Modelo tucano na privatização
Pacote de concessões anunciado pelo governo adota padrão criticado pelo PT nos últimos 20 anos. Mas o esforço para sair da agenda negativa corre o risco de virar uma mera peça de marketing
Desde que o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou, em 1997, um conselho de desestatização e transferiu à iniciativa privada o controle de estatais, rodovias e ferrovias – em processos considerados à época pelo PT economicamente questionáveis – o termo “privatista” se transformou em ofensa contra os tucanos no vocabulário petista. Dali em diante, em todas as campanhas eleitorais, sejam municipais, estaduais ou presidenciais, como a de 2014, o PT jamais deixou de carimbar o principal partido adversário como idealizador da “entrega do patrimônio do Estado à iniciativa privada em prejuízo da população”.
Ao justificar as concessões anunciadas durante a era petista no poder, alegavam que o modelo adotado pelo PT preservava a União. Agora, com a divulgação pela presidente Dilma Rousseff na terça-feira 9 do pacote de concessões do governo, nem esse contorcionismo verbal os petistas conseguirão fazer mais. O plano de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos destinado a socorrer os combalidos cofres públicos carrega a gênese tucana. Em vez de selecionar as empresas pelo critério da menor tarifa, como ocorria até então,
Dilma e sua equipe econômica acenaram para o mercado com o vantajoso modelo de outorga – idêntico ao implementado pelo PSDB no passado. Assim, empresa que apresentar o melhor preço de remuneração à União leva a concessão. Além disso, não há fixação do limite de lucro das concessionárias. Anteriormente, o governo estabelecia a taxa de retorno das concessões em até 15% do montante investido.
“A presidente deveria pagar direitos autorais ao Fernando Henrique Cardoso. É um grande plano de privatização, com modelo de outorga, leva quem paga mais”, lembrou o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO). O economista Luiz Alberto Machado, titular do Conselho Federal de Economia (Cofecon), fez coro. “Só deram um nome diferente, chamar privatização de concessão é figura de linguagem, não tem como negar uma reaproximação com o modelo de FHC”, afirmou.
A intenção do Palácio do Planalto é
movimentar cerca de R$ 198 bilhões com licitações e leilões da área de
infraestrutura, numa segunda fase das concessões iniciadas em 2012. Mas
há um longo - e talvez inviável - caminho para atingir esse objetivo.
Por isso, o pacote de Dilma corre o sério risco de se transformar mais
em uma peça de marquetagem eleitoral, destinada a tirar a presidente da
agenda negativa, do que em algo economicamente efetivo.
No mercado, as
medidas foram recebidas com cautela. Apesar do reconhecimento de que o
aceno do governo é positivo, os empresários temem que pelo menos 40% do
total anunciado não saia do papel, pois se referem a obras que sequer
têm projeto ou estudo técnico de viabilidade. Em geral, estes estudos
demoram de seis meses a um ano para ficarem prontos, o que jogaria
muitas das concessões divulgadas para o fim de 2016.
Não bastasse isso, o
governo mergulha sua carta de intenções em água turva ao incluir na
lista de empreendimentos a Ferrovia Bioceânica, um projeto faraônico e inexequível que prevê a construção de uma estrada de ferro ligando os
litorais do Brasil e do Peru a um custo de R$ 40 bilhões só em
território brasileiro.
A má experiência das últimas concessões
também assusta o mercado e os empreendimentos terão de contar com o
apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
para dar certo. O fato de as principais empreiteiras do País estarem
envolvidas com a Operação Lava Jato podem ser mais um obstáculo aos
projetos. “Em 2012, o governo licitou sem o sistema de outorga e não
houve sucesso. Agora mudou, pois está no sufoco, buscando recursos. Mas
há um dilema: quem vai participar?”, questiona o economista Luiz Alberto
Machado.
Apesar de adotar um modelo de DNA claramente tucano, o governo por
incrível que pareça ainda rejeita comparações das concessões da era
petista com as privatizações feitas no governo FHC. O principal
argumento dos aliados de Dilma é que a privatização vende de forma
definitiva o patrimônio estatal e a concessão tem tempo determinado para
acabar, retornando ao controle da União.
Mesmo com o prazo determinado,
a experiência com as concessões mostram que, uma vez transferidas à
iniciativa privada, elas dificilmente voltam para as mãos do Estado. Das
21 concessões em vigor acompanhadas pela Agência Nacional de Transporte
Terrestre, só uma teve contrato encerrado e aberto para nova licitação:
a da Ponte Rio-Niterói. Durante 20 anos, os fluminenses estiveram
submetidos às regras da iniciativa privada e agora, em 2015, têm outro
administrador.
Fonte: IstoÉ
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