Em entrevista ao Estadão, o procurador Deltan Dallagnol disse que a
corrupção, no Brasil, é sistêmica. Sim, vivemos num país
patrimonialista, em que políticos, empresários et caterva tratam o
Estado como propriedade privada, mas nunca, na história do Brasil, a
corrupção foi tão profunda quanto nos últimos 12 anos. Corrupção sempre
houve, mas o lulopetismo a institucionalizou. É necessário reconhecer
isto para não escorregar no relativismo feroz, tão enaltecido pelos
petistas, principalmente nas universidades:
O procurador da República Deltan Dallagnol alerta que o Brasil
precisa reconhecer que a corrupção não é um problema de um partido ou de
um governo. “Ela é sistêmica”, afirma. Ele condena a partidarização do
discurso “ou a crença ilusória” de que o País vencerá os malfeitos com a
mudança de governos ou partidos. “Precisamos de sistemas e instituições
saudáveis. A história nos mostra que a corrupção não tem cor ou
partido.”
Deltan Dallagnol integra a força-tarefa da Operação Lava Jato, a mais
explosiva ação integrada do Ministério Público Federal e da Polícia
Federal já deflagrada contra desvios de recursos públicos – o núcleo
central da organização criminosa assumiu o controle de contratos
bilionários da Petrobrás e distribuiu propinas a políticos e partidos
durante uma década.
Deltan Dallagnol assumiu uma cruzada sem precedentes na história de
sua Instituição. Ele quer o que chama de ‘um País mais justo’. “A
corrupção sangra o nosso País”, adverte.
Sua meta, e a de seus pares no Ministério Público Federal, é levar ao
Congresso um projeto de lei que contemple dez medidas contra a
corrupção. O desafio é enorme: “Precisamos de um milhão e meio de
assinaturas para que essas ideias se transformem em um projeto, assim
como a Ficha Limpa.”
Eis as dez medidas que Deltan Dallagnol prega, endossadas pela Procuradoria-Geral da República:
1) PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO, TRANSPARÊNCIA E PROTEÇÃO À FONTE DE INFORMAÇÃO
2) CRIMINALIZAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE AGENTES PÚBLICOS
3) AUMENTO DAS PENAS E CRIME HEDIONDO PARA CORRUPÇÃO DE ALTOS VALORES
4) AUMENTO DA EFICIÊNCIA E DA JUSTIÇA DOS RECURSOS NO PROCESSO PENAL
5) CELERIDADE NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
6) REFORMA NO SISTEMA DE PRESCRIÇÃO PENAL
7) AJUSTES NAS NULIDADES PENAIS
8) RESPONSABILIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS E CRIMINALIZAÇÃO DO CAIXA 2
9) PRISÃO PREVENTIVA PARA ASSEGURAR A DEVOLUÇÃO DO DINHEIRO DESVIADO
10) RECUPERAÇÃO DO LUCRO DERIVADO DO CRIME
Estado: Qual é o remédio para combater a corrupção em processo de metástase?
Procurador da República Deltan Dallagnol: Primeiro
precisamos reconhecer que a corrupção não é um problema de um partido
ou de um governo, mas é sistêmica. A corrupção endêmica levou a ser
cunhada, na nova República, durante o governo Getúlio Vargas, a
expressão “mar de lama”. Houve corrupção durante a ditadura e diversos
escândalos ocorreram em nosso período democrático. Elegemos um
presidente para caçar os corruptos, ou “marajás”, e a história não
acabou bem. Nossas esperanças devem ser depositadas sobre um sistema que
funciona bem, e não sobre pessoas. O problema, hoje, é que o sistema
funciona mal. Se queremos um país com menos corrupção e menos
impunidade, precisamos mudar a lei. Por isso, propusemos as 10 medidas.
Estado: O sr. disse que a Lava Jato é um ‘suspiro de esperança’. O sr. tem alguma esperança de que a corrupção será derrotada
Deltan Dallagnol: Vivemos
uma janela de oportunidade para derrotar a corrupção como nunca tivemos
em nossa história. Jamais a população esteve tão sensível, tão
esperançosa e tão disposta a agir para alcançarmos as mudanças
necessárias para nos livrarmos da corrupção e da impunidade, as quais
caminham juntas. A experiência internacional nos mostra que é, sim,
possível vencer a corrupção. Hong Kong tinha uma corrupção tão intensa
como a brasileira e, na década de setenta do último século, adotou uma
estratégia de combate à corrupção que inspira as 10 medidas. Sob gestão
do Reino, essa estratégia levou Hong Kong a ocupar, hoje, a posição de
17º país mais honesto do mundo, no ranking da Transparência
Internacional, estando 52 posições à frente do Brasil.
Estado: Por que o País chegou a esse estágio desenfreado de malfeitos? O País já se conforma com a corrupção?
Deltan Dallagnol: A
corrupção no Brasil remonta ao período colonial e a uma cultura de
exploração. Padre Antônio Vieira, no sermão do bom ladrão, já dizia que
os governantes não vinham de Portugal com o propósito de alcançar nosso
bem, mas sim de alcançar nossos bens. Quando a família real aportou no
Brasil, em 1808, fugida de Napoleão, não havia uma estrutura palaciana
para a abrigar. Hospedou-se na Quinta da Boa Vista, então pertencente a
um traficante de escravos, que foi agraciado com uma série de benefícios
pela coroa. Acredito que nosso passado influencia, mas não determina,
quem somos. Mais do que isso, acredito que podemos escolher quem
queremos ser e que país queremos ter. As propostas do Ministério Público
são fruto de uma aspiração por um país mais justo. A sociedade
brasileira é senhora de seu destino, autora de sua história, e pode
construir um Brasil melhor.
Estado: Que propostas o sr. e sua Instituição têm para golpear a rede de propinas que se instalou em órgãos da administração pública?
Deltan Dallagnol: Precisamos
atuar em três frentes: evitar que a corrupção aconteça; garantir a
punição e a recuperação de valores desviados pela corrupção de modo
adequado; e acabar com a impunidade. Há várias propostas dentro desses
três contextos. Para evitar a corrupção, por exemplo, propomos
conscientização e educação, inclusive mediante marketing de massa e
programas em escolas e universidades, a implementação de testes de
integridade sobre agentes públicos (recomendados pela ONU e
Transparência Internacional), a existência de códigos de conduta claros
por categoria e a implementação de treinamentos na Administração
Pública, bem como a proteção da identidade do cidadão que pode
contribuir com a investigação de casos de corrupção quando necessário.
Para garantir a punição adequada, a corrupção passa a ter penas mais
condizentes com sua gravidade e aquela de altos valores passa a ser
crime hediondo. Com o objetivo de recuperar valores desviados, propomos
novos mecanismos, recomendados pela ONU, para fechar brechas por onde
escapam para o ralo, como o confisco do dinheiro desviado ainda que o
processo criminal se encerre porque o corrupto morreu. Por fim, para
acabar com a impunidade, propomos a agilização de processos e que estes
só “prescrevam”, isto é, sejam cancelados pelo simples decurso do tempo,
quando o Estado não tiver agido de modo adequado. No caso propinoduto,
que apurou desvios milionários por fiscais estaduais do Rio de Janeiro,
por exemplo, os crimes de corrupção foram “cancelados”, como se jamais
tivessem ocorrido, em razão tão somente da demora do trâmite do processo
no Judiciário.
Estado: Qual é a maior dificuldade em implementar as dez propostas do MPF?
Deltan Dallagnol: Vou
citar duas dificuldades. A primeira é a passividade. Martin Luther
King, ativista americano pela igualdade racial, dizia que sua maior
preocupação não era a maldade dos maus, mas o silêncio dos bons. Se
queremos um país melhor, a saída não é ficar reclamando e esperar que
ele caia dos céus. Devemos arregaçar as mangas e fazer nosso melhor para
que ele aconteça. Hoje a sociedade tem, mais e mais, essa percepção, e
estou impressionado com o engajamento na colheita das assinaturas para
as 10 medidas. Gente de todo lado do país está fazendo isso. A segunda é
a partidarização do discurso ou a crença ilusória de que resolveremos o
problema da corrupção com a mudança de governos ou partidos. Precisamos
de sistemas e instituições saudáveis que impeçam a corrupção
independentemente de quem está no poder. O que a história nos mostra,
aliás, é que a corrupção não tem cor ou partido.
Estado: Diante de um cenário dominado por desvios e violências, o sr. já cogitou de sair do País?
Deltan Dallagnol: Eu,
não. Talvez por ser teimoso (risos). Vivi um ano em Cambrige, quando
estudava em Harvard, e o que mais queria era poder empregar o que
aprendi lá em favor de um país melhor. Após uma de minhas palestras
sobre as 10 medidas, um empresário, sócio de uma grande empresa de
transportes, veio falar comigo. Ele disse que estava decidido a deixar o
Brasil, mas, após a palestra, decidiu empregar todas as suas energias e
tempo buscar a transformação do país, inclusive por meio da aprovação
das 10 medidas. Se o brasileiro é aquele que não desiste nunca, devemos
dizer que somos brasileiros e não vamos desistir do nosso país.
Estado: A colaboração premiada é uma realidade? Ela tem sido decisiva para a Lava Jato?
Deltan Dallagnol: A
colaboração premiada já era uma realidade, no caso Banestado. Ela é
decisiva, na medida em que traz um efeito exponencial, ou “efeito
dominó”, nas investigações. Jamais serve sozinha para acusar alguém
criminalmente, mas é um excelente início de prova para aprofundar a
investigação. Assim aconteceu, por exemplo, no caso da Odebrecht, em que
o aprofundamento das investigações nos levou a conseguir depósitos
bancários milionários feitos por contas em nome da Odebrecht em favor de
ex-diretores da Petrobras, tudo de modo escondido, no exterior.
Estado: Por que, sobretudo advogados renomados, resistem à colaboração? (Estadão).
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