(*) Carlos Brickmann –
Sabe por que Aécio Neves não foi à manifestação de domingo, e por isso foi vaiado? Porque não é bobo: sabe que, se fosse, seria vaiado ao vivo. A manifestação foi contra Dilma, contra o PT, contra a ladroeira; mas também, e especialmente, contra tudo que está aí. Isso inclui juízes e parlamentares que não perdem oportunidade de buscar mais vantagens; e inclui, com destaque, a oposição que não se opõe, e que, quando está no Governo, também se lambuza nas lambanças.
E há motivos para esta aversão a tudo isso que está aí. Fala-se em cortes de investimentos, o desemprego avança, os juros explodem, mas os gastos do Governo em cartões corporativos continuam crescendo – e são secretos. Sobem salários e vantagens de parlamentares e juízes. Pede-se economia de água nos Estados em que há estiagem; a Sabesp, empresa de saneamento básico do Governo paulista, reclama da queda de rentabilidade que atrapalha novos investimentos, mas o bônus dos diretores foi confirmado. Uma graninha extra é sempre útil.
Resultado: pesquisa feita na manifestação pela Universidade Federal de São Paulo mostra que 76% não confiam em Aécio (22,6% confiam). Serra? Havia 75,4% contra, 23,8% a favor. Bolsonaro? Nem 20% o acham confiável. E, lembremos, não havia petistas, dilmistas ou lulistas na manifestação.
Eram todos contra eles – e o resultado, para a oposição, foi ruim assim mesmo. O antipetista mais bem avaliado foi Geraldo Alckmin, com 29% (nem um terço!) Mas proporção quase igual, 28%, não confia nele.
É preciso escutar direito a voz das ruas.
Contra isso 1
No primeiro trimestre, o Governo Federal gastou R$ 9 milhões (em que? Segredo!) com cartões corporativos. Só a Presidência torrou R$ 2,8 milhões. E, na conta, ainda faltam parcelas: só 24 dos 39 ministérios informaram as despesas.
Contra isso 2
Com a seca em São Paulo, o Governo estadual ofereceu descontos a quem economizasse água, e a Sabesp teve de executar obras de emergência. Com isso, seus lucros caíram 53% em 2014. Sem recursos, a Sabesp reduziu investimentos em esgotos e pediu que o aumento de tarifas atingisse 13,8%.
Mas os bônus são sagrados: sete diretores receberam, no total, R$ 504 mil, conforme relatório da empresa. É o prêmio pelo desempenho que tiveram no ano passado (e que levou, já em 2015, à troca de presidente, tão bons tinham sido os resultados anteriores).
Contra isso 3
Não, não estamos falando do empréstimo de pai para filha, com linha de crédito do BNDES, a juros inferiores a 5% ao ano e com alguns anos de carência, concedido pelo Banco do Brasil a Val Marchiore, ex-participante do programa Mulheres Ricas. Falar desse empréstimo poderia parecer inveja (e seria).
Falemos dos financiamentos do BNDES à Odebrecht e à Embraer, que recebem a maior parte do crédito do BNDES a negócios internacionais (81% dos US$ 12,29 bilhões emprestados entre 2009 e o primeiro trimestre de 2014). A Embraer, OK: vende aviões financiados, mas garante o pagamento ao BNDES se o comprador falhar. O próprio avião é uma garantia, já que o BNDES pode retomá-lo por falta de pagamento. Mas a exportação de serviços é diferente: se o comprador final não pagar, o rombo fica com o banco.
O Tesouro é bonzinho, paga.
Contra o financiador
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, deve depor amanhã na Comissão de Infraestrutura do Senado. Se até lá o senador Renan Calheiros, presidente do Senado, continuar chateado com o Governo, Coutinho terá de enfrentar um dia difícil. Vão perguntar-lhe até como os gastos do BNDES passaram de R$ 47,1 bilhões em 2005 para R$ 190,4 bilhões em 2013. E há números em abundância, apurados pelo jornalista Eduardo Militão, da excelente publicação Congresso em Foco, para embasar o interrogatório.
As coisas só ficarão mais tranquilas para o presidente do BNDES se o presidente do Senado tiver recuperado o bom humor.
O ministro contra tudo
E que não se use contra os críticos do Governo aquela profunda argumentação de costume: coxinhas, fascistas, reaças, elite branca paulista de olhos azuis e batedores de panelas importadas Le Creuset. Quem fala sobre o Governo de Dilma Rousseff é um de seus ministros, Roberto Mangabeira Unger (que também foi ministro do Lula), e ocupa a Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Segundo Mangabeira Unger, a política econômica dos últimos anos “foi um keynesianismo vulgar”, que “adiou o dia da conta e do castigo”, e agravou os problemas do país. Keynesianismo é a doutrina econômica do inglês John Maynard Keynes, que considera possível e desejável estimular o crescimento pela ação estatal. “Precisamos de um ajuste”, completou o ministro de Assuntos Estratégicos, “que subordine o keynesianismo vulgar ao imperativo do realismo fiscal”.
Contra a maioria
A maioria dos participantes das manifestações quer o impeachment de Dilma. Há motivos legais (expostos em dois pareceres jurídicos, de Ives Gandra Martins e Miguel Reale Jr.). Mas não haverá impeachment, a menos que a situação política mude.
O PMDB prefere, confortavelmente, mandar por baixo do pano.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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