Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por José Sarney
Em política há uma lei inexorável: o
impossível sempre acontece. No Brasil, várias vezes a tragédia teve
consequências drásticas, provocando grandes mudanças.
Basta lembrar as
mais notórias: o suicídio de Getúlio Vargas, que, já praticamente deposto, com
a bala no peito atinge os adversários; o derrame cerebral e a morte de Costa e
Silva, que levam a um golpe dentro do golpe, desaguando numa Junta Militar e
numa nova Constituição outorgada; a morte do Presidente Rodrigues Alves, eleito
pela segunda vez, atingido pela gripe espanhola; Tancredo Neves, eleito para
fazer a redemocratização, adoece no dia da posse e em seguida morre.
Agora estamos
vivendo um momento destes. Sessenta dias antes da eleição, num desastre aéreo,
desaparece o candidato a presidente Eduardo Campos. A comoção toma conta do
país, mas não é ela a consequência maior. É a ressurreição de Marina Silva, que
na eleição anterior obteve 20 milhões de votos. Impedida de concorrer por seu
partido, não tendo conseguido registrá-lo na Justiça Eleitoral, fizera uma
aliança com Campos — figurando em sua chapa como candidata a vice-presidente —,
que, morto, lhe devolveu a oportunidade de participar, como protagonista, da
corrida presidencial.
“Cambiaran las
suertes”, como dizia um personagem de Rómulo Gallegos em Cantaclaro. O Brasil
entrou num grande redemoinho político.
Marina Silva é uma
figura carismática, mística, dogmática, preconceituosa e intransigente.
Fundadora do PT, foi ministra de Lula e o rompimento com suas origens tem
aspecto difuso, sem linhas precisas na separação.
Mas em torno dela
se criou uma frente robusta de combate ao PT e ao governo Dilma, abrindo uma
possibilidade antes considerada impossível: derrotá-los. As pesquisas estimulam
essa hipótese. Seus apoiadores são os mais ecléticos: os indignados que há
pouco mais de um ano provocaram um barulho imenso no país; seus até
recentemente frustrados seguidores; as fortes correntes e igrejas evangélicas
que a têm como representante; as classes conservadoras, descontentes com as políticas
econômica, externa, energética, agrícola, portuária e fundiária; na área
política, alas descontentes do PT e o incalculável número de grupos dos
partidos aliados queixosos do tratamento recebido da Presidente Dilma e da
direção do PT.
A sensação dos aliados é que eles fizeram
de tudo para massacrá-los nos estados, criando confrontações e arestas, e que
agora há oportunidade para reagir. O PMDB, maior partido dessa aliança, que
indicou o candidato a vice-presidente, está muito dividido e só não vota contra
Dilma por causa do vínculo de sua participação na chapa; de uma figura de
simples adereço, Michel Temer passou a ser decisivo para a vitória.
Por outro lado, um
ciclo de pessimismo fez o país perder o sonho de potência emergente, com
números que o mostram beirando a recessão, inflação e juros altos, e indicações
negativas de agências de risco, além do desprestígio da diplomacia, ferida com
o tratamento de “anão” por Israel, marcada pelo alinhamento com o chavismo
bolivariano e por relações não muito amistosas com os Estados Unidos. A euforia
foi embora.
Nunca esteve nos
planos do PT perder as eleições. Ao contrário, cumpria com êxito seu objetivo
de tornar-se um partido hegemônico, dominando a prefeitura de São Paulo, o que
já ocorre, e almejando conquistar os governos dos maiores estados, São Paulo e
Minas, e implantando políticas de controle social, conselhos populares e
intervenção na mídia, como na Venezuela, no Equador e na Argentina.
O que acontece
agora é um tsunami político. No momento, a energia inicial da onda já chegou ao
fim. Os seus resultados já foram alcançados: levar a eleição para o 2º turno e,
assim, provocar uma disputa acirrada, em que tudo pode acontecer. Maior partido
de oposição, o PSDB, embora tenha excelente e talentoso candidato, ficou
imprensado pela guerra entre as duas candidatas originárias da esquerda.
Para fugir da
ameaça de derrota, pensaram alguns líderes do PT até mesmo em fazer Lula
candidato. Mas o ex-presidente parece também ter sido atingido pelo maremoto e
ter perdido a aura da invencibilidade, embora mantenha seu carisma e ainda seja
a maior liderança política do país.
A Presidente Dilma,
com seu forte caráter de chefia, já conquistou seu espaço como administradora e
não é mulher de jogar a toalha ou aceitar humilhação.
Marina Silva é uma
incógnita. A figura de hoje nada tem a ver com sua radical história de
guerreira dos seringais. Senadora por dezesseis anos — em parte dos quais
ocupou o Ministério do Meio Ambiente de Lula —, deixou uma marca de radicalismo,
como fundamentalista, de capacidade limitada, preferindo sempre a confrontação
ao diálogo, e buscando não o entendimento, mas a conversão. Sua formação é das
Comunidades Eclesiais de Base, mas agora é evangélica ortodoxa, considerando
que o mundo se reparte entre os destinados à salvação e os condenados à
perdição.
As eleições serão a
5 de outubro. A campanha atingiu um alto grau de violência, com ataques
rasteiros. O quadro é de pesquisas nervosas, esquizofrênicas, que indicam que
tudo pode acontecer. As sondagens — e são muitas — sempre mostram uma vantagem
de Dilma no 1º turno e a vitória de Marina no 2º turno, que exige maioria
absoluta.
A palavra certa
para a atual situação brasileira é perplexidade.
O Brasil perdeu o
otimismo, há um alto aquecimento do censo crítico, desapareceu a sacralidade
das políticas sociais. O Presidente Lula dá sinais de não desejar engajar-se
num pacto de morte e se afasta de um duelo fatal.
O quadro é de um
labirinto. Mistério e imprevisão.
José Sarney é
Senador, ex-presidente (por acidente) da República, e Imortal da Academia
Brasileira de Letras.
Originalmente publicado
no El País, da Espanha, em 12 de setembro. Republicado em http://www.josesarney.org/blog/o-brasil-em-um-labirinto/
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