quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Salles aprova extinção de regras que protegiam manguezais e restingas

 

Salles aprova extinção de regras que protegiam manguezais e restingas

O Conama, presidido por Ricardo Salles, revogou as regras e abriu espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias

Com um conselho de meio ambiente controlado majoritariamente por ministérios e membros do governo federal, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aprovou nesta segunda-feira, 28, a extinção de duas resoluções que delimitavam as áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro. A revogação dessas regras abre espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), presidido por Salles, revogou ainda uma resolução que exigia o licenciamento ambiental para projetos de irrigação, além de aprovar uma nova regra, para permitir que materiais de embalagens e restos de agrotóxicos possam ser queimados em fornos industriais para ser transformados em cimento, substituindo as regras que determinavam o devido descarte ambiental desse material.

Ambientalistas, parlamentares e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) pediram que todos os itens fossem retirados da pauta da reunião do Conama, instituição que tem caráter consultivo e deliberativo sobre questões ambientais. Houve ainda tentativa de cancelar a reunião, por meio de ação judicial. Todas as tentativas fracassaram.

A revogação das resoluções 302 e 303, ambas de 2002, elimina instrumentos de proteção dos mangues e das restingas, as faixas com vegetação comumente encontradas sobre áreas de dunas, em praias do Nordeste.

O argumento do governo é que essas resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal. Especialistas em meio ambiente apontam, porém, que até hoje essas resoluções são aplicadas, porque são os únicos instrumentos legais que protegem, efetivamente, essas áreas.

No mês passado, por exemplo, em São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) perdeu uma ação na Justiça e foi obrigada, por meio de sentença, a respeitar as delimitações previstas na resolução de 2002, “para evitar a ocorrência de dano irreparável à coletividade e ao meio ambiente”.

Já revogação da Resolução nº 284, de 2001, acaba com os critérios de regras federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. No entendimento dos ambientalistas a revogação tem o objetivo de acabar com exigências legais a pedido de parte do agronegócio.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que é membro do Conama, argumentou, no entanto, que a resolução conflita com outras que já estão em vigor. O Ministério da Agricultura declarou que irrigação não é “atividade”, mas sim um acessório da agricultura. “Não vemos impacto positivo nessa resolução no meio ambiente”, declarou o ministério, que é um dos membros do conselho.

Concentração

O resultado expõe, claramente, a forma como o governo passou a controlar um órgão que, por missão e histórico, sempre teve composição técnica e independente. Desde julho do ano passado, o Conama, que define normas e regras ambientais, foi completamente desidratado em relação à sua estrutura anterior, por determinação de Ricardo Salles.

O ministro concentrou nas mãos do governo federal e de representantes do setor produtivo a maioria dos votos. Estados e entidades civis perderam representação. O Conama teve seus membros reduzidos de 96 para 23 representantes.

Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) afirma que, pela estrutura atual, o governo federal passou a ter 43% de poder de voto dentro da composição do conselho, além de outros 8% de poder de voto do setor empresarial. Os demais votos estão diluídos entre membros dos estados, municípios e sociedade civil. Se antes estes somavam 60% de poder de voto, passaram a ter 49% na nova composição.

A estrutura anterior do órgão tinha o objetivo de dar maior representatividade a vários segmentos da sociedade. Uma parte dos integrantes da sociedade era escolhida por indicação e outra por eleição. Desde o ano passado, porém, essa escolha passou a ser feita por sorteio.

Instituições que representam a sociedade civil, incluindo associações ambientais, de trabalhadores rurais e povos indígenas, viram suas posições caírem de 23 para apenas quatro posições. Duas dessas cadeiras, inclusive, estão vagas, porque dois membros — Associação Rare do Brasil e Comissão Ilha Ativa — deixaram o conselho e não foram substituídas. As votações, portanto, ocorreram sem contabilizar o voto de outros dois membros.

Os estados também perderam representação. Se antes havia uma cadeira para cada um dos 26 estados e o Distrito Federal, agora são cinco cadeiras representadas por um estado de cada região geográfica do país. Os municípios, que tinham oito representantes, agora têm dois. O Ministério Público Federal é membro do conselho e regularmente, crítico de flexibilizações ambientais, mas é o único sem direito a voto nas deliberações.

“Com a conformação do Conama que foi instalada pelo governo Bolsonaro, o governo obteve pleno controle para passar boiadas, reduzir o rigor da legislação ambiental por meio de resoluções do conselho. O Conama, órgão com quatro décadas de importantes contribuições para a política ambiental, na prática está morto”, disse a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

“Independentemente do governo de plantão, o conselho sempre foi uma arena de debates técnicos, com ampla divulgação dos temas em debate. Foi uma tristeza enorme acompanhar hoje a 135ª reunião. O resultado final pode ser resumido em uma palavra: retrocesso.”

Judicialização

A procuradora regional da República, Fátima Aparecida de Souza Borghi, representante do Ministério Público Federal, deixou claro aos membros do Conama que as revogações serão questionadas pelo MPF na Justiça.

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