Cursos superiores podem ser 'desperdício' no Brasil, diz estudioso
Atualizado em 9 de outubro, 2013 - 18:41 (Brasília) 21:41 GMT
Embora tenham proliferado no
Brasil nos últimos anos, muitos cursos superiores acabam não formando
profissionais de qualidade, por isso, podem até acabar sendo um
desperdício para a sociedade, de acordo com um especialista ouvido pela
BBC Brasil.
Para Tristan MacCowan, professor de Educação e
Desenvolvimento da Universidade de Londres, que há pelo menos uma década
estuda a evolução do sistema educacional brasileiro, alguns desses
cursos "não aumentam a capacidade de inovação da economia, não
impulsionam sua produtividade e acabam ajudando a perpetuar uma situação
de desigualdade, já que continua a ser vedado à população de baixa
renda o acesso a cursos de maior prestígio e qualidade"."Em muitas das instituições de ensino superior acessíveis a essas classes não há estímulos para que os estudantes busquem conhecimento fora das salas de aula, nem oportunidades de pesquisa ou chances para eles expandirem sua experiência universitária", diz o especialista.
"Muitos acabam sendo mais uma extensão do ensino básico e fundamental do que uma faculdade ou universidade propriamente ditas."
Segundo a última pesquisa do Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Ibope, divulgada no ano passado, quatro em cada dez estudantes do ensino superior no Brasil não são "plenamente alfabetizados" - ou seja, não conseguem interpretar um texto, gráficos ou tabelas, nem fazer contas matemáticas um pouco mais complexas - por exemplo, envolvendo porcentagens.
"O problema é que o domínio da linguagem e da matemática são ferramentas básicas para que se possa avançar na aprendizagem de conteúdos mais complexos", diz Ana Lúcia Lima, diretora do Instituto.
'De mentira'
A opinião de um ex-professor de arquitetura sobre a qualidade dos alunos e do ensino na faculdade em que ele deu aula por cinco anos dá a medida dos desafios que envolvem a expansão do acesso à universidade no Brasil: "Esses cursos dão a muitos jovens uma chance de conseguir empregos que pagam um pouco melhor, mas quem vive o dia-a-dia de algumas dessas faculdades privadas sabe que classificá-los como ‘curso superior’ é uma grande mentira", diz ele.O ex-professor, de São Paulo, conta que alguns de seus alunos chegavam a sala de aula sem saber fazer uma equação de primeiro grau ou escrever um texto "que fizesse sentido" - e boa parte do trabalho do corpo docente da instituição era tentar suprir as carências de um ensino básico e fundamental deficiente.
""Esses cursos dão a muitos jovens uma chance de conseguir empregos que pagam um pouco melhor, mas quem vive o dia-a-dia de algumas dessas faculdades privadas sabe que classificá-los como ‘curso superior’ é uma grande mentira."
Ex-professor universitário
Desde 2001, o número de instituições de ensino superior no país passou de 1.004 para cerca de 2,5 mil e a quantidade de matrículas mais que dobrou, chegando a 6,7 milhões no ano passado, segundo dados da mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
O relato do ex-professor, porém, não chega a ser uma surpresa para Tristan MacCowan.
"Não há como negar que o Brasil fez avanços significativos na expansão do acesso ao ensino superior - e isso é positivo - mas essa expansão precisava ser acompanhada de um controle sobre a qualidade das novas instituições e um desenvolvimento significativo dos mecanismos de regulação e supervisão do setor, o que parece não ter ocorrido", acredita MacCowan.
Segundo o especialista, na comparação com outros países, o caso brasileiro se destaca justamente pela falta de rigidez de sua regulamentação. "Chama a atenção a facilidade com a qual grupos privados que visam o lucro podem abrir instituições de ensino no país, por exemplo, - o que implica em riscos significativos", alerta.
O governo tem feito um esforço para ampliar a oferta em universidades públicas, principalmente no interior do país, mas 74,6% dos estudantes ainda estão matriculados em instituições privadas, segundo a última Pnad, que registrou um aumento de 1,4 pontos nesse porcentual de 2011 para 2012.
ProUNI
Segundo especialistas, a expansão da educação superior no Brasil na última década foi o resultado de dois processos combinados.De um lado, em um cenário de maior crescimento e menor desemprego, muitos jovens da classe C se sentiram estimulados a estudar mais que seus pais para ampliar suas oportunidades no mercado de trabaho e perspectivas de rendimento.Também aumentou a quantidade de famílias com recursos para investir em educação - o que ampliou a demanda por cursos e serviços nessa área.
Simultaneamente, foram adotadas uma série de políticas públicas para garantir que tal demanda fosse atendida.
Desde 2007, o Governo Federal procurou ampliar a oferta de vagas na rede pública via Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e universidades federais começaram a adotar sistemas de cotas raciais ou para alunos de escolas públicas.
Para as instituições privadas, o maior estímulo foi o Programa Universidade para Todos (ProUNI), que tem financiado, com bolsas parciais ou integrais, milhares de estudantes de baixa renda em cursos superiores por todo o país.
Com tais impulsos, o ensino superior privado
tornou-se um dos segmentos mais promissores da economia brasileira. Em
2012, empresas do setor estiveram entre as que mais se valorizaram na
Bovespa e não demorou muito para que se estabelecesse uma dinâmica de
formação de megagrupos para atender o filão.
Por todo o país, novas faculdades têm recebido jovens que recebem bolsa do governo ou trabalham de dia para pagar os cursos que frequentam à noite.
"Temos pela frente um grande desafio para expandir a qualidade desses cursos e da formação básica dos estudantes que chegam a suas salas de aula", diz Lima. "Isso é essencial para evitar que a escolaridade dos brasileiros avance apenas no papel."
Nível das escolas no Brasil passa ‘de desastroso a muito ruim‘, diz ‘Economist’
Em edição publicada nesta quinta-feira, a revista britânica The Economist
diz que dados recém-divulgados pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que a educação brasileira teve
“ganhos sólidos” na última década.
A Economist se referia à divulgação, na última terça-feira, do 4º Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que mediu o nível da educação em 65 países. O Brasil ficou na 53º colocação, tendo obtido 412 pontos em leitura, 386 em matemática e 405 pontos em ciência.
O desempenho do país em cada uma das três áreas foi, em média, 20 pontos superior ao registrado no último teste, em 2006. O resultado fez com que a OCDE considerasse que o caso brasileiro revelava “lições encorajadoras”.
Em entrevista à Economist, a pesquisadora Barbara Bruns, do Banco Mundial, cita entre os motivos para a melhoria o sistema brasileiro de avaliação escolar, criado há 15 anos.
“De um ponto de partida em que não havia nenhuma informação sobre o aprendizado do estudante, as duas (últimas) presidências construíram um dos sistemas de medição de resultados educacionais mais impressionantes do mundo”, disse ela.
Apesar do avanço, a revista diz que dois terços
dos jovens de 15 anos são incapazes de fazer qualquer coisa além de
aritmética básica.
“Mesmo escolas privadas e pagas são medíocres. Seus pupilos vêm das casas mais ricas, mas eles se tornam jovens de 15 anos que não se saem melhor que um adolescente médio da OCDE”, afirma a publicação.
Segundo a Economist, uma das razões
para a má qualidade do ensino é o desperdício de dinheiro. “Como os
professores se aposentam com salários integrais após 25 anos para
mulheres e 30 para homens, até a metade dos orçamentos da escola vai
para as aposentadorias”, diz a revista.
A publicação afirma ainda que, exceto em poucos locais, professores podem faltar em 40 dos 200 dias escolares sem ter o salário descontado.
A Economist diz que o país estabeleceu a
meta de alcançar a média da OCDE na próxima década, mas alerta que, “no
ritmo atual, chegará só até a metade do caminho”.
A solução, aponta a revista, é propagar iniciativas como a da cidade do Rio (que combate a falta de professores dando pagando bônus às escolas que atingirem metas) e a do Estado de São Paulo (que criou plano de carreira a professores que vão bem em testes de conhecimento).
“Se o Brasil alcançar a nota, será porque conseguiu espalhar essas práticas inovadoras por todos os cantos”, conclui a revista.
BBC Brasil
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