Jurista
renomado, Modesto Carvalhosa entende como poucos da roubalheira
promovida pela administração pública brasileira. Diz ele que Dilma está
articulando anistia ampla e irrestrita às empreiteiras envolvidas no
petrolão e, com isso, infringe o Estado de Direito, cometendo
prevaricação. Entrevista à FSP:
O governo
articula uma "anistia ampla, geral e irrestrita" para as empreiteiras
na Operação Lava Jato, que investiga desvios de recursos em contratos da
Petrobras. O diagnóstico é de Modesto Carvalhosa, 82, advogado
especialista em direito econômico e mercado de capitais, que há mais de
20 anos estuda a corrupção sistêmica na administração pública
brasileira.
Ao se
negar a aplicar a Lei Anticorrupção, a presidente Dilma Rousseff comete
crime de responsabilidade, com o propósito de proteger as empreiteiras,
defende Carvalhosa. "Ela infringiu frontalmente o Estado de Direito ao
se negar a aplicar a Lei Anticorrupção porque quer proteger as
empreiteiras", afirma.
Com a
falta de punição, prevê que as empreiteiras continuarão perdendo ativos,
sofrerão multas no exterior e deverão ser declaradas inidôneas pelo
Banco Mundial.
Folha - Como inibir a corrupção das empreiteiras?
Modesto
Carvalhosa - Com a implantação da "performance bond". É um seguro que
garante a execução da obra no preço justo, no prazo e na qualidade
contratados. Elimina a interlocução entre as empreiteiras e o governo.
Quem determinaria essa exigência na Petrobras?
O
regulamento da Petrobras já prevê essa possibilidade, não há necessidade
de mudar a legislação. Isso poderia ter sido feito há muito tempo, ela
já faz essa exigência para algumas fornecedoras. Mas não faz com as
empreiteiras que corrompem.
O seguro de performance impediria os aditivos que perpetuam os superfaturamentos?
Impediria. Os empreiteiros não entregam a obra nunca, vão "mamando". Os recursos públicos "saem pelo ladrão".
Por que a Lei Anticorrupção não foi aplicada na Lava Jato?
Porque a
presidente da República [Dilma Rousseff] já declarou que não vai
processar as empresas, só as pessoas. Cabe ao Executivo aplicar a Lei
Anticorrupção.
Ela está prevaricando?
Está
incidindo em crime de responsabilidade no viés de prevaricação. Ela
infringiu frontalmente o Estado de Direito ao se negar a aplicar a Lei
Anticorrupção porque quer proteger as empreiteiras.
Quais são as alternativas e as consequências?
A Lei
Anticorrupção tem o lado punitivo, mas tem o lado que pode beneficiar as
empresas. Se fossem processadas e condenadas a pagar uma multa,
estariam livres de outras punições. Pagariam a multa e poderiam voltar a
ter crédito. Como bancos que pagaram multas em vários países e
continuam operando.
Mesmo com altos executivos presos, qual a capacidade de pressão das empreiteiras?
Pelo
subsídio que deram formal e informalmente para os políticos na eleição
presidencial --eleitos ou não-- têm o poder ilegítimo de exigir, agora, a
recíproca para se livrarem da punição.
E como as empreiteiras sobrevivem economicamente?
Na medida
em que não são processadas pela Lei Anticorrupção, estão se suicidando,
ficam sangrando. Algumas estão vendendo ativos, outras pedindo
recuperação judicial, despedindo empregados. Os advogados precisariam
instruir melhor, ficam forçando o ministro da Justiça [José Eduardo
Cardozo] a impedir a aplicação da Lei Anticorrupção...
Como o senhor vê encontros de advogados com o ministro da Justiça fora da agenda?
O
ministro da Justiça tem a obrigação e o dever de receber os advogados. O
que ficou configurado nessas visitas secretas é a advocacia
administrativa. Ou seja, aproveitar o poder dele para influenciar
membros do governo em benefício de terceiros. Não é o exercício da
advocacia. É o exercício da advocacia administrativa mesmo.
Qual é o poder do ministro da Justiça?
Ele é um
veículo. Trata de assuntos da Polícia Federal, da parte jurídica com a
Presidência República, com a Advocacia-Geral da União e com o Tribunal
de Contas da União. Há uma tentativa de influenciar, para não se
instaurar o processo. É para fazer um acordo de leniência fora da Lei
Anticorrupção.
Que órgãos se alinham nessa articulação?
O TCU
emitiu o parecer de número 87, em fevereiro, avocando-se o direito de
promover acordo de leniência, junto com a AGU, fora da Lei
Anticorrupção. O movimento da advocacia administrativa, envolvendo
ministro da Justiça, AGU, Controladoria-Geral da União e TCU, é no
sentido de criar uma anistia ampla, geral e irrestrita. Não querem
aplicar a Lei Anticorrupção.
Qual é a solução que querem?
Fazer um
acordo de leniência para todas as empresas do consórcio fora da Lei
Anticorrupção. Se houver esse tipo de anistia, o Ministério Público vai
pintar e bordar. Vai entrar no Superior Tribunal de Justiça, no Supremo
Tribunal Federal, para anular. É fora da lei, porque abrange todo mundo.
Segundo o artigo 16, o acordo de leniência é só para o primeiro
delator.
Como a AGU está atuando?
A AGU
está agindo no sentido de se alinhar para fazer o acordo de leniência
com todas as empreiteiras e fornecedores. Esse movimento de anistia
abrange a CPI da Petrobras, que é mais um ato patético do Congresso. O
relator também está na linha de anistiar as empreiteiras. É um movimento
geral no PT, no governo. Todos estão a serviço da vontade da
presidente.
Como o sr. vê a atuação do Procurador-geral da República, Rodrigo Janot?
Muito
boa. Ele tem visão profunda da questão. Foi aos EUA, para falar com o
Banco Mundial, que é quem vai declarar a inidoneidade das empreiteiras,
ao Departamento de Justiça, à SEC [Securities and Exchange Comission,
corresponde à Comissão de Valores Mobiliários no Brasil], ao FBI. É
absolutamente contrário ao movimento de anistia. Ele tem a dimensão
internacional do problema. Como cidadão, dou nota dez.
Como o sr. avalia a informação de que ele pediria a abertura de inquéritos contra políticos, em vez de oferecer denúncia?
É uma
prudência processual boa, para evitar nulidades e instaurar o devido
processo legal, com a produção e a contestação das provas.
Na mesma linha do juiz federal Sergio Moro, que procura evitar nulidades...
O juiz, apesar de jovem, também é um homem extremamente prudente.
Quais são as medidas que poderão vir do exterior?
As
medidas que vêm de fora são arrasadoras, as empreiteiras vão receber
pesadas multas. Após condenadas, terão os bens e os créditos
sequestrados e impedidas de obter financiamento no exterior. A
resistência é suicida. Elas vão ser declaradas inidôneas pelo Banco
Mundial. Elas não têm a visão da absoluta imprudência que estão
cometendo, ao evitarem ser processadas no Brasil pela Lei Anticorrupção,
que é uma de efeitos extraterritoriais.
Como uma punição interna pode evitar a sanção externa?
Não se
pode condenar duas vezes pelo mesmo crime. Se a empresa é condenada aqui
pela Lei Anticorrupção, ela não deve ter a mesma punição lá fora. Os
tratados que o Brasil assinou são reproduzidos na Lei Anticorrupção.
O que a demora pode fazer?
Existe um
mercado internacional de compra de ativos de empresas corruptas. Já
estão comprando ativos de empreiteiras brasileiras. E, assim, elas vão
sangrando, porque não querem ficar purgadas pela Lei Anticorrupção. Vão
todas para o beleléu.
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