terça-feira, 2 de junho de 2015

Estatuto do Desarmamento salvou 160.000 vidas, calcula estudo


Lei que pode ser derrubada pela Câmara dos Deputados poupou a vida de 113.071 jovens


Armas apreendidas pela Polícia Civil de Santa Catarina. / Divulgação

Enquanto na Câmara dos Deputados parlamentares ligados à bancada da bala discutem um projeto de lei que pretende acabar com o Estatuto do Desarmamento, o Mapa da Violência 2015 defende a importância da lei na redução das mortes com arma de fogo. De acordo com o relatório, que será divulgado nesta quinta-feira, o Estatuto foi responsável por poupar 160.036 vidas desde sua sanção pelo presidente Lula, em 2003 - o equivalente à população de uma cidade de médio porte como Nilópolis, no Rio de Janeiro, ou Itapecerica da Serra, em São Paulo. Desde total de pessoas salvas, o estudo indica que 113.071 foram jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos.
Entre 1993 e 2003 os homicídios com arma de fogo cresceram 7,8% ao ano, até atingir 36.115 mortes. Seguindo esta progressão, deveríamos ter registrado em 2012 – último ano com dados do Ministério da Saúde disponíveis – 71.118 vítimas fatais de disparos. “Mas foram registradas 40.077 mortes. Só nesse ano foram poupadas 31.041 vidas”, diz o relatório, que conclui destacando a importância do “caráter preventivo das políticas de controle das armas de fogo no enfrentamento dos homicídios juvenis”.


Mas segundo o Mapa da Violência, o Estatuto do Desarmamento sozinho não basta para combater as mortes no país – que ocupa a 11ª posição no ranking dos mais violentos do mundo. “Falta ainda uma série de reformas necessárias, como a reforma do código penal, das instituições policiais e do sistema prisional”, diz o relatório. O texto aponta ainda que o “enfrentamento à impunidade” e às “transgressões institucionais de diversos organismos encarregados de fazer cumprir as leis” também são fundamentais para a redução da violência. De cada treze pessoas mortas por dia em São Paulo no ano de 2014, duas foram vítimas da polícia.


“Quando houve campanha de desarmamento para valer, em 2004 e 2005, as estatísticas começaram a baixar”, explica Julio Jacobo, coordenador do estudo. De acordo com ele, nestes dois anos “foram recolhidas mais de 500.000 armas, e o impacto no número de mortes foi enorme". Nos anos seguintes, segundo ele, não houve mais mobilização nacional e incentivo à campanha de recolhimento de armas – apenas 200.000 foram entregues em 2006 e 2007 -, e o resultado foi um pequeno crescimento no número de homicídios. Estima-se que o país tenha 16 milhões de armas em circulação.
A linha vermelha mostra a curva dos homicídios entre 1993 e 2012, enquanto que a verde é a evolução esperada caso não houvesse o Estatuto do Desarmamento. / Mapa da Violência
Jacobo afirma que a maioria dos homicídios do país são motivados por brigas entre vizinhos, parentes, acidentes de trânsito, ou seja, motivos fúteis, crime cultural”. Mortes provocadas por criminosos "na maioria das unidades da federação são a minoria". Segundo o professor, a “cultura da violência somada às armas de fogo é uma mistura explosiva”.

“Com exceção do Estatuto do Desarmamento temos poucas políticas nacionais de segurança pública”, diz Ignácio Cano, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência. De acordo com ele, o Estatuto “cumpre um papel importante sinalizando que as armas de fogo são um vetor da violência”. O professor ressalta ainda que este tipo de armamento “multiplica os efeitos letais dos conflitos”. “Existe um consenso praticamente universal na comunidade acadêmica com relação a isso. As exceções são trabalhos esporádicos financiados por empresas de armas”, diz.

Nas mãos de seus inimigos

A comissão especial que analisará um projeto que acaba com a lei que acaba com o Estatuto é comandada por deputados da frente parlamentar pela Segurança Pública, grupo formado por ex-policiais, delegados e deputados financiados por empresas de armas e munições. Desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, dezenas de projetos de lei que buscavam flexibilizá-lo já foram formulados, mas nenhum avançou. Agora, com uma composição mais conservadora no Congresso, isso pode mudar.
Falta ainda uma série de reformas necessárias, como a reforma do código penal, das instituições policiais e do sistema prisional”
Na comissão, apenas a bancada do PT e do PC do B são contrárias ao projeto do deputado Peninha. Ivan Valente (PSOL-SP) também se posicionou contrário à lei, mas ele é membro suplente. Caso seja aprovado, o PL 3722/2012 irá para o plenário da Câmara, onde será votado em dois turnos.


Membro declarado da bancada da bala, o relator Laudívio Carvalho (PMDB-MG) assumiu um discurso moderado, e afirmou que “é preciso ouvir todos os segmentos sociais, e a minha posição só será conhecida no relatório final”. Sua indicação para a relatoria foi criticada por organizações da sociedade civil, uma vez que ele estaria alinhado com os interesses dos fabricantes de armas. "Existem muitas informações que precisam ser analisadas. Já pedi dados para a Rota [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo, frequentemente envolvida em casos de violação dos Direitos Humanos]”, disse o deputado, que ficou famoso por apresentar um programa de televisão sensacionalista sobre crime e violência.


O presidente da comissão, Marcos Montes (PSD-MG), que teve campanhas eleitorais financiadas por empresas de armamentos, aposta na mudança do Estatuto. "95% dos integrantes da comissão querem reestudar a lei, compartilho a opinião de que é preciso adequá-la", afirma. O parlamentar diz ainda que a ampliação do porte de arma “não seria um retrocesso”, uma vez que representa “a vontade da população”. O deputado se refere ao referendo sobre a proibição da comercialização de armas no país, realizado em 2005.


À época, a maioria dos brasileiros se manifestou contrariamente ao veto. No entanto, uma pesquisa do instituto Datafolha realizada em setembro do ano passado mostrou que 62% dos entrevistados acreditam que a posse de armas deveria ser proibida. O parlamentar disse desconhecer o levantamento.

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