Você sabia?
Insegurança é componente importante do espírito brasílico.
A desonestidade e a criminalidade geram insegurança e
transformam o honesto cidadão em refém da violência de criminosos.
As
artes da política transmitem tremenda insegurança – fica a impressão de que
todos os do andar de cima, embora podres, sejam intocáveis.
A insegurança jurídica é proverbial. Vai-se dormir à noite
sem ter certeza de que, no dia seguinte, leis e regulamentos ainda serão os
mesmos.
Essas incertezas não vêm de hoje. Marcam a história do país
desde o dia em que foi lavrada sua «certidão de nascimento».
Falo da carta de Pero Vaz de Caminha, bordada com arte e carinho pelo escriba
da esquadra de Cabral.
A missiva é cristalina ao datar a descoberta – ou o
achamento, como prefiram – da terra tropical. Diz ela: «nos 21 dias
de abril (…) topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de
ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho». No dia seguinte,
foi avistado um «monte mui alto e redondo», além de serras e
de terra chã com grandes arvoredos. Pronto o Brasil estava achado. E era 22
de abril.
Acontece que essa carta, devidamente guardada nalgum
escaninho da burocracia lusa, não foi consultada durante 300 anos e acabou
esquecida. Só viria a ressurgir no século XIX. Enquanto isso, o Brasil já se
havia declarado independente da metrópole. Na complexa organização do novo
país, foi buscada uma data de fundação. Na falta de informação segura, foi
privilegiado o dia 3 de maio. E por quê?
A
insegurança gerada pela ausência de provas documentais fez supor que o primeiro
nome dado à terra – Vera Cruz – viesse do dia que a hagiologia católica
consagra à celebração da verdadeira cruz, justamente o 3 de maio. (Entre
parênteses: com o nome de Cruz de Mayo, esse dia ainda é
festejado em alguns países da América Hispânica.)
Carta de Pero Vaz sobre o achamento
Ao fixar os feriados oficiais, a República fundada em 1889
manteve a comemoração da chegada dos primeiros europeus em 3 de maio. Por
essa altura, a carta de Pero Vaz já havia reaparecido – portanto, já se sabia
que a verdadeira data não era aquela. Assim mesmo, por comodidade, deu-se
preferência a manter a celebração no dia de Vera Cruz. Como o dia de
Tiradentes, 21 de abril, já era dia de festa, não convinha impor dois feriados
seguidos.
Não foi senão durante a ditadura de Getúlio Vargas que a
História se rendeu oficialmente à evidência: estava-se comemorando no dia
errado. De uma pedrada, derrubaram dois coelhos: o descobrimento passou a
ser celebrado dia 22 de abril que, ao mesmo tempo, deixou de ser dia feriado.
Meus
pais me contavam que o Brasil tinha sido descoberto em 3 de maio e eu não
entendia por que, na escola, me ensinavam data diferente. A insegurança sobre
as datas só se desfez muitos anos depois, quando eu descobri que eles me
ensinavam tal como haviam aprendido na escola.
O distinto leitor há de convir que, numa terra que já
começou com provas documentais desaparecendo de circulação, não espanta
que a insegurança continue sobressaindo. Fazer sumir provas tornou-se
esporte nacional. Decididamente, vivemos na terra do «eu não sabia
de nada».
31 de outubro de 2015
José Horta Manzano
Lorotas políticas e verdades efêmeras
Lorotas políticas e verdades efêmeras
Nenhum comentário:
Postar um comentário