"Piração
interna bruta" é o texto publicado por Fernando de Gabeira na edição de
hoje do jornal O Globo, mostrando que, embora se sintam "perseguidos",
os petistas são incapazes de refletir sobre as causas da rejeição:
O início
de agosto vai me colher numa viagem pelo interior do Tocantins. Precária
conexão por telefone e internet. Em outros momentos, mergulhar no
interior é mais fácil. Mas agora, surpresas acontecem com muita rapidez.
Como será o Brasil quando voltar? Minha ligação emocional com o país
não me abre alternativas. Plutão? Pequeno, redondinho, uma lua chamada
Charon, mas um coração de planícies geladas. Kepler 452-B? Muito longe, e
os endereços seriam complicados: Kepler 452-B, SQS, QI 4 casa 2.
Ouço
entre os mais jovens e competentes que a alternativa é o aeroporto.
Permitam-me lembrar que daqui a pouco os aeroportos podem estar tomados
pela Polícia Federal. As concessões para sua exploração foram entregues
às empresas do Lava-Jato. Imaginem o que aconteceu?
Agosto
talvez coloque algumas coisas no eixo, com a volta das manifestações.
Lula e Dilma estão pisando em brasas, e isso ferve seus neurônios. Lula
afirmou que os petistas são perseguidos no Brasil como os judeus na
Alemanha, os cristãos em Roma, os italianos sob o fascismo. E Dilma
garantiu que a operação Lava-Jato é responsável pela queda de 1% no PIB.
O restante foi derrubado pelo suspeito de sempre: a situação lá fora.
Não basta
contestar Lula mostrando que Curitiba não é Dachau. Nem tentar ajudá-lo
mostrando que os leões comiam cristãos na arena, mas aqui o leão é
apenas um cara de bigode, anunciando que a Receita Federal já recuperou
mais de R$ 200 milhões em impostos das empresas da Lava-Jato.
Compreendo
que se sintam perseguidos e queiram buscar aliados confortantes na
história: judeus, cristãos, democratas italianos. Ninguém diz
abertamente: estamos sendo perseguidos como Al Capone ou a Máfia
Siciliana. De um ponto de vista objetivo, gângsteres e a máfia são o
melhor exemplo. Foram simultaneamente perseguidos pela polícia e fisco,
dentro das normas democráticas que, por sinal, inexistiam no nazismo, no
fascismo e na própria Roma antiga.
Dilma
resolveu que a Lava-Jato provocou uma queda de 1% no PIB. Como calculou
isso? Nunca se devolveu tanto dinheiro roubado, nem se arrecadou tanto
com impostos sonegados. Ela queria bater de frente com a operação que
desvendou os mistérios das campanhas milionárias. Não teve coragem.
Na
opinião dela, o Brasil está devastado por juízes, procuradores e
policiais que cumprem sua missão com eficácia. Se deixassem soltos e
intocados os empreiteiros e políticos, a magia do crescimento, via
corrupção, estaria garantida. Pelo menos 1% do PIB.
Não
retomo argumentos de Lula e Dilma para criticá-los. O Lula, para mim,
tem habeas-língua, pode dizer qualquer bobagem. E Dilma simplesmente não
é do ramo, apesar da juventude na luta armada. Ou talvez por causa
dela: muitos na luta armada desprezavam a política.
Retomo
apenas para, modestamente, sugerir a mudança de foco. Eles reconhecem
que são detestados, petistas se sentem perseguidos, mas são incapazes de
refletir profundamente sobre as causas. Comparar militantes de um
partido acusado de corrupção e incompetência com seis milhões de judeus
mortos nas câmaras de gás só faz aumentar a raiva das pessoas que têm um
mínimo de conhecimento do mundo. Atribuir a queda do PIB à mais séria
das investigações sobre assaltos que, inclusive, arruinaram a Petrobras
significa admitir que a corrupção é o dínamo do crescimento, e quanto
mais bandido for o governo, mais chance tem de levar o Brasil ao seu
destino glorioso.
Tanto
Lula e Dilma estão preocupados com a tolerância e querem reduzir a
tensão na política brasileira. No entanto, seus passos são provocativos.
Quanta tinta não vai se gastar para mostrar que Dilma agiu de má fé ao
atribuir a queda do PIB à operação Lava-Jato? No caso de Lula, sua frase
é de uma ignorância tão contundente que ninguém vai se dar ao trabalho
de escrever sobre ela.
De
qualquer maneira, o essencial está aí: Dilma, Lula e o PT, através da
negação do assalto e das críticas aos procuradores e PF, são uma das
causas da rejeição ao governo e ao PT. O interessante é que se vestem de
laranja, sujam as mãos de óleo, enrolam-se na bandeira para defender a
Petrobras, mas quando se revela como ela foi aniquilada pelos
saqueadores, colocam-se contra a polícia que investiga.
É difícil
transmitir a eles a ideia de que truques do PT não colam mais. Dilma
vai fritar ovo na televisão, sujar o avental, pedalar, beijar o netinho,
abraçar Lula no dia do amigo e estranhar a rejeição a uma presidente
“tão humana”. A mulher do empreiteiro talismã do PT, Marcelo Odebrecht,
diz num bilhete ao marido, sobre o jantar com sindicalistas: “Espero que
não suje minhas toalhas de linho. Vou pirar”.
Não se
preocupe cara Odebrecht. Caiu um PIB mas aumentou um outro: Piração
Interna Bruta. Vocês já piraram lá atrás, no começo de tudo.
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