segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Correio Braziliense – Descompasso nas estratégias de proteção


Paloma Oliveto

De um lado, a ciência aponta para o risco de extinção de centenas de espécies devido a atividades predatórias humanas, como destruição do habitat, caça e comércio ilegais, além das mudanças climáticas por causas antropogênicas. De outro, as políticas de inclusão desses mesmos animais e plantas na lista dos ameaçados não acompanham o ritmo das evidências. Às vezes, demora-se até 20 anos para que isso aconteça. É o que indica um artigo publicado na revista Science.

A poucos meses da Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (Cites, sigla em inglês), um acordo internacional que envolve 183 países, incluindo o Brasil, os pesquisadores alertam as autoridades de que as políticas de proteção têm de se adequar às evidências científicas. “Um processo de construção de políticas precisa responder rapidamente às novas informações para prevenir a extinção de 600 animais e plantas. Por essa razão, é absolutamente crítico que os construtores dessas políticas permitam que os cientistas apontem um processo rápido de proteção”, diz Eyal Frank, coautor do artigo da Science e professor da Universidade de Chicago.

Frank e David Wilcove, pesquisador da Universidade de Princeton e coautor do trabalho, analisaram 958 espécies da Lista Vermelha da União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês), que estão ameaçadas pelo comércio internacional. Esse rol é atualizado por pesquisadores voluntários e classifica as espécies em cinco categorias de risco de extinção, baseado em dados como distribuição da espécie, tamanho da população e tendências atuais. A avaliação dos cientistas mostrou que 28% das quase 1.000 não estão protegidas pelo Cites, o principal mecanismo internacional de prevenção da extinção causada pelo comércio da vida selvagem.

Os dois também investigaram o tempo médio que levou para que as espécies da Lista Vermelha entrassem para a proteção do Cites. Eles descobriram que, em 62% dos casos, passaram-se 19 anos para que isso acontecesse. Algumas foram identificadas pela ciência como ameaçadas há 24 anos e ainda não foram categorizadas pelo tratado internacional. Esse padrão, destacam Frank e Wilcove, repete-se mesmo em relação aos animais e às plantas que mais correm risco de desaparecer devido ao comércio ilegal. Por outro lado, o estudo aponta que 36% das espécies analisadas por eles entraram para a proteção do Cites antes de fazerem parte da Lista Vermelha.

“O Cites e a Lista Vermelha são duas das mais importantes ferramentas que temos para salvar a vida selvagem ameaçada pelo comércio internacional. É vital que essas duas instituições trabalhem juntas e próximas, rapidamente, para parar com a matança”, diz Wilcove. No artigo, os pesquisadores recomendam que todas as partes do Cites defendam que as espécies ameaçadas pelo comércio ilegal constantes da Lista Vermelha entrem no sistema de proteção do tratado.

Mais riscos
Embora seja a principal referência sobre animais ameaçados, a Lista Vermelha da IUCN pode estar deixando de lado aproximadamente 600 espécies, dizem pesquisadores da Universidade Radboud, que desenvolveram uma nova abordagem de verificação do risco de extinção, descrita na revista Conservation Biology. O novo método, segundo os cientistas, é consistente com o rol da IUCN e até um pouco mais otimista, no geral. Porém, eles também encontraram discrepâncias.

Os resultados indicam que 20% das seis centenas de espécies que a União Internacional afirma serem impossíveis de classificar devido a dificuldades técnicas provavelmente estão sob ameaça. Além disso, outras 600 que aparecem na Lista Vermelha como não ameaçadas estão sob risco de extinção. Entre elas, o rato listrado etíope e o papagaio-pigmeu-de-peito-vermelho. “Isso indica que é necessária uma reavaliação urgente dos status atuais das espécies da Lista Vermelha”, defende o ecólogo Luca Santini, principal autor do artigo.

Ele afirma que, embora a Lista Vermelha seja “extremamente importante” para a conservação, os especialistas voluntários que a elaboram geralmente têm uma quantidade limitada de dados a respeito das mais de 90 mil espécies do rol para conseguirem aplicar todos os critérios de classificação. “Muitas vezes, esses dados são de baixa qualidade porque estão desatualizados ou imprecisos, já que certas espécies que vivem em áreas muito remotas não foram devidamente estudadas. Isso leva à classificação errônea ou à não avaliação”, destaca.

O método desenvolvido pela Universidade Radboud usa informações retiradas de mapas de cobertura de terra, que mostram como a distribuição das espécies no mundo mudou ao longo do tempo. Os pesquisadores combinam esses dados com modelos estatísticos para estimar uma série de parâmetros adicionais, como as habilidades das espécies de se deslocarem através de paisagens fragmentadas, e, assim, classificá-las em uma das cinco categorias de risco da Lista Vermelha.

A nova abordagem, diz Santini, tem como objetivo complementar os métodos tradicionais de avaliações da Lista Vermelha. “À medida que a lista cresce, mantê-la atualizada torna-se uma tarefa assustadora. Algoritmos que usam dados obtidos por sensoriamento remoto quase em tempo real podem melhorar dramaticamente a acurácia e a eficácia do sistema”, afirma.


"Um processo de construção de políticas precisa responder rapidamente às novas informações para prevenir a extinção de 600 animais e plantas”
Eyal Frank, coautor do artigo da Science e professor da Universidade de Chicago


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