segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
"Menos floresta e mais cidade: Ricardo Salles explica o novo foco da política ambiental brasileira"
Entrevista exclusiva
Menos floresta e mais cidade: Ricardo Salles explica o novo foco da política ambiental brasileira
Por Olavo Soares eKelli Kadanus
Brasília[19/12/2019] [20:48"
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O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, retornou recentemente de Madri, na Espanha, onde esteve para representar o Brasil na COP25, evento internacional sobre mudanças climáticas. A participação foi um reflexo de como tem sido sua atuação no comando da pasta ao longo do primeiro ano do governo Jair Bolsonaro: discursos firmes, posicionamentos contestados por outros países e críticas pesadas de adversários. A ex-ministra Marina Silva, por exemplo, chamou a atuação brasileira no evento de “vexame internacional”.
Salles concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Povo na última terça-feira (17), na qual, entre outros assuntos, criticou o trabalho dos que antes dele exerceram o comando do ministério. Segundo ele, as gestões anteriores fizeram acordos internacionais em que realizaram concessões a outros países sem extraírem os benefícios correspondentes para o Brasil. Salles também afirmou que os governos – e os ministros – prévios a Bolsonaro desassistiram a população da Amazônia: “mais de 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia foram deixados para trás”.
A alteração desses rumos é uma das ações que Salles definiu como principal realização no comando do ministério em 2019. A outra é a mudança do eixo da pasta, que passou a ser para as questões urbanas – como o saneamento básico, a gestão do lixo e a qualidade do ar.
Leia a seguir a íntegra da entrevista do ministro à Gazeta do Povo.
Qual o balanço que o senhor faz deste primeiro ano de gestão, e quais as metas para o próximo?
Salles: Como disse o general Heleno no início do ano, há momentos, em determinadas áreas, cujo grande mérito é corrigir coisas erradas, mais do que, em um primeiro momento, fazer coisas diferentes. Basicamente é o que nós estamos fazendo no Ministério do Meio Ambiente. Temos feito uma análise e ações muito claras no sentido de dar racionalidade, bom senso e equilíbrio para a tomada de decisões aqui por parte do ministério. Do ponto de vista administrativo, questões com maior eficiência, trazer políticas públicas que tragam resultados efetivamente para a sociedade. Uma delas, foi escolher, efetivamente, como prioridade do ministério os temas que nós chamamos de agenda de qualidade ambiental urbana.
Então a agenda de qualidade ambiental urbana começa com o tema de maior importância hoje no Brasil para a área ambiental dos brasileiros, que é a falta de saneamento. Então a articulação que nós fazemos com o Ministério do Desenvolvimento Regional, com a Câmara dos Deputados, com o Senado, nos órgãos do governo, no sentido de apoiar e fazer avançar o saneamento que nessa semana já teve novidade no Congresso Nacional [o marco legal do saneamento foi aprovado].
O segundo tema importante da agenda urbana é a parte de gestão do lixo, de resíduos sólidos. Outro tema que foi abandonado no Brasil, tanto quanto o saneamento. Nossos índices de saneamento são vergonhosos. Também é muito ruim a parte de gestão do lixo, resíduos sólidos. O Brasil tem uma espécie de epidemia do lixo, caos do lixo, em praticamente todos os municípios do país, em todas as regiões. É um tema superimportante, tem tudo a ver com o meio ambiente, é de extrema importância para o meio ambiente, contamina o solo, o lençol freático, transmite doenças às pessoas e é um tema que foi deixado de lado. Então também é prioridade nessa agenda urbana.
Em terceiro lugar a qualidade do ar nos grandes centros urbanos. Nós só não temos uma qualidade do ar pior porque o Brasil, felizmente, tem o etanol, que é um combustível limpo, renovável e que polui muito menos porque não é de material oriundo de combustível fóssil, ao contrário da gasolina e do diesel. Mas, ainda que tenhamos o etanol, e foi muito bom ter o etanol no Brasil, nós temos um problema sério com o transporte coletivo nas grandes cidades. Os ônibus, em geral, têm a sua alimentação a diesel. Poucos são aqueles que avançaram, seja para o gás ou para o elétrico, isso graças a uma política que não soube prestigiar a troca da matriz de combustível do sistema de transporte coletivo.
Aí você tem também a parte de geradores de energia nos edifícios residenciais e comerciais, muitos deles a diesel, tem caminhões circulando nas cidades e nos centros urbanos, nas regiões metropolitanas, caminhões antigos, desregulados. Há toda uma política com relação à qualidade do ar que precisa ser feita.
Então, de um lado, saneamento, gestão de resíduos sólidos, qualidade do ar. Depois, uma outra agenda, também dentro do item urbano, que é a reabilitação de áreas contaminadas. Temos muitas áreas que foram fábricas, postos de gasolina, ou foram depósito de materiais de diversas naturezas e que são abandonadas porque não temos uma política pública de reabilitação dessas áreas. O que acaba acontecendo? Essas áreas são invadidas, em geral por população mais pobre, e que vai viver em áreas com alto grau de contaminação. Nós temos que resolver esse problema.
O quinto ponto da agenda urbana é o aumento de áreas verdes em perímetro urbano. Isso ajuda na permeabilidade, na questão de enchentes, mas também ajuda na sensação de temperatura e na melhoria da qualidade do ar. Essa parte de agenda verde, áreas verdes em perímetro urbano, também é um tema muito importante.
Também lançamos, antes mesmo até da ONU, o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar. O Brasil tem um litoral, uma faixa costeira muito extensa. Eu diria que tanto do Sul ao Norte, passando pelo Sudeste e na região Nordeste, temos grandes problemas na costa brasileira. Quer seja pelo lixo, aquele que flutua, que vem boiando, tanto aquele que vem de navegação, do exterior, em razão das correntes, quanto aquele que é levado pelos corpos hídricos, pelos rios, levado para o mar. Quando chove, como as cidades não têm política pública de coleta de lixo, o lixo é chamado de poluição difusa: chove, vai pro córrego, vai para o rio, esse rio deságua no mar, polui todo o mar. E junto com a poluição do lixo, a falta de saneamento. A gente vê aquelas línguas negras de esgoto chegando no mar.
Então veja como essas agendas se inter-relacionam. A agenda do lixo, com a agenda do saneamento, com a agenda de combate ao lixo no mar. Tudo isso tem a ver com o mesmo esforço. Que é onde vivem 80% das pessoas. 80% dos brasileiros vivem nas cidades e são as cidades que não têm saneamento, não cuidam da gestão do lixo, não têm a qualidade do ar. Então as pessoas estão diariamente expostas a esse problema de qualidade ambiental e que se refere diretamente na saúde. Então essa é a agenda de qualidade ambiental urbana., prioridade número um do Ministério do Meio Ambiente e que a gente está fazendo caminhar. É uma agenda difícil, porque envolve o país inteiro, precisa de recurso, precisa de política pública, mas está avançando bem.
Segundo, nós temos toda a agenda de biodiversidade. Nós temos no Brasil um grande acervo de riqueza de biodiversidade, de natureza, seja de fauna ou de flora, e nós precisamos transformar isso em conhecimento, em pesquisa e investimento para que se tenha a valorização desse ativo da biodiversidade. Agora, não faremos isso em um sistema burocrático, que é refratário ao investimento privado em pesquisa e desenvolvimento, patentes, temos que valorizar as patentes, temos que simplificar o registro dessas pesquisas.
Faz parte aqui do ministério o Conselho do Patrimônio Genético, que justamente foi criado para registrar as pesquisas e transformar o resultado da exploração econômica da biodiversidade em recurso para o país, uma espécie de royalties da biodiversidade. Isso está aqui no ministério, só que a gente tem que desburocratizar, facilitar. Eu diria, tem milhares de pedidos de pesquisa e desenvolvimento aqui empacados porque o ministério não soube dar agilidade a isso, então há toda uma revisão desse sistema também.
Isso ajuda no outro tema do ministério que é a conservação dos nossos biomas, em especial da nossa Amazônia, que corresponde a praticamente 50% do nosso território, um tema de atenção, de cuidado mundial, não só aqui no Brasil, mas nós precisamos dar uma solução para a Amazônia. Como nós vamos cuidar da Amazônia, uma região que é mais rica do país em termos de recursos naturais, mas que tem o pior índice de desenvolvimento humano. Portanto, mais de 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia e foram deixados para trás. A qualidade de vida dessas pessoas não melhorou, o saneamento na região não melhorou, a gestão do lixo não melhorou, a educação, a saúde, oportunidade de emprego e renda para essas pessoas não melhorou.
Então faz parte do esforço do governo do presidente Bolsonaro trazer, incluir esses mais de 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia a um padrão de qualidade de vida, a atividades de desenvolvimento econômico sustentável, essas pessoas precisam ter emprego, precisam ter renda para viver melhor, para respeitar mais as normas ambientais. A ausência de desenvolvimento econômico na região é um convite ao desrespeito às regras ambientais.
Isso o senhor fala por meio da industrialização da região?
Salles: Você transformar. Essa agenda da bioeconomia nada mais é do que você pegar biodiversidade, essa riqueza de fauna, de flora, de micro-organismos, enfim, tudo que tem na Amazônia, e dar valor agregado a isso. É uma indústria de transformação de valor agregado ao que tem na floresta. Então a indústria farmacêutica instalar lá sua pesquisa, fábricas, para que essas pessoas tenham emprego, para que elas entendam e vejam, sintam na pele e no bolso que realmente a floresta para elas, a floresta em pé, tem valor. Indústria de cosméticos, processamento de alimentos, enfim. Tudo aquilo que se diz que a floresta vale mais em pé do que devastada, hipótese com a qual nós concordamos, mas é preciso que o fruto desta riqueza da floresta amazônica chegue até as pessoas que vivem lá.
A pessoa não pode simplesmente contemplar a floresta, não ganhar nenhum centavo a partir daquilo que está lá e ainda ser impedido de trabalhar. Temos que dar para ela uma alternativa de trabalho, de oportunidades, de desenvolvimento que seja compatível com a preservação ambiental.
Não podemos esquecer que 80% da Amazônia está preservada, 60% da vegetação nativa no Brasil em seus diversos biomas, nos seis biomas, 60% está preservado. Nós temos um Código Florestal no Brasil, que é uma norma ambiental extremamente restritiva, que diz que 20% da Mata Atlântica não pode ser mexido, 35% do Cerrado, 80% da Amazônia, das propriedades que lá estão. Então não há nenhum país do mundo que tem uma norma ambiental tão restritiva quanto é o Código Florestal, junto com outras leis ambientais que também existem, lei da Mata Atlântica, lei do Cerrado. Então nós já temos o marco regulatório, todo ele construído para conservação. O que nós precisamos é que as pessoas realmente entendam e valorizem e tenham reconhecido financeiramente esse critério importante da conservação.
Então a Amazônia é uma área de especial interesse, nós temos que fazer a regularização fundiária de toda a Amazônia, não tem sentido ter uma região toda que é terra de ninguém, ninguém sabe o que pertence ao quê, onde terminam as divisões, os limites de propriedade, áreas públicas, áreas privadas, áreas invadidas. Precisa resolver isso. Aliás, importante que no Brasil todo a questão da propriedade, da regularização fundiária é extremamente frágil. Se você for no sul do país tem problema de regularização fundiária, falta de títulos de propriedade, títulos que não estão bem definidos. Você tem esses problemas no Sul, tem problemas no Sudeste, tem problemas no Centro-Oeste, tem problemas no Nordeste e tem problemas na região Norte. Ou seja, não é algo exclusivo da Amazônia, mas é algo que traz problemas para o Brasil inteiro, em especial na Amazônia.
Então, com relação à Amazônia, regularização fundiária, zoneamento econômico ecológico (ZEE), que é uma espécie de plano diretor, com as potencialidades, as capacidades, a questão de infraestrutura, enfim, é o mapeamento e a determinação do que deve ser feito, quando, como, cada local da Amazônia.
Em terceiro lugar, o pagamento pelos serviços ambientais. Ou seja, todo mundo que preserva, que cuida, das nascentes, das áreas de preservação permanente, da reserva legal instituída pelo Código Florestal, essas pessoas precisam receber por isso, porque é uma restrição ao direito de propriedade, é uma imposição de um custo não desprezível sobre cada um dos proprietários e produtores. Mas a partir do momento em que ele preserva, é justo, é correto que ele receba uma compensação por isso, ainda que pequena. Então precisamos dar esse instrumento.
O Acordo de Paris, através da regulamentação do artigo 6.º, que foi frustrado agora na COP25, em Madri, poderia ser uma fonte importante de recursos em razão da transação do crédito de carbono para gerar recursos para o pagamento de serviços ambientais. Infelizmente, o protecionismo dos países ricos impediu a regulamentação do artigo 6.º e nós seguimos sem essa alternativa. Mas se de um lado temos a necessidade de regularização fundiária da Amazônia, do zoneamento econômico ecológico, pagamento pelos serviços ambientais, também, como já dito, a agenda da bioeconomia, que é o aproveitamento, com essa capacidade, esse grande potencial, essa biodiversidade que até hoje não virou realidade.
Você não vê grandes laboratórios farmacêuticos, empresas de cosméticos, de alimentos, instaladas na Amazônia, gerando empregos, gerando recursos, para aqueles que vivem na região. Eles ficaram para trás no desenvolvimento do país.
Exige-se muito em termos de conservação, mas não se dá a eles condição de ter recursos advindos de uma floresta preservada. É preciso combater isso. O desmatamento da Amazônia vem subindo. Faz sete anos que o desmatamento da Amazônia vem crescendo.
Então nós temos que nos perguntar: quais são os fatores que levam ao aumento do desmatamento da Amazônia? Quais são os fatores? É a ausência de oportunidade, é a ausência de alternativa econômica, é uma fragilidade regulatória, problemas fundiários, enfim; uma somatória de problemas que precisam ser resolvidos para a gente ter, de maneira sustentável e duradoura, uma manutenção e um cuidado maior com a floresta.
O presidente Jair Bolsonaro disse que no Brasil o desmatamento é cultural. É também a opinião do senhor?
Salles: O Brasil, o Estado brasileiro… é importante lembrar o seguinte. O Estado brasileiro, o governo brasileiro, no passado, na época da abertura das grandes fronteiras agrícolas, incentivou que as pessoas fossem para aquelas regiões. Grandes volumes de agricultores saíram daquelas regiões, sobretudo do Rio Grande do Sul, saíram de lá para abrir novas fronteiras agrícolas. E o Estado, o governo brasileiro no passado, tinha o entendimento de que quem fosse abrir essas fronteiras agrícolas ganharia terra. Isso era um conceito, realmente.
O que o presidente falou é verdade. Havia, no Brasil, um incentivo governamental para que as pessoas abrissem as fronteiras agrícolas, fizessem realmente a abertura de novas áreas, tirassem a vegetação, para transformar aquilo em área produtiva. Foi o Estado brasileiro que incentivou isso no passado. Então, quando o presidente se refere a isso, ele está dando esse fato, não adianta esquecer isso. Foi o governo que disse: ocupe, produza, que a terra será sua. Quem não abriu a sua propriedade perdeu a terra.
Por isso que existem as chamadas terras devolutas, porque a pessoa ganhou a terra, não abriu a propriedade, ou seja, não desmatou para produzir, e, portanto, o Estado arrecadou de volta essas terras. Essas terras são chamadas devolutas. É importante entender o processo histórico, que não começou hoje, tem toda uma raiz, e que explica o porquê da expansão agrícola. Essa é a explicação a que o presidente se referiu.
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Qual a opinião do senhor sobre Greta Thunberg? O senhor também a considera uma “pirralha”?
Salles: Ela é uma menina muito jovem, obviamente está sendo usada por diversos interesses. Até me admira os pais permitirem que a filha tenha tamanha exposição, uma menor de idade. De qualquer forma, a bandeira da preservação ambiental é uma bandeira positiva. Todos os países – inclusive aqui no Brasil, nós temos uma grande preocupação com a questão do meio ambiente, que diz respeito à qualidade de vida das pessoas, ao futuro – agora, isso não pode, de maneira nenhuma, tirar da análise desses fatos a racionalidade. Porque são temas complexos.
O mundo inteiro tem problemas. Se aponta o dedo pro Brasil muitas vezes, dizendo que o Brasil tem problemas de desmatamento, mas o Brasil é um país ambientalmente muito sustentável
Nós temos, como já disse, a Amazônia 80% preservada, 60% da vegetação nativa é preservada, temos o Código Florestal, temos o etanol, que é o combustível renovável mais limpo do mundo, nenhum desses países têm… nós temos uma matriz energética no Brasil 85% limpa, eles têm carvão, eles têm gás, eles têm termelétrica. Para gerar energia eles queimam. Então não tem nada a ver conosco.
Então nós não podemos permitir que haja um disfarce da discussão comercial, de discussões econômicas, sempre rotuladas de discussões filosóficas. Tem interesses econômicos muito sérios. O meio ambiente é importante por si só? Sim. Ele deve ser preservado? Não há dúvida. O Brasil valoriza o meio ambiente? Enormemente. Nós temos uma agricultura extremamente sustentável, florestas preservadas, área de preservação permanente, reserva legal… quer dizer, nós temos o marco regulatório – que aliás, muitos desses países, para não dizer todos eles, não têm.
Agora, instrumentalizar uma pauta do meio ambiente também serve a eles para outra coisa, que é disfarçar a discussão sobre os combustíveis fósseis, que são os responsáveis por 80% das emissões de gás de efeito estufa no mundo. São os combustíveis fósseis. Não tem nada a ver com floresta, não tem nada a ver com agricultura. Então o que eles querem? Não se discutir combustíveis fósseis, não se discutir a necessidade de transição energética, e jogar a conta dos gases do efeito estufa para a floresta amazônica, para a agricultura. Disfarçar, portanto, um ônus que é deles. Quem devastou toda a sua floresta nativa, praticamente, foi a Europa. Quem não tem um código florestal é a Europa. Se você olhar as construções que estão na Europa, estão tudo em cima de área de preservação permanente. Se fosse no Brasil ia ter que mandar demolir tudo. Então é preciso entender essas questões e colocar como elas são de verdade.
O senhor foi suspenso pelo partido Novo. Como está a situação atual do senhor no partido? O senhor considera ir ao Aliança pelo Brasil?
Salles: Essa questão partidária para mim não tem a menor importância. Eu fui convidado para ser ministro na cota pessoal do presidente, em razão de uma série de alinhamentos que nós temos no ponto de vista da necessidade da razoabilidade, do bom senso, do equilíbrio. Não se trata de eleições, eu não sou candidato a nada, portanto a questão partidária para mim não tem nenhuma importância. Eu tenho muitos alinhamentos com a visão liberal do Estado, um Estado enxuto, eficiente, que não atrapalha a vida das pessoas, que não onera a produção. Isso tem alinhamento com as bandeiras do partido Novo. Tem vários representantes do partido Novo, tanto o governador Zema de Minas Gerais, que é uma grande pessoa, deputados federais aqui, alguns deputados estaduais que eu conheço, não conheço todos.
Agora, a questão partidária, de maneira alguma, é tratada por mim como sendo um tema do momento. Hoje a nossa missão é cuidar bem do Ministério do Meio Ambiente, é entregar os resultados que a sociedade brasileira espera, e é sobre isso que eu me dedico diariamente.
O senhor está retornando agora da COP 25. Nas redes sociais o senhor disse que o evento não deu em nada. A ex-ministra Marina Silva chamou a participação do Brasil de “vexame internacional”. O que poderia ter sido feito para o Brasil ter tido um resultado melhor?
Salles: Em primeiro lugar, lamento que a Marina Silva tenha dito uma coisa dessas, porque quem entregou todos os benefícios, fez todas as concessões, abriu efetivamente o Brasil para que essas exigências ocorressem sem saber exigir em troca o que os brasileiros e o Brasil têm de direito para receber. Nós estamos representando um país, nós não podemos ir lá e fazer como fizeram, por ocasião de assinatura do Acordo de Paris, todo tipo de compromisso, de comprometimento, de concessões, e não exigir em troca recursos e condições para a população brasileira. Isso é fazer cortesia com o chapéu dos outros. Só que nesse caso, com o chapéu do contribuinte brasileiro.
O que nós fizemos? Foi ir lá e defender o Brasil. Aliás, tinham vários parlamentares, e pessoas brasileiras, falando mal do seu próprio país no exterior. Isso é inacreditável. Você não vê, em outros países, outras jurisdições, gente do próprio país falando mal do seu país no exterior. Isso é uma vergonha. Nós fomos lá defender o Brasil, dizer o que nós somos realmente, dizer que os países ricos foram quem destruiu as suas florestas e quem poluiu o meio ambiente, gás de efeito estufa… foram eles. Não fomos nós.
E quando da assinatura do acordo de Paris, havia um compromisso de que os países ricos dariam US$ 100 bilhões aos países em desenvolvimento a partir do ano que vem. Foi essa a fatura que nós fomos cobrar, no que diz respeito à regulamentação do artigo 6º, que são os elementos do mercado de carbono, tanto intragoverno, 6.2, quanto no setor de créditos privados, 6.4. Nós fomos lá dizer o seguinte: vocês prometeram os recursos, criaram esse mercado de carbono. Agora vocês têm que liberar o mercado para que o Brasil, e outros países também, possam vender os seus créditos. O que nós vimos lá foi uma postura protecionista desses países. Fecharam seus mercados. Não deixaram que se regulamentasse esse artigo 6º.
Nós estávamos lá para defender o Brasil. Defender os brasileiros. Não fomos lá para fazer média com ninguém. Não fomos lá receber troféu de simpatia, de gesto, de nada disso. Nós fomos lá defender o Brasil. E quem não fez isso no passado prejudicou o nosso país. Tinha que ter tido uma postura mais firme, tangível, fazer concessões mediante negociação. Só dar aquilo que a gente recebe em troca. O Brasil foi o único país que não fez isso. O Brasil, em administrações passadas, aceitou compromissos, assumiu uma série de posições sem exigir nada em troca. Ou seja, é o brasileiro que está pagando a conta desses que fizeram cortesia com o chapéu dos outros.
E o que poderia ter sido melhor agora?
Salles: Nosso objetivo era regulamentar o artigo 6º. Que permitiria a concretização desse mercado de créditos de carbono. O Brasil receber por tudo aquilo que faz bem feito. A agricultura, a conservação da sua vegetação, as florestas. Créditos, portanto, para vir aqui no montante que o Brasil precisa. São bilhões de dólares por ano, que precisariam vir em razão do Acordo de Paris. E o que nós vimos lá foi uma estratégia claramente protecionista, criando uma série de obstáculos formais, mas que na verdade tinha como objetivo esconder, disfarçar aquela intenção de não deixar esse mercado acontecer, justamente porque nós somos muito mais competitivos do que eles.
Em 2019 vários fundos com recursos para ações na área ambiental foram paralisados mesmo havendo recursos: foi o caso do Fundo Amazônia, por exemplo. Por que esses recursos não foram empregados em 2019? Quais são os planos do ministério para executar esses recursos?
A nossa preocupação em relação a recursos sempre foi de dar eficiência, transparência e atingir resultados. No caso específico do Fundo Amazônia, são recursos doados ao governo brasileiro em relação à redução do desmatamento. Esse recurso foi doado ao governo, quem gere o recurso é o BNDES, portanto um banco que pertence ao povo brasileiro. Povo este que escolheu Jair Bolsonaro como presidente da República, e justamente escolheu Bolsonaro para moralizar as coisas, para colocar as coisas no seu devido lugar.
Então quando nós olhamos as coisas que o Brasil tem, nós dizemos: esses recursos, sim, têm que ser utilizados para gerar resultados, não está aqui para pagar consultoria, não está aqui para virar seminário, não está aqui para virar meio de vida para quem trabalha nessa intermediação. Nós queremos que o resultado final seja alcançado. Tem que ter transparência, tem que ter meta, tem que ter prazo, e é justamente essa a nossa intenção ao reformular a política pública de utilização desses recursos. O que se fazia antes, em várias frentes, era distribuir dinheiro para entidades, e para pessoas, que faziam lá relatórios que não tinham praticamente nenhuma materialidade e ficava o recurso sendo distribuído sem muito controle.
Então nós mudamos essa concepção e nós temos praticamente seis meses, oito meses de um intenso trabalho para colocar justamente no eixo aquilo que no nosso modo de ver estava colocado durante anos. Daqui para frente, entendemos que isso vai trazer resultados.
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