O
texto "Questão de classe", de J. R. Guzzo, saiu numa das edições
passadas da revista Veja. Republico aqui porque tenho insistido nesse
tema: a sociedade é vista sempre como culpada em relação aos criminosos
adolescentes.
As esquerdas são as principais disseminadoras dessa
baboseira, que tem origem em Rousseau. Guzzo tem razão em afirmar que
"em nosso pensamento penalmente correto, a ideia de que as culpas são
sobretudo uma questão de classe virou verdade científica". É como se o
"atestado de pobreza" desse liberdade para assaltar, estuprar,
assassinar.
Tal pensamento, diga-se, não é exclusividade dos petistas: é
partilhado por boa parte das autoridades, juristas de renome, estrelas
do mundo artístico, intelectual e sociológico e pela própria OAB. Ao
pobre, tudo é permitido - ideia nefasta que só faz aumentar a
criminalidade:
Uma
das crenças mais resistentes do pensamento que imagina a si próprio
como o mais moderno, democrático e popular do Brasil é a lenda da
inocência dos criminosos pobres. Por essa maneira de ver as coisas, um
crime não é um crime se o autor nasceu no lado errado da vida, cresceu
dentro da miséria e não conheceu os suportes básicos de uma família
regular, de uma escola capaz de tirá-lo da ignorância e do convívio com
gente de bem. De acordo com as fábulas sociais atualmente em vigência,
pessoas assim não tiveram a oportunidade de ser cidadãos decentes - e
por isso ficam dispensadas de ser cidadãos decentes. Ninguém as ajudou;
ninguém lhes deu o que faltou em sua vida.
Como compensação por esse
azar, devem ser autorizadas a cometer delitos - ou, no mínimo,
considera-se que não é justo responsabilizá-las pelos atos que
praticaram, por piores que sejam. Na verdade, segundo a teoria
socialmente virtuosa, não existem criminosos neste país quando se trata
de roubo, latrocínio, sequestro e outras ações de violência extrema - a
menos que tenham sido cometidos por cidadãos com patrimônio e renda
superiores a determinado nível. E de quem seria, nos demais casos, a
responsabilidade? Essa é fácil: "a culpa é da sociedade".
Toda essa conversa é bem
cansativa quando se sabe perfeitamente, desde que Moisés anunciou os Dez
Mandamentos, que certas práticas são um mal em si mesmas, e
ponto-final; não apareceu nas sociedades humanas, de lá para cá, nenhuma
novidade capaz de mudar esse entendimento fundamental.
Um crime não deixa de ser um crime pelo fato de ser cometido por uma pessoa pobre, da mesma forma que ser pobre, apenas, não significa ser honesto. Mas e daí? Em nosso pensamento penalmente correto, a ideia de que as culpas são sobretudo uma questão de classe é verdade científica, tão indiscutível quanto a existência do ângulo reto. Por esse tipo de ciência, um homicídio não é "matar alguém", como diz o Código Penal brasileiro; para tanto, é preciso que o matador pertença pelo menos à classe média. Daí para baixo, o assassinato de um ser humano é apenas um "fenômeno social".
Fim
da discussão. No mais, segundo os devotos da absolvição automática para
os criminosos que dispõem de atestado de pobreza, "somos todos
culpados". Nada como as culpas coletivas para que não haja culpa alguma -
e para que todos ganhem o direito de se declarar em paz perante sua
própria consciência.
Embora não faça parte dos
programas de nenhum partido ou governo, esta é a fé praticada pela
maioria das nossas altas autoridades - junto com as camadas superiores
da Ordem dos Advogados do Brasil, juristas de renome e estrelas do mundo
intelectual, artístico e sociológico. A mídia, de modo geral, os
acompanha. Há aliados de peso nos salões de mais alta renda da nação,
onde é de bom-tom deplorar a "criminalização da pobreza"; é comum,
quando se reúnem, haver mais seguranças do lado de fora do que
convidados do lado de dentro.
A moda do momento, para todos, é
escandalizar-se com a proposta de redução da maioridade penal de 18 para
16 anos, em caso de crimes graves. Não se trata de uma questão de
ideologia, ou de moral. A punição pela prática de crimes tem,
obrigatoriamente, de começar em algum ponto, e 16 anos é uma idade tão
boa quanto 18 - é impossível, na verdade, saber qual o número ideal. Mas
o tema se tornou um divisor entre o bem e o mal - sendo que o mal,
claro, é a redução, já declarada "coisa da direita selvagem".
Alega-se que o número de
menores de 18 anos que praticam crimes violentos é muito pequeno, e que a
mudança não iria resolver o problema da criminalidade no Brasil. Ambas
as afirmações são verdadeiras e sem nenhuma importância. Quem está
dizendo o contrário? O objetivo da medida é punir delitos que hoje ficam
legalmente sem punição - e nada mais.
Também é verdade que pessoas de 60 anos cometem poucos crimes, e nem por isso se propõe que se tornem livres de responder por seus atos. Também é verdade que os crimes não vão desaparecer com nenhum tipo de lei - e nem por isso se elimina o Código Penal.
Também é verdade que pessoas de 60 anos cometem poucos crimes, e nem por isso se propõe que se tornem livres de responder por seus atos. Também é verdade que os crimes não vão desaparecer com nenhum tipo de lei - e nem por isso se elimina o Código Penal.
Talvez esteja na hora de
pensar que existe alguma coisa profundamente errada com a paixão pela
tese de que a desigualdade social é a grande culpada pela criminalidade
no Brasil. Segundo o governo, a redução da pobreza está passando por um
avanço inédito na história; nesse caso, deveria haver uma redução
proporcional no número de crimes, não é? Mas o crime só aumenta. Ou não
houve o progresso que se diz, ou a tese está frouxa. Como fica?
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