sábado, 20 de setembro de 2014

Abarrotadas, as gavetas da República explodem



Josias de Souza

Dilma Rousseff tem orgulho de dizer: “Ao longo da minha vida tive sempre tolerância zero com corrupção.” Mas o destino —essa fração de segundo em que o sinal muda de verde para amarelo e a pessoa é intimada a decidir se para ou avança— pregou-lhe uma peça. Na hora em que ela reivindica um segundo mandato, as gavetas da República começaram a explodir ao seu redor. São explosões incontroláveis.

A inevitabilidade dos estrondos é proporcional à quantidade de bombas estocada nas gavetas. Há nitroglicerina demais. Tanta nitroglicerina que já não é possível negociar o que será insinuado e o que permanecerá escondido. Até agora, Dilma não demonstrou desejo de parar. Diante do sinal amarelo, ela aperta o botão do ‘eu não sabia’ e pisa no acelerador. Pena, mas nada impede que enxergue o freio.

A plateia ainda não sabe o tamanho do estrago produzido pela autoimplosão de Paulo Roberto Costa. Sabe-se que a delação do ex-diretor da Petrobras balançará o coreto de autoridades, estilhaçando-lhes as coligações. Mas não ficou claro, por ora, o grau de comprometimento dos alicerces do Planalto. Infelizmente, a visitação aos escombros não deve ser liberada antes das eleições.

Enquanto tenta desviar sua candidatura do óleo derramado na pista da sucessão pelo delator Paulinho, como o chamava Lula, Dilma é surpreendida por outra bomba —dessa vez uma bomba de efeito retardado. Foi armada por Renan Calheiros. Deveria ter ido pelos ares em 2007. Mas, com a ajuda de Lula, o artefato desceu à gaveta. Que a Procuradoria da República acaba de abrir.

Seis procuradores da República protocolaram na 14ª Vara Federal do Distrito Federal uma ação por improbidade administrativa contra o presidente do Senado. Nela, Renan é acusado de pagar com propinas recebidas da empreiteira Mendes Júnior a pensão de uma filha que teve em relacionamento extraconjugal. Em troca, acusam os procuradores, o senador pendurou no Orçamento da União emendas que bancaram obras da firma corruptora.

Quando o caso veio à luz, em 2007, Renan já presidia o Senado. E Lula, solidário com seu drama, ajudou-o a mobilizar o consórcio governista para enterrar o escândalo vivo. Combinou-se na ocasião que o Conselho de Ética encamparia a tese de que o dinheiro repassado à ex-amante de Renan viera da venda do gado. E os brasileiros seriam convidados a se fingir de bobos. Pelo bem da República.

Produziram-se dois relatórios atestando a falta de provas para a cassação do mandato de Renan —um foi subscrito por Romeu Tuma, já morto. Outro, por Epitácio Cafeteira, ainda muito vivo. Sabia-se que fechar os olhos piorava a palhaçada. Mas dizia-se que não convinha arriscar a estabilidade do Legislativo e a própria governabilidade em nome de algo tão relativo e politicamente supérfluo como a verdade.

Todos se encaminhavam para aceitar a combinação de que nada ocorrera. Mas, de repente, a imprensa golpista demonstrou que a boiada que Renan apresentara para justificar suas despesas era feita de notas frias. Um rebanho de dúvidas passou a transitar pelos salões do Senado. De novo, combinou-se que as reses não estavam ali. Num grande acordo, Renan renunciou à Presidência do Senado e seus pares abstiveram-se de passar o mandato dele na lâmina.

Em fevereiro do ano passado, como se nada houvesse sucedido, Renan foi devolvido ao comando do Senado. Dias antes da aprovação do nome dele em plenário, o então procurador-geral da República Roberto Gurgel denunciou-o ao STF. Servindo-se do mesmo caso que mistura lençois, verbas orçamentárias e propinas, Gurgel acusou Renan de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso.

A despeito de tudo, Renan obteve de volta, já sob Dilma, a poltrona de presidente do Senado. Amealhou votos de governistas e de oposicionistas. O PSDB entregou-lhe oito decisivos votos. Decorridos dezenove meses, ouve-se a explosão da nova ação judicial. O barulho chega na hora em que Renan emerge da lista de supostos recebedores de propinas cavadas na Petrobras. Uma bomba se interconecta com a outra.

Noutros tempos, as explosões eram resolvidas mais facilmente. As autoridades faziam cara de nojo em público, cobravam a cumplicidade dos aliados em privado e confiavam na pré-disposição da plateia para engolir histórias mal contadas. 

As prisões do mensalão geraram uma dúvida: de que tamanho precisa ficar o embaraço para que o brasileiro, já tão habituado ao papel de tolo, possa considerá-lo aceitável? A paciência parece ter diminuído. Além das gavetas, a desfaçatez encheu o saco.

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