A foto do retardamento ideológico da América Latina |
Um livro
dos jornalistas uruguaios Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz revela que a
presidente Dilma Rousseff interveio diretamente para punir o Paraguai
depois que o congresso do país votou pelo impeachment do presidente
Fernando Lugo, em 22 de junho de 2012. Uma Ovelha Negra no Poder, sobre o
ex-presidente do Uruguai José Mujica, é a mesma obra que revelou confidências do presidente Lula sobre o mensalão.
Lugo
sofreu impeachment por mau desempenho de suas funções a nove meses das
eleições presidenciais no Paraguai. O posto passou a ser ocupado pelo
vice-presidente, Federico Franco. Faz parte do jogo democrático ter
instrumentos para afastar presidentes incompetentes, criminosos ou
corruptos. No Paraguai, tudo ocorreu em obediência à Constituição, ainda
que as votações no Congresso e no Senado tenham sido muito rápidas.
Apenas um deputado e quatro senadores pediram a absolvição de Lugo. No
total, 112 parlamentares votaram por "la condena", pela condenação. O
prazo para o presidente apresentar sua defesa foi curto, mas não violou
as regras para o impeachment.
Argentina
e Brasil sustentaram que o processo significava uma "ruptura
democrática", apesar de ter ocorrido em conformidade com as leis
paraguaias. Para punir o governo interino, os governos dos dois países
decidiram expulsar o Paraguai do Mercosul. Mas o uruguaio Mujica era
contra a medida. O livro de Danza e Tulbovitz revela como o governo
brasileiro o convenceu a mudar de ideia e como a presidente Dilma
Rousseff foi fundamental para isso.
O trecho
abaixo, contido no livro Uma Ovelha Negra no Poder, foi publicado no
semanário Busqueda, do qual Danza, um dos autores da obra, é diretor de
redação:
Quando
Lugo foi destituído pelo Senado paraguaio e antes que se celebrasse a
cúpula do Mercosul para resolver as sanções, uma das pessoas de maior
confiança de Mujica recebeu uma chamada de Marco Aurelio García, mão
direita de Dilma.
"Dilma
quer transmitir uma mensagem muito importante para o presidente Mujica",
disse o funcionário brasileiro em uma mistura de português e espanhol.
"Não tem problema, vamos estabelecer uma comunicação entre os dois presidentes", foi a resposta do uruguaio.
"Não, não pode haver comunicação nem por telefone, nem por email. É pessoalmente", argumentou o brasileiro.
Um
encontro tão fugaz e repentino entre presidentes levantaria suspeitas,
motivo pelo qual o governo brasileiro resolveu enviar um avião a
Montevidéu para transportar o emissário de Mujica à residência de Dilma,
em Brasília.
Assim foi
feito, e quando uruguaio chegou, Dilma estava lhe esperando em seu
escritório. A conversa formal sobre questões gerais durou apenas poucos
minutos porque não havia muito tempo.
"Vamos ao
que interessa", interrompeu Dilma e o emissário tomou uma caderneta e
começou a anotar o que a presidente brasileira informava. "Sem
anotações", disse ela e fez com que ele rasgasse o papel. "Esta reunião
nunca existiu".
Durante a
conversa, Dilma mostrou a ele fotos, gravações e informes dos serviços
de inteligência brasileiros, venezuelanos e cubanos, que registravam
como foi gestado um "golpe de estado" contra Lugo por um grupo de
"mafiosos" que, a partir da queda do presidente, assumiram o poder. "O
Brasil necessita que o Paraguai fique de fora do Mercosul para, dessa
forma, acelerar as eleições no país", concluiu Dilma.
Na semana
seguinte, no início do julho de 2012, todos os presidentes do Mercosul
votavam, em uma cúpula na cidade argentina de Mendoza, a suspensão do
Paraguai.
A Constituição Federal não deixa dúvidas. Em seu artigo 4°,
estão previstos os princípios da política internacional brasileira,
entre eles a autodeterminação dos povos e a não-intervenção. Esses
valores são evocados como um mantra inclusive para justificar a apatia
do governo petista frente a violações de direitos humanos em países
admirados pelo partido, como Cuba e Venezuela. Se a revelação feita pelo
livro estiver correta, Dilma não se sentiu constrangida em usar
informações levantadas pelos espiões desses países para intervir numa
questão doméstica do Paraguai. (Veja.com).
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