor
de cabeça e febre nas 24 horas seguintes ao consumo do alimento.
A
visão do governo, por meio da Anvisa, é a de que o resultado do
relatório é positivo. “Temos situações pontuais de riscos, mas que não
geram nenhum risco a saúde da população. Os dados mostram a segurança
dos alimentos que a gente consome hoje”, garantiu Bruno Rios, diretor
adjunto da Anvisa, em coletiva após a divulgação dos dados.
Análise não identifica todos agrotóxicos permitidos no Brasil
As
coletas analisadas no PARA foram feitas pelas vigilâncias sanitárias e
encaminhadas para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens):
Instituto Octávio Magalhães (IOM/FUNED/MG), Laboratório Central de Goiás
(Lacen/GO) e Instituto Adolfo Lutz (IAL/SP); e para um laboratório
privado contratado por processo licitatório.
Segundo
o relatório, em cada amostra foram pesquisados até 270 ingredientes
ativos, número bastante inferior aos 499 permitidos para serem
comercializados no Brasil após avaliação da Anvisa, Ministério da
Agricultura e Ibama. Foram detectados resíduos de 122 ingredientes
ativos diferentes nas 4.616 amostras analisadas, o que resultou no total
de 8.270 detecções de agrotóxicos — em muitos casos foram identificados
mais de um tipo de pesticida em um só alimento, mas a Anvisa não
especifica quais em seu relatório.
Depois
do Imidacloprido, citado no início da reportagem, os ingredientes
ativos mais encontrados foram os fungicidas Tebuconazol (570) e o
Carbendazim (526) — este último proibido na União Europeia, Estados
Unidos, Canadá e Japão por causar problemas mutagênicos e de toxicidade
reprodutiva. Em 2012, os EUA proibiram a importação do suco de laranja
brasileiro devido à presença deste fungicida nos produtos.
Entre
os 40 ingredientes ativos mais encontrados há o Carbofurano, um produto
proibido no Brasil, identificado 52 vezes na atual pesquisa — na edição
2013-2015, o Carbofurano aparecia entre os 30 ingredientes ativos mais
encontrados.
Em
outubro de 2017, dois meses após o começo das análises, a Anvisa
desautorizou a comercialização de agrotóxicos à base de Carbofurano
justamente pela persistência de seus resíduos nos alimentos, além de
malefícios à saúde humana. Ele também é classificado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) como altamente tóxico do ponto de vista agudo — a
que causaria intoxicação nas 24 horas seguidas ao consumo.
De
acordo com a Anvisa, a presença de agrotóxicos não autorizados nas
análises tem como um dos motivos os poucos registros para culturas
consideradas de baixo retorno econômico. Por isso, muitos produtores
acabam utilizando agrotóxicos autorizados para uma cultura específica –
soja, por exemplo, em outras culturas, caso da uva.
Laranja, goiaba e uva: os três mais com agrotóxicos
Entre
os alimentos testados, a laranja foi a que mais apresentou resíduos de
agrotóxicos. De 382 análises, apenas 157 não apresentaram vestígios de
pesticidas, 173 apresentaram resíduos em concentrações iguais ou
inferiores ao permitido pela lei e em 52 casos os níveis de agrotóxico
encontrados estavam acima do permitido.
Foram
encontrados 47 agrotóxicos diferentes nas laranjas vendidas em
supermercados brasileiros, que incluiu até mesmo resíduos de
Carbofurano, proibido no Brasil. O mais encontrado na fruta foi o
Imidacloprido. Na laranja também foi encontrado a maior exposição para
risco agudo. Depois da laranja, a goiaba e a uva foram os alimentos que
mais apresentaram riscos agudos.
– No Brasil, das 141 espécies de plantas cultivadas para alimentação humana, 60% dependem da polinização das abelhas –
Nova metodologia é criticada
Até
2012, os resultados do PARA eram lançados anualmente. Desde então,
optou-se por divulgar o relatório compilado de três anos. O último foi
divulgado em 2016, com dados de 2013 a 2015. Não houve coletas em 2016,
por conta de uma reestruturação no projeto, que só voltou à ativa no
segundo semestre de 2017.
Na
edição anterior, onde foram analisadas 12.051 amostras em três anos, o
percentual de alimentos com agrotóxicos acima do permitido pela lei era
de 19,7%, menos do que o atual.
Além
disso, até 2015, o PARA trabalhava com uma lista de 25 alimentos a
serem analisados, que representavam 70% da cesta de alimentos de origem
vegetal consumidos pela população brasileira, segundo dados brutos da
Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE de 2008-2009, que traça o
perfil de orçamento doméstico e condição de vida da população
brasileira. Agora, a partir da reestruturação, o número de alimentos foi
ampliado para 36, mas nem todos os alimentos escolhidos serão
analisados anualmente, pois as análises vão variar dentro de cada
triênio. Nesta edição, por exemplo, apenas 14 foram analisados, e
alimentos como o feijão e a batata ficaram de fora, mas devem entrar nas
próximas edições.
A
rotatividade é criticada por especialistas da área. “Produtos muito
importantes, que estão no prato do brasileiro, não aparecem no
resultado. O trigo que vai no pãozinho do dia a dia, o feijão que é um
ingrediente tradicional no prato brasileiro. Não é uma boa ideia a
Anvisa fracionar as análises para períodos específicos, quando a
população consome esses produtos durante todo o ano”, explica o
engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo.
Marina
Lacôrte, do Greenpeace, também criticou o baixo número de alimentos
apresentados.
“Esses dados têm que ser avaliados todo o ano, pois há
safras todos os anos. Eles argumentam que essas alterações ocorrem por
questões financeiras, mas esse é um investimento necessário que o
governo deve fazer: a saúde da população. Se o problema é financeiro
então que se retire a isenção de impostos para os agrotóxicos, e
utilizem esses impostos para bancar programas como esse”, diz.
Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/12/2019
Agrotóxico mais encontrado em frutas e verduras no Brasil é fatal para abelhas, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/12/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/12/18/agrotoxico-mais-encontrado-em-frutas-e-verduras-no-brasil-e-fatal-para-abelhas/.
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