FOLHA DE SP - 19/04
À estatal ainda falta limpar o acobertamento de suas tenebrosas transações com a companhia holandesa
A
doutora Dilma disse que a Petrobras "já limpou o que tinha que limpar".
Falso. Falta limpar o acobertamento das suas tenebrosas transações com a
companhia holandesa SBM, a maior operadora de sondas flutuantes do
mundo. Com sede em Mônaco, é a maior empregadora do principado, perde só
para o cassino. Faturou 4,2 bilhões de euros em 2012 e 60% de seus
negócios davam-se com a Petrobras. Desde 2012 a diretoria da empresa
sabia que distribuíra US$ 139 milhões no Brasil, onde seu representante
era Julio Faerman, um ex-funcionário da Petrobras que teve US$ 21
milhões numa conta do HSBC suíço e hoje vive em Londres. Homem discreto,
só se conhece dele uma fotografia, com uma máscara veneziana
cobrindo-lhe os olhos. O contrato de venda da plataforma P-57 (US$ 1,2
bilhão), por exemplo, gerou uma comissão de US$ 36 milhões.
A
essa altura, comissões pagas por Faerman ao "amigo Paulinho" e a Pedro
Barusco já estão na papelada de Curitiba. Falta limpar a maneira como a
Petrobras e a Controladoria-Geral da União lidaram com o caso. A Lava
Jato começou em 2014, mas a faxina interna da SBM começou em 2012.
Existe uma gravação de um encontro de seus diretores no aeroporto de
Amsterdam lidando com o caso. Nela, a Petrobras é mencionada. O grampo
partiu de Jonathan Taylor, um advogado da SBM que está em litígio com a
empresa, que o acusa de chantagem.
Em outubro de 2013 apareceu na
Wikipedia um texto (provalmente de Taylor) denunciando a rede
internacional de propinas da SBM e dando nome a bois da Petrobras. Dias
depois, sumiu, até que o assunto reapareceu em fevereiro de 2014 na
revista holandesa Quote. A Petrobras abriu uma auditoria para examinar
seus negócios com a SBM e mandou funcionários à Holanda, sem dizer o que
fariam. Num comunicado oficial, informou que eles não encontraram
anormalidades. A SBM, por sua vez dizia que pagara US$ 139 milhões em
comissões por serviços legítimos e a petroleira fingiu que acreditou.
Segundo Taylor, estava em movimento uma operação para abafar as propinas
brasileiras. Ele parece ter razão, pois em novembro Graça Foster
revelou que soubera das propinas em maio. E não contou ao mercado.
A
conexão brasileira foi varrida para depois do segundo turno. Dezessete
dias depois da reeleição da doutora a SBM fez um acordo na Holanda e
pagou uma multa de US$ 240 milhões. Em seguida a Controladoria-Geral da
União abriu um processo contra a SBM e Graça Foster fez sua revelação
tardia.
Taylor contou ao repórter Leandro Colon que em agosto
mandou à CGU um lote de documentos. No dia 3 de outubro ele se encontrou
na Inglaterra com três funcionários da Controladoria. Essa reunião foi
gravada, com consentimento mútuo. A conexão SBM-Petrobras ficou blindada
de maio, quando a campanha eleitoral mal começava, até novembro, quando
a doutora estava reeleita.
A CGU diz hoje que abriu o processo
em novembro porque só então encontrou "indícios mínimos de autoria e
materialidade". A ver. Isso poderá ser esclarecido se forem mostrados os
documentos recebidos pela CGU em agosto e o que foi dito no encontro de
outubro.
Há uma velha lenda segundo a qual o Brasil seria outro
se os holandeses tivessem colonizado o Nordeste. Darcy Ribeiro matou
essa charada respondendo: "Seria um Suriname". Talvez seja um exagero,
mas em novembro do ano passado, quando a SBM e o governo holandês se
entenderam, Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da
Indústria, resumiu o que acontecera em Amsterdam e o que estava
acontecendo no Brasil, onde as empresas apanhadas na Lava Jato
negociavam acordos de leniência:
"Eu acho que o Brasil está
amadurecido o suficiente para que não coloque essas empresas com esse
selo (de inidôneas). Nós vemos, por exemplo, que aconteceu a mesma coisa
com a empresa da Holanda, a SBM Offshore. Será que a Holanda vai
colocar essa empresa como inidônea e não vai poder participar de mais
nada no mundo?"
O governo holandês e a SBM se entenderam e a Lava
Jato está cuidando das propinas pagas a funcionários da Petrobras, que
ficou com toda a conta. Falta limpar o silêncio da Petrobras a partir de
maio e entender a rotina da CGU de agosto a novembro, depois da
reeleição da doutora.
Serviço: Quem quiser, pode pegar na rede
uma magnífica narrativa do caso na revista holandesa Vrij Nederland,
intitulada "The Cover-Up at Dutch Multinational SBM", dos repórteres Ham
Ede Botje, James Exelby e Eduard Padberg. Num sinal dos tempos, o
trabalho da trinca foi amparado por uma fundação de estímulo à
investigação jornalística.
VACCARI E O PT SABIAM QUE ELE IRIA PRESO
João
Vaccari Neto sabia há mais de seis meses que seria preso. Desde janeiro
a cúpula do PT sabia que sua situação era desesperadora. Um dia o
comissariado aprenderá a lidar com a proteção que dá aos seus quadros
acusados de corrupção. Até lá, arrastará as correntes do assassinato de
Celso Daniel, do mensalão e do que se vê por aí. Pelas condições de
hoje, mesmo que comece a fazer isso amanhã, ainda assim será tarde.
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